quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

O Retorno do Rei

E aí ele falava Você não pode ficar sozinho cara, precisa sair e se divertir, encontrar-se com os amigos. Eu respondia Porquê?, e ele ia ao chão. Porque o ser humano não foi feito para viver só, respondia. O ser humano precisa de companhia, é um ser sociável, é um ser que precisa de outras pessoas para ter um mínimos de vivência. Então eu recorria à Sartre, e finalizava dizendo que Aquele que se sente solitário estando só é porque está em péssima companhia.

Eu adoro ficar sozinho, compadre. E isso não significa estar num quarto, trancado com meus brinquedinhos e olhando para o teto. Posso estar num shopping ou no meio de uma praça, cercado de amigos, e estar completamente só. Sou contemplativo. Converso comigo mesmo enquanto o mundo gira ao meu redor. Falo E aí, Maycão! Como vai essa força? Respondo filosoficamente com um Depende do ponto de vista, depende do contexto.

Exteriormente estou sempre bem. Nunca deixo transparecer quaisquer angústias ou frustrações. Os que já tiveram a sorte de conhecer minha falta de sorte não gostaria de repetir a empreitada. As coisas se acumulam de tal forma que, quando saem, qualquer ouvido atento é um potente catalisador. As palavras se sobrepõem, suprem mas às outras e no fim parece que não falei nada.

Nunca queira ouvir minhas lamentações.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O Príncipe

Quando eu ainda era criança, lembro de ter ouvido a Tia Judite (ela escreve Judith) falando para minha irmã, que um dia ela encontraria um príncipe montado num cavalo branco, que casariam e viveriam felizes para sempre. Minha irmã ficava com os olhos brilhando, quando a Tia Judite fala isso. E eu brincando do lado delas no sofá, ficava só imaginando quem era esse príncipe. Na minha inocência era um daqueles caras com roupa de carnaval das histórias infantis.

Essa história de príncipe, cavalo branco, felizes para sempre me deixou com a pulga atrás da orelha. Passei muito tempo pensando nisso, até que o Tio Joel meu guru para assuntos da vida, veio esclarecer o que significava esse papo de príncipe. Ele me falou que isso era uma balela, contou que esse príncipe que a Tia Judite falara, nada mais era do que um cara normal, sem nada de majestade, que iria namorar minha irmã, só isso. Minha reação foi um “Ah é isso então tio!”.

Eu devia ter insistido com mais três ou quatro perguntas. Porém se fizesse essas perguntas, com tanta informação na minha cabecinha de 6 anos, com certeza eu teria casado antes dos dez. Mas naquele momento achei que o tal príncipe encantado por ser um cara normal, ou seja era só o namorado da minha irmã. Na hora fiquei pensando quem seria esse malandro. Algum dos amigos dela com certeza, mas qual deles? Só que nessas perguntas que não fiz ao Tio Joel estava uma que me perturbava constantemente. Deveria ter perguntado se para ser príncipe o sujeito necessariamente tinha que vestir aquelas roupas, como as do Erick da Caverna do Dragão.

Dias depois Tio Joel era quem estava comandando a churrasqueira, lá em casa. E eu ali do lado dele e do meu pai, tomando só a “espuminha da cerveja” (NE* viram a culpa não foi minha) e ouvindo a conversa dos dois. Falavam de futebol, dinheiro, carro, com certeza falavam da mulherada. Mas disfarçavam davam nomes de animais, como: cavala, cachorra, potranca sei lá achei que era apelido de escola. Para meu espanto minha tia Cris (esposa do Tio Joel) apareceu na janela e me chamou para almoçar. Só que ela disse “vem almoçar meu príncipe” isso não saiu da minha cabeça o dia todo.

Era domingo e tinha jogo do Mengão, apesar do Tio Joel ser Colorado (o ex-Paraná Clube), ele gostava de ver futebol comigo. Ele tinha os melhores comentários, sempre achei que ele era o cara que mais sabia de futebol no mundo. Ele dizia : - Ta vendo aquele cara ali, o número 5 do Atlético Mineiro? Já apitei jogo dele quando esse cara jogou no Pinheiros- era demais ver que meu tio, o Tio Joel, conhecia jogadores de verdade. E ainda me deu uma grana depois do jogo: - Toma, é porque o Flamengo ganhou, e fique esperto que na próxima vez a gente faz uma aposta, o seu time contra o meu, valeu!?

Antes de ir embora enquanto o Tio Joel estava se despedindo fui perguntar a ele, o que a tia quis dizer quando me chamou de “meu príncipe”. Ele do alto de toda sua sabedoria me disse que eu seria o príncipe da garota mais legal e sortuda do mundo. O tio Joel era foda, na hora nem soube agradecer. Naquela noite quando fui dormir fiquei pensando em como eu ficaria com aquelas roupas de príncipe. E ai surgiram outras dúvidas; Que tipo de mulher gosta de caras vestidos daquele jeito? E como eu iria me virar se tenho medo de cavalo. Bem, do cavalo não, mas aquele olhão grande é sinistro.

Fim

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Falácia

No escritório não se falava de outra coisa, só sobre a festa em comemoração ao aniversário da empresa. A maioria das conversas eram sobre quem iriam levar e sobre as festas dos anos anteriores. Era um misto de euforia e nostalgia, a festa seria no dia seguinte e o tempo se arrastava. O único que não demonstrava entusiasmado era Gerson, o cara do RH. Quando alguém falava da festa e só dizia que seria mais uma grande festa.

Rita, a secretária, assim como todos do escritório, não sabia muito sobre a vida particular de Gerson. Ele nunca foi de falar muito na família, nunca recebia ligações particulares, a não ser aquelas ligações para confirmar o horário da consulta no dentista. Isso deixou Rita curiosa, que achava que tinha algo de errado com Gerson, que apesar do jeito atencioso com todos os colegas do trabalho, tinha um semblante meio triste. Os dois se encontraram por acaso na mesa do café, e ela perguntou da festa e Gerson, com certa irritação e para a surpresa da moça, disse que ia com a mulher e os dois filhos.

Quando voltou para sua sala, percebeu que tinha dito besteira. Levantou-se e foi procurar Rita e avisá-la que não iria levar ninguém. Porém, os outros colegas já sabiam da novidade. Eles diziam estar felizes, pois finalmente iriam conhecer sua família. Quando Gerson pensou em desmentir, mas viu que iria frustrar os colegas e voltou para sua sala. Ficou sem saber o que fazer e passou o resto do dia pensando em como cumprir sua palavra.

Cinco e meia da tarde, quando todos saindo do escritório, mas Gerson continua lá sem dizer uma palavra. Põe os pés em cima da mesa e fica olhando para o teto com um olhar distante, até parecia não estar ali. Depois de algum tempo, pega o telefone liga marca um horário e sai. Parece estar aliviado, entra no carro assobiando e sai. Nem parecia mais a mesma pessoa, estava cantando e até esboçava um sorriso.

No dia seguinte a festa seguia normalmente, mas Gerson não tinha dado as caras ainda. As pessoas iam chegando e nada dele aparecer. Quando todos já estavam bem a vontade na festa, o pálio cinza aparece no estacionamento, inconscientemente quase todo mundo olha esperando a mesma coisa, esperando para ver o outro lado da vida de Gerson.

Quando o carro para, saem um casal de crianças aparentemente dez e doze anos. Gerson aparece em seguida, ele sai do carro e abre a porta do carona de onde sai uma bela mulher sorridente. Ele chama as crianças para conhecerem os colegas do trabalho, apresenta a esposa e vai para a churrasqueira. Lá ele conta piadas, fala sobre futebol, música, televisão e outras coisas do cotidiano. Nada que surpreendesse, mas as pessoas acharam ele mais humano na festa. Já não parecia aquele cara atarefado do escritório. Rita se deu muito bem com Glória, a esposa de Gerson, até trocaram telefone.

Na segunda feira pós-festa, como de costume, ele é o primeiro a chegar. Parece cansado, está com olheiras como se tivesse passado a noite em claro. O assunto da segunda feira foi a festa e a família do Gerson, todos gostaram das crianças educadas e da mulher que além de bonita era inteligente e atenciosa com as crianças. Gerson desconversava, não queria falar nisso. Rita percebeu e foi perguntar o que estava acontecendo. Gerson, irritadíssimo, contou o segredo: aquelas pessoas não são da minha família, eu não tenho família. Eu paguei para aquelas pessoas se passarem por meus familiares.

Fim

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

7 de dezembro

Amanhã é dia de presentes, abraços e recordações, pelo menos para mim. Quantas primaveras, ó céus... É sempre memorável fazer aniversário.

Lembro-me de uma vez que fui a uma casa noturna no dia 7 de dezembro. Era o presente da minha mãe. Coitada: até hoje ela pensa que aquela foi minha primeira vez. Acho que ela aproveitou muito mais do que eu, já que havia tempos que ela não se divertia tanto. Adorou ser paquerada por rapazes jovens (e bêbados) e tomar cerveja long neck.

Noutra vez ganhei uma festinha surpresa. Tudo muito lindo, uma porrada de amigos, cerveja gelada, joguinhos de beber... O único problema é que fui fazer vestibular na manhã seguinte, soturno e tremendo tal qual um zumbi. Devo ter atrapalhado uma dúzia de concorrentes só com o cheiro da cachaça. Pelo menos eu passei com honras (afinal fazer redação de ressaca e passar não é para qualquer um – é definitivamente digno de honrarias).

Amanhã é meu dia e não sei o que fazer. Sinceramente não ligo muito para estas datas comemorativas, a não ser pelo fato delas serem catalizadoras de reuniões etílicas. Acho estranho comemorar UM DIA de aniversário, sendo que você envelhece o tempo todo, todo dia.

Mais estranho é ganhar os parabéns. Não que eu não goste, claro que gosto. Quando é sincero, demonstra carinho – e mesmo um macho exacerbado como eu precisa de demonstrações de carinho. O problema é que eu entendo algo como "parabéns cara, você passou mais um ano sem morrer". E talvez seja mesmo essa a origem da cultura de parabenizar os aniversariantes. Antigamente morria-se tanto e tão cedo que quem fazia anos devia receber muitas congratulações.

Pensando com o lobo parietal do meu cérebro (que é a parte mais filósofa), acho definições dialéticas sobre aniversário. A primeira, e mais pessimista, é que falta cada vez menos tempo para meu velório. A segunda, e, por definição, otimista, é que foi mais um ano vivido cheio de perversão e putaria.

Qualquer definição que seja, é melhor correr: só terei mais uns 80 desses para comemorar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Capitão dos Santos Leite

Kaká, o lindo, manifestou outro dia interesse em se tornar capitão do Milan. "E eu com isso?", você deve estar se perguntando. É que isso, eu respondo, pode significar o fim do sonho do hexa brasileiro na África do Sul.

Exageros à parte, vamos pegar a história do começo: Ricardo Izecson dos Santos Leite, vulgo Kaká. 25 anos, craque de garbo e elegância e estrela mundial do Milan. Ganhou recentemente a Bola de Ouro da revista France Football e com certeza absolutíssima será escolhido o melhor jogador do ano pela Fifa. Porque, então, me preocupa esta famigerada declaração?

Ora, ser capitão de um time como o Milan credencia-o instantaneamente a ser capitão da Seleção Brasileira. E é aí que mora o perigo.

Ele afundar o time italiano não tem problema nenhum. Não quero nem saber de AC Milan, a não ser em jogos contra o Vasco. Mas, como todos sabem, sou um dos últimos torcedores do escrete canarinho. Sou uma das últimas pessoas no mundo que pára tudo o que está fazendo para ver o Brasil Sub-15 contra o selecionado de Andorra válido pela preliminar da semi-final da taça Octávio Pinto Guimarães.

Tem uma leitora ao meu lado que me dá ardidos tapas e pergunta o que tanto eu tenho contra Kaká, o lindo. Respondo já.

Kaká é um dos maiores jogadores que já vi jogar. Não se compara com Romário, claro, mas é craque. Quando pega na bola, não há quem segure. Acho que ele é mais rápido que o Asafa Powell e mais forte que o Minotauro. Chuta que é uma beleza, de onde estiver. Dá passes com um primor que poucos conseguem. Mas Kaká não pode nunca ser um capitão.

Ele casou aos 23 anos, virgem. Já disse que pretende se tornar pastor quando parar de jogar. Vai à igreja – Renascer em Cristo, não riam – todo domingo. Não dá porrada em ninguém. Nunca foi expulso por reclamação. Nunca deu uma cotovelada maldosa. Kaká não pode ser capitão. Kaká não fala palavrão!

Imagina ele pedindo por favor para o volante marcar direito? Dizendo "Deus te abençoe" a cada bom cruzamento dos laterais? Implorando que o juiz seja justo e expulse o adversário? Não dá! Capitão tem que ser macho, viril, assassino. Tem que xingar o gandula que demorou pra repor a bola. Tem que chutar o baço do zagueiro adversário quando este estiver no chão. Capitão não pode ser queridinho.

Uns dirão que o Lúcio também vai à igreja e é todo meiguinho com a filha. Ok!, mas o Lúcio tem cara de ser mitológico. O Lúcio mete medo só com uma encarada. Ele poderia ser mudo que já daria para um bom capitão (sem trocadilho). Já o Kaká... Bem, o Kaká é o Kaká, né. O lindo.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Idéias

Vez por outra se vê jornalistas criticando em suas colunas os absurdos cometidos pelos profissionais da publicidade. Geralmente são comentários sobre a ética dos comerciais de bonecas e carrinhos para as crianças, ou então sobre a apelação feita por certas marcas de cerveja para atrair marmanjos barrigudos. O que não lembro de ter visto nunca foram elogios, mesmo os justos e merecidos. E não seriam poucos: há certas coisas que somente os ex-alunos do famigerado* curso de Publicidade e Propaganda são capazes de pensar.

Lembro-me de uma antiga propaganda que contava a história de um rapaz que só andava para trás. Mostrava-o passando por diversos lugares e situações, sempre caminhando de ré. Se não me engano, inclusive, numa das cenas ele, ainda bebê, engatinha para trás. Isso sim é que foi uma sacada incrível! Um bebê que só anda de costas é absolutamente inimaginável, e, portanto, muito engraçado.

Enfim, o fato é que no fim da história ele passa por uma vitrine de celulares (se não me engano praticando "jogging", o que também é muito engraçado), pára e dá um passo à frente para ver melhor. Tantos anos de convicções jogados fora por um mísero instante de curiosidade. Dou vinte centavos para quem me provar que isso não foi um lance genial. Pode até ser que o roteirista do reclame não tenha pensado em questões filosófico-psicológicas de negação de princípios e afins na hora de redigir o texto de vídeo, mas com certeza ele me convenceu de que a TIM é tão boa e revolucionária que é capaz de fazer alguém mudar a direção de uma dedicada caminhada de tantos e tantos anos.

Mas o que ainda considero mais impressionante é quem acerta a mão numa propaganda veiculada em mídia impressa. Sem os recursos tecnológicos da internet ou do rádio, por exemplo, fica muito mais difícil fazer uma campanha que fique marcada no inconsciente coletivo por décadas. O jornal aparenta ser muito mais sério do que a televisão; fazer nele um anúncio que chame a atenção é, portanto, muito menos simples do que apenas criar um enredo de novela com final feliz para vender produtos na telinha.

Atualmente há um comercial que certamente entrará para os anais da publicidade, se não pela genialidade, pelo menos pela possível ação que os concorrentes moverão acusando-o de faltar com o decoro (se é que há decoro no mundo corporativo). Trata-se da nova – nem tão nova assim – campanha do Itaú, o banco. Quem viu, sabe do que estou falando: uma painel laranja, de meia página, com um quadrado azul de bordas arredondadas no meio. Nada escrito além de "o banco feito para você". Não é preciso dizer mais nada; só de bater o olho o leitor já mentaliza o velho "i" em forma de arroba.

Porque considero a possibilidade de haver processos e chiadeira por causa dessa propaganda? Porque o ser humano não sabe perder, ainda mais um ser humano de uma multinacional e para algo aparentemente tão simples. Deve haver uma tábua de regras (?) entre os departamentos de marketing das grandes empresas onde um dos mandamentos, possivelmente o primeiro e mais importante, impede que uma corporação se gabe de ser " top of mind". É muita humilhação para as concorrentes.

Certa vez meu grande ídolo Nelson Rodrigues escreveu que "só os profetas enxergam o óbvio". Essa deveria ser a frase-guia dos publicitários. O grande trunfo deles está em usar o "tudo-que-está-aí" em favor da venda dos seus conceitos (já que, como todos sabem, propagandas não são feitas para vender produtos e sim idéias). Pegar, por exemplo, a imagem de uma lavadeira batendo as calças do patrão na pedra do rio e sofrendo com a cantoria desafinada da colega ao lado para anunciar uma promoção de máquinas de lavar e mp3 players nas Casas Bahia. Seria do tipo "Está cansada de lavar a roupa naquela sua máquina velha e ainda por cima ouvir o barulho chiado do seu antigo radinho de pilha? Seus problemas acabaram!"

Definitivamente eu me daria muito bem como publicitário.

*N.E.: Publicidade e Propaganda, o curso, muito mais do que Jornalismo, é o maior erro da academia brasileira. Ensina-se técnica e teoria para exercer uma atividade que depende essencialmente da função criativa. A técnica destrói qualquer criatividade. O que deveria existir, na verdade, é um curso Técnico de Publicidade, de onde sairiam os profissionais que serviriam aos verdadeiros criadores. Mas, afinal, isto é apenas minha humilde opinião.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Com a palavra o técnico

“Chegou a hora moçada, vamos lá mostrar para eles que aqui tem homens de verdade e que aqui não tem nenhum fraco. Mostraremos para esses palhaços, que aqui ninguém desiste. Vamos esfregar a cara deles no chão, para que eles nunca se esqueçam do que faremos com eles hoje. Quero que cada um aqui pense em todo trabalho do grupo durante o ano. Lembrem-se de tudo que passamos, tudo que disseram sobre a gente. Quando chegarem lá não sejam egoístas, pensem nos colegas que trabalharam tanto quanto você para chegar até aqui.

Viram o que disseram por ai? Eles tiveram a audácia de dizer que são os melhores, mais rápidos, mais habilidosos, mais espertos e mais esforçados que todos nós juntos. Mas isso não é tudo, sabem o que é pior do que isso que esses vermes disseram? O pior é que muita gente concordou com isso. É um absurdo, eu não concordo com uma vírgula do que esses pulhas disseram. E vocês? Alguém aqui quer deixar por isso mesmo? Alguém aqui aceita essa humilhação? Pelo que conheço de vocês, acredito que não.

Não sei vocês, mas tenho vontade que mostrar para esses canalhas como é que se faz. Eles são desprezíveis, asquerosos, arrogantes e se acham melhores do que nós. Antes de entrarem lá saibam que todos que vieram aqui, vieram para ver os melhores. E não tenho dúvida alguma de que os melhores somos nós. Não porque estou trabalhando com vocês, mas sim porque convivi com vocês o dia-a-dia e sei do esforço e do potencial de de cada um aqui.

Mais uma vez repito, ninguém é melhor do que vocês. Aqueles putos do lado de lá, não passam de uma corja de crápulas safados, são uns fracos. São uma gentinha desqualificada que só sabem falar mal de nós, foi assim o ano todo vocês sabem. E o que fizemos a respeito? Fizemos muito bem de não devolver as provocações, pelo menos não do jeito que eles pensavam. Nada de bravatas antes da hora, você me deixaram orgulhoso com essa atitude. Porém hoje nós vamos devolver tudo e com juros. É como dizia aquele velho fanfarrão na porta do boteco: - o deles está guardado! - e está mesmo. De hoje não passa.

Quero dizer só mais uma coisa antes de vocês aniquilarem aqueles calhordas. Do fundo do meu coração, gostaria que vocês soubessem que vocês são o melhor grupo com quem eu trabalhei em toda minha vida. Durante o ano todo vocês trabalharam muito e nunca reclamaram. E todo o nosso trabalho foi para chegar aqui hoje e vencer. Não esqueçam que não estamos sozinhos, nossas famílias e nossos amigos estarão torcendo por nós. E vocês não vão decepcionar. Vamos atropelar esse otários. Passar por cimada cabeça deles e eles não irão ficar sem reação.

Chegou a hora vão lá e arrebentem. Vocês são os melhores.”

E foi assim que o padre Virgílio orientou o time da paróquia São João do Paraguatá, na final do campeonato de futebol inter-seminários contra os time da paróquia Santo Tomás de Quantantão.

Fim

Caçador de assuntos

Antigamente eu lia um jornal de quinta (feira) que sempre trazia opiniões das mais diversas pessoas sobre os mais diversos assuntos. A coluna sempre acabava com uma exclamação (É a opinião! ) e eu achava o máximo. Era como se estivesse embutido "Nada do que esse cara escreveu condiz com as idéias do jornal. Ele só aparece aqui porque pagou uma nota preta por esse espaço".
Uma vez havia uma digressão que me deixou, como dizem, com a pulga atrás da orelha. Não lembro exatamente o teor das bravatas que estavam escritas, mas o assunto era emblemático: a utilidade de um canteiro de flores. Fiquei pensando – além da minha opinião sobre a real utilidade de um canteiro de flores – quais seriam os motivos que levam uma pessoa a discorrer sobre a utilidade de um canteiro de flores. Se ele defende, será que está puto porque alguns moleques volta e meia derrubam a bola em cima de suas rosas? Ou então ele tem uma empresa que não conseguiu alvará da prefeitura para montar um "canteiro patrocinado" na calçada?
E se ele ataca, será que é porque colocaram um canteiro de flores no caminho da sua casa até o ponto de ônibus com uma placa "proibido pisar na grama" que o faz, portanto, ter de sair de casa pelo menos três minutos antes para não perder o coletivo por causa do desvio?
Suposições à parte, essa lembrança me fez pensar nos motivos que levam uma pessoa a escrever sobre alguma coisa. Eu, por exemplo, já discorri, há muitos anos, até sobre cadarços de tênis. É ridículo, já sei, mas na época eu possuía nobres motivos: tinha visto "manos" com cadarços rosas do tamanho de lençóis e isso me deixou profundamente indignado. (Se para escrever sobre alguma coisa é preciso estar profundamente indignado, neste momento eu poderia filosofar sobre a utilidade de um aspirador de pó numa sala de piso laminado: as moças da limpeza estão me irritando com o barulho daquele Cougar Maxx 2000)
Mas será que para estes colunistas de jornal, que todo dia botam alguma coisa no papel, basta olhar para um calendário que lhes surge um texto sobre a diferença das datas chinesa, hebraica e romana? Será que eles olham para o teclado e pensam "nossa, como eu odeio esse padrão QUERTY – vou escrever sobre isso"?
Não pode ser assim... É preciso indignar-se para escrever com paixão sobre alguma coisa. Agora se eles se idignam com tudo sobre o que escrevem, nunca convidarei colunistas para os meus churrascos.
Mas, pensando bem, estou escrevendo sobre a coluna de opinião de um jornal de quinta (feira). Melhor esquecer tudo isso.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

E o bambu?

Dia desses um amigo disse que não gostava de filmes dublados. Confesso que sei muito pouco de inglês, nada de francês, japonês, alemão e acho (só acho) que entendo alguma de espanhol. E que não me incomodo muito com filmes dublados, ao menos não me incomodo tanto com esses filmes. Porém vejo que meu amigo tem razão por não gostar dos filmes dublados. Afinal ninguém nesse planeta, acho que nos outros também, diz coisas como: dane-se, quando quer dizer foda-se? Ou filha da mãe quando quer realmente, com sangue nos olhos, dizer filho da puta.

Mais do que a dublagem me incomodo com os títulos dos filmes, alguns vá lá até faço vista grossa. Mas Um tira da pesada, Vovozona e aqueles que no título aqui no Brasil levam a palavras ‘do barulho’, ‘da pesada’ e ‘muito louco’. Realmente não tem como passar despercebido esses títulos, que deve ser coisa do senhor Herbert Richards. Ainda assim acho que dublar é uma arte, vide o ótimo Tela Class.

Mas mudando de saco para mala, mas sem perder o foco, me diga quem não conhece aqueles CDs religiosos do Padre Marcelo, Padre Zezinho, Padre Quavedo sei lá. Em que eles com suas famosíssimas vozes levam aos lares desse meu Brasil Varonil a bíblia falada, ou o terço não sei das quantas ou ainda orações milagrosas, que nas vozes destes e de outros ícones pops da religião ganham mais força.

Desses o mais legal deve ser o do Cid Moreira, com aquele vozeirão sinistro narrando a bíblia. É engraçado, com todo respeito aos de coração puro. Mas acho muito engraçado a idéia de uma bíblia falada por se tratar de uma idéia mercadológica deveras descolada. O camarada que não quer ler a bíblia pode ouvi-la e com a voz do Cid Moreira, o cara do ‘boa noite’ mais sinistro do mundo. E eu que acreditava que o auge era ele apresentando os truques do Mister M.

Mas eis que ontem ,quando cheguei em casa, minha sobrinha aparece com um cd na mão e diz: -tio coloca no computador que eu quero escutar. – era um cd com a história do Rei Leão. Para meu espanto o narrador da história não era ninguém mais, ninguém menos do que ele o ícone, o patrão, o homem do baú... sim ele Sílvio Santos.

Oeee Oeee olha lá o Simba.Hahai hihiiii... Ele vem pela floresta, ele é corajoso e já pagou as prestações de carnê do baú rigorosamente em dia. Hahai hihiiii... Vamos lá Simba rodando e cantando oeee oeee... hatuna matata oee oee

Fim

Devagar, devagarinho

Existe coisa mais irritante no trânsito do aqueles fanfarrões que andam não-sei-quantos metros a 2 km/h para só então frear definitivamente? Tá bom, existe, eu sei. Muitas coisas, inclusive. Mas o cronista aqui sou eu e hoje é sobre estes barbeiros que quero falar. Um bando de desocupados que se acham donos de uma faixa inteira na rua.
Você vê aquele sinaleiro fechado a mais de trinta metros e pensa "oba!, vou descansar o maldito pé direito". Visualiza-se parado próximo à faixa de pedestres, postando devidamente as mãos na cabeça e relaxado até que o bendito sinal fique verde. O pé esquerdo de lado, o direito, quando muito, pisando suavemente o freio. Mas eis que no meio do caminho para a redenção você encontra um desgraçado que começa a frear uma quadra antes do semáforo. Vai freando, frando até chegar na menor velocidade possível – e você atrás, puto da cara.
Acho que 99,9% dos motoristas fazem isso (menos eu, portanto). Não há um farol onde este que vos escreve não encontre pela frente um chato desses. Será que as pessoas não entendem que sinaleiro é uma coisa extremamente chata, feia e burra, donde todo o tempo que for preciso esperar até que a luz verde acenda deve ser aproveitado ao máximo? Seja para descansar, seja para botar os óculos escuros, seja para trocar o cd... Tudo!, qualquer coisa menos andar como tílburis até a faixa de pedestres, acelerando na menor velocidade que um veículo automotor possa andar.
Tenho vontade de ir dando cutucos atrás (sem trocadilho) do carro da frente, como no vídeo game. Umas batidinhas de leve, que não amassam nem riscam, só para o cara se espertar. Não precisa acelerar até próximo ao sinal, basta frear de vez. Basta parar o carro, po. Freie no meio da quadra, mas não me vá devagar-quase-parando porque isso é a maior perda de tempo que existe.
Pior é quando o sinaleiro fica no fim de uma ladeira. Parece contagiante. Olha-se para os lados e todos estão a 2km/h. Eu devo estar muito equivocado, meu deus, não é possível.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Unisex

Sempre que podia, Robertinho tirava sarro de Eomar:
- Com esse nome eu nunca sei se você é homem ou mulher!
Era sempre assim. Eomar vivia às voltas com a zoação dos amigos e parentes. Já nem ligava mais; houve um tempo que odiava a mãe pelo nome que recebera, mas depois de grande passou a achar graça.
Eomar trabalha no setor de compras do governo. Passa os dias fazendo ligações, despachando documentos e demitindo estagiários. Não tem tempo para nada, e havia anos que não tem um relacionamento sério com alguém do sexo oposto (e nem do mesmo sexo, que fique bem claro).
Um dia passou a cuidar mais do corpo. Entrou para uma academia, começou a fazer natação. "Vou pensar mais em mim e menos no trabalho", dizia. Passou a ir em bares e eventos. Já estava com seus 30 anos e finalmente procurava alguém para dividir o teto.
Como em todas as histórias, quem procura acha, quem corre atrás consegue, quem acredita sempre alcança: Eomar noivara. Foi uma festa e tanto, com direito a recepção no maior teatro da cidade. Eram um maravilhoso casal, e tudo estava pronto e lindo para o casório, em dezembro.
Tudo muito bom, tudo muito bem, não fosse o convite que gerava muitas dúvidas nos convidados:
"Anderson Felício de Oliveira e Maria Cláudia Sech de Oliveira; Tiago Suri de Aragão e Cristina Souza de Aragão convidam para o casamento de seus filhos Eomar Sech de Oliveira e Osíris Souza de Aragão, à realizar-se no dia [...]"

O tílburi

Falar é fácil, muito fácil. Escrever é que é coisa do capeta. Me coloca um engradado de cerveja na geladeira e umas três pessoas dispostas a ouvir besteira durante uma noite toda: eu me garanto. Discorro sobre os mais variados assuntos, com uma eloquência para deixar qualquer político envergonhado. Passo das gomortegáceas às sancadilhas sem mudar o tom de voz. Agora escrever sobre isso ou qualquer outra coisa é o cão!
Outro dia eu e meu amigo Guilherme (que se chama Guilherme mesmo – não quero preservar ninguém) andávamos de tílburi ali pela região de Colombo. Eu, ele e o tilbureiro, apenas. Como estamos nos anos 2000, e os avanços tecnológicos permitem todo tipo de mimos em qualquer meio de transporte, nosso tílburi tinha uma pequena geladeirinha, cuja capacidade era de – vejam só! – um caixa de cerveja.
Lembro me de ter começado a conversa discorrendo muito seriamente sobre as dificuldades de conseguir um cavalo capaz de guiar um tílburi hoje em dia. "Não se fazem mais cavalos como antigamente", dizia o tilbureiro. Guilherme retrucava com informações preciosas sobre os mangalargas-marchador e os brabantinos paulistas (bons de tração, segundo ele).
Depois da segunda parada para reabastecimento (das cervejas, não do tílburi), o papo se enredou para o lado metafísico. Não sei porque o tilbureiro cismou de que cada ser humano tinha uma estrela que o representasse. Até retruquei com o argumento de que somos 6 bilhões de seres humanos e seria impossível termos um céu negro todos os dias com 6 bilhões de pontos brilhantes, mas ele já estava começando a ficar violento e preferi concordar com qualquer coisa que dissesse. Afinal de contas era ele quem estava com as rédeas.
Guilherme era o quietão da trupe. Só se pronunciava quando tinha uma informação completamente desnecessária para dar. Num dado momento, ficou dez minutos tentando nos explicar o que era a tal epiquirema. Só ficou satisfeito quando eu decorei que a maldita palavra quer dizer silogismo dialético, mesmo que isso não me queira dizer nada de importante. Em tempo: silogismo é uma dedução em que se colocam duas premissas para, então, tirar uma terceira, chamada de conclusão. O dialético é quando estas premissas são prováveis. Papo de louco, portanto.
Já de noite, no fim do passeio de tílburi – que a princípio foi programado para durar 30 minutos apenas – nenhum dos três conversava sobre o mesmo assunto. Estava engraçado, dizem, mas com cada um falando sobre o que lhe interessava e rindo da cara do outro. E pensar que estávamos lá só para conhecer o novo tílburi do tilbureiro. Ninguém imaginava que ele fosse ter uma geladeirinha acoplada.
Só não me pergunte porque raios os tilbureiro comprou um novo tílburi. Ele até me falou, mas eu esqueci completamente.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

João

André não foi trabalhar, passou o dia enfurnado em casa. Quase não levantou do sofá da sala, saiu duas ou três vezes para ir ao banheiro no máximo. Quando de repente, levantou-se tomou um café sem açúcar, foi ao banheiro e ficou algum tempo se olhando no espelho. Num acesso de fúria desferiu um soco na parede, por algum motivo não quis quebrar o espelho. Não ganhou sete anos de má sorte, mas ganhou sim uma mão direita inchada e dolorida.

Com cuidado passou gelol e passou uma faixa na mão direita, doía muito. Tomou outro café, acendeu um cigarro e saiu de casa. Caminhou pelo bairro todo fumando um cigarro atrás do outro, até chegar num viaduto. Parou, pensou, acendeu outro cigarro e repensou no que faria da vida. Até que Roger, um amigo, que por acaso andava de bicicleta, viu que André estava meio estranho com aquele olhar distante. Achou que tinha algo errado e foi falar com ele.

André quando viu que o amigo se aproximava, foi subindo na beirada do viaduto. Roger disse para ele ter calma, não queria confusão e só queria falar com ele. Só queria saber o motivo de ele estar ali em cima do viaduto daquela maneira. O semi-suicida parecia decidido, mas resolveu contar ao amigo o que tinha acontecido para ele tomar essa atitude drástica. Roger sugeriu um boteco, para que a conversa fosse mais tranquila, mas André não caiu na tentativa do amigo de faze-lo desistir do salto.

Então de cima da mureta, André começou a falar sobre seu infortúnio. Contou que na noite anterior conheceu uma mulher incrível, bonita, inteligente e com um senso de humor contagiante. Ele mesmo ficou se perguntando como um mulher daquelas foi achar graça num sujeito como ele. Roger ouvia tudo sem dizer uma palavra, apenas balançava a cabeça como quem está avaliando a situação do amigo. E André contou sobre a noite que passaram dançando, bebendo e se divertindo muito.

Roger faz uma interrupção e diz: - Espere um pouco, deixa eu ver se entendi. Você conheceu uma mulher maravilhosa. Passaram a noite juntos. E agora você quer se atirar de cima do viaduto?- conclui o amigo sem entender direito. André respira fundo, faz um gesto de que vai se jogar. Porém o amigo pede para que antes de se jogar diga se ele vai se jogar por causa da mulher da festa anterior. Com uma lágrima que teimou em aparecer, apesar da tentativa de manter a serenidade, André resolve esclarecer o caso.

- Cara, foi mais ou menos isso. Tem mais um detalhe que muda todo o contexto. - o amigo não se contém e pede para que fale logo o que houve. Outra lágrima escorre no rosto de André que, desta vez, não faz questão de segurar. Rubro de aflição ou vergonha começa a falar. – então cara, bebemos, dançamos e nos divertimos até não poder mais. depois disso os efeitos de tanta bebida e algumas substâncias ilegais fomos para minha casa...- André faz uma pausa olha para o céu, da um suspiro e novamente faz aquele gesto de queria se jogar naquele instante.

Roger não aguentava mais esperar para ouvir o final da história, implorou para André contar o que aconteceu. Este por sua vez, disse que como iria morrer mesmo não se importaria em contar a alguém. E recomeça a contar – Continuando, no meio do caminho eu passei mal e aquela ingrata me levou até minha casa. Chegando lá eu apaguei, não lembro de quase nada. Só que ela me ajudou a chegar até o banheiro para vomitar e que dormimos juntos - nisso Roger interrompe e diz que não era só porque a mulher passou a noite com ele e depois sumiu no dia seguinte que ele deveria se matar.

André finalmente diz que quer terminar de contar o que houve. - Cara, não é só isso não. Hoje cedo quando acordei ouvi um barulho, tinha esquecido completamente que tinha alguém lá em casa. Levantei-me e quando olho no banheiro, com a porta aberta lá estava ela. A lembrança da noite anterior veio como um filme na minha cabeça. Aquilo no banheiro foi a cena mais terrível da minha vida, ela estava mijando (perdão pelo termo) em pé. Quando ela, quero dizer ele saiu perguntei quem era ele. E ele disse que se chamava Kátia Flávia. Perguntei nome verdadeiro, ele me disse que se chamava João. Agora me diga é ou não é motivo para eu me jogar daqui? - disse com uma vergonha quase palpável.

Roger colocou a mão na cabeça, pensou um pouco e disse: - é você tem razão, não sei porque você não pulou ainda.

Fim

Tipo exportação

Às vezes fico pensando em como é que se dá o processo de construção da imagem do brasileiro pelos estrangeiros, vulgo gringos. O que aparece na TV deles é aquilo que a gente também vê: a guerra do tráfico, a bandidagem no congresso, o futebol em decadência e, por fim, a nossa capital, Buenos Aires.
Para se ter uma idéia de quão horrenda deve ser a imagem que eles têm de nós, basta descobrir quais são as bandas brasileiras que mais têm feito sucesso no exterior: Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê. Só isso já bastava para pôr um ponto final em qualquer discussão acerca desse assunto.
Mas o que me intrigou de fato e me motivou a discorrer sobre esse assunto tão ultrapassado foi um papo que tive com um amigo há alguns dias. Ele disse que conhece um primo que tem um vizinho cujo sobrinho-neto foi recentemente à Romênia, aquela terra cheia de vampiros. Disse-me, este amigo, que o rapaz voltou de lá falando barbaridades do povo romeno, principalmente abismado com imagem que eles tem sobre nós, os brasileiros.
Em Bucareste, as prostitutas são, em sua total maioridade (se é que isso existe), brasileiras. Conta-me o sobrinho-neto do vizinho do primo do meu amigo que são aquele tipo de meretrizes brasileiras que certamente nenhum nós (os brasileiros) pagaria. São o refugo do Dica's, Vila Romana e cia.
Onde foi parar aquele país dos bundões, do carnaval e das garotas de Ipanema? Deixamos de exportar até uma das nossas melhores matérias-primas... É muita falta de visão. Prostituição é mercado, é demanda. E não deixa de ser, de certa forma, um cartão de visitas do país.
Certamente deve ter leitor indignado com a falta de tato deste que vos escreve para tratar de prostituição. "Ninguém escolhe entrar para esta vida", dirão. Discordo: na minha opinião, ser puta é uma profissão como outra qualquer, com todas as dificuldades e benesses que qualquer emprego tem. E olha que são mais durezas do que molezas, com trocadilho. Elas ainda saem perdendo logo de cara porque ser puta no Brasil (e acho que no mundo inteiro) é crime.
São os mesmos vagabundos que pagam mil reais por hora por uma prostituta de luxo que legislam sobre se o que elas fazem é ou não digno de cadeia.
Mas voltando ao foco, porque raios eu penso que deveríamos exportar meretrículas (isto é, acreditem, o diminutivo de meretriz; segundo o Aurélio quer dizer, agora pasmem, meretriz ainda não adulta) top de linha? Porque no Brasil se faz tudo errado. Não há um puto (ops!) no congresso que se digne de melhorar a imagem do Brasil para quem vê de fora. É só corrupção, assassinato e covardia. E grande parte disso partindo de nossas próprias "autoridades".
Não que eu ligue para o que os gringos pensam. A verdade é que sou um dos poucos que tem aquila visão romântica do "orgulho de ser brasileiro". E vou me orgulhar disso com quem? Com outro brasileiro? Não teria graça. Quero que um francês venha até mim dizer que o país dele tem as melhores uvas, o melhor metrô do mundo, a Torre Eiffel e o ataque com a dupla Henry-Trezeguet. Quero ter orgulho – ou pelo menos argumentos – para defender o meu país.
Lutaram tanto tanto para fazer que o Brasil deixasse de ser o país do bunda-lê-lê que conseguiram. O que somos agora? Nada. NADA. Até fornecedor de puta feia nós viramos. Não me contenta em ser apenas exportador de trigo e soja (que pra ser sincero eu nunca vi na vida). Quero morar no país das mulheres mais lindas, do melhor futebol e da capital mais urbanizada, mesmo que seja ela Buenos Aires.
Onde estão os nossos ufanistas? É o fim da picada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Diário de Lupércio Martinez¹

Jantar ontem na casa do Eddie Robledo². Achei que desde aquele último churrasco na casa da Martini ele não gostaria mais de me ver. O efusivo abraço que recebi, porém, me faz supor que ele realmente não se lembra de nada depois de tomar 12 doses de vodca.
Creio que foi mais uma daquelas festinhas que os ricos promovem para recuperar a estima que possuíram em outros tempos. Robledo convidou cerca de 200 pessoas, entre globais e ex-BBBs, o que me fez sentir um prato de feijão durante a ceia de natal: totalmente intruso. Mas confesso que me diverti quando alguns atores famosos se dirigiam a mim com aquelas perguntas célebres do tipo "e aí... [aqui percebiam que não sabiam com quem estavam falando] está com algum projeto para este fim de ano?" Tenho a certeza mais do que absoluta de que estes famosos é que não tinham nenhum projeto e estavam loucos para ser convidados para qualquer aventura.
Num dado momento, engatei um papo sério com a Fernanda Montenegro. Por certo ela me viu entediado num canto e já chegou dizendo "está mesmo um saco isso aqui, não?" Só mesmo alguém como ela para dizer isso tão diretamente, principalmente a um estranho. Respondi que o que mais me irritava era o fato de só ter visto Robledo na entrada. Trocamos algumas figurinhas da nossa experiência transcendental com Nietzsche e o Goethe e fim. Ela se entedia muito rapidamente.
Depois – com alguns copos de cerveja na cabeça – me juntei a um grupo de ex-BBBs. Engraçado que eles se sentem mesmo famosos e mantém conversas do tipo "ontem fui a um lounge em Madureira que estava o bicho", o que para mim significa nada mais nada menos do que baile funk no Morro do Pelado.
Engraçado foi quando contei para eles que eu estava ali simplesmente por ser amigo de Eddie Robledo (a princípio eles pensaram que eu também era um ex-BBB, daqueles "esquecidos pela mídia"). Um loirinho meio forte até arriscou sua reputação dizendo que para ir numa festa de Robledo ele teve que dar muito mais do que o voto de amizade.
Finalmente, quando eu já me dirigia à porta de saída com uma ex-BBB devidamente lipoaspirada e siliconada (que conquistei com a velha cantada da capa de revista), Eddie me apareceu. Disse: "mas já vaaaai, fófi? A festa ainda nem começou...". Essa frase me dá arrepios. Nos idos de 1990, as festas de Robledo começavam depois que o teto da mansão se abria e milhares de papelotes de cocaína caíam sobre nossas cabeças. Preferi nem ver como seria a dos anos 2000. Disse a ele que tinha um contrato para fechar "com a mais maravilhosa das ex-BBBs" e piquei a mula.
De contrato fechado, só há uma coisa a dizer: vida longa a Eddie Robledo.

Notas do editor:
¹ Lupércio Martinez é um homem de meia-idade cuja melhor qualidade é ter amigos ricos e influentes. Afora isso, não faz nada de interessante. Já escreveu alguns livros, mas hoje se considera um escritor aposentado. Vive de ir em festas badaladas e, daí, não se sabe como, arrumar dinheiro. Já o acusaram de cafetão, mas não há nada provado.
² Eddie Robledo é hoje um playboy multiuso. Já foi bicheiro, vendedor de móveis, corredor de kart e cantor de dupla sertaneja. Ficou rico depois de se casar com uma milhonária gaúcha que morreu repentinamente afogada com uma berinjela. Desde então, Eduardo Mota Razera virou Eric Robledo, um bon-vivant.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

E se...

Transtornado, furioso, irado, puto da cara Alaor saiu de casa sem rumo. Entrou no primeiro coletivo que viu, mesmo sem saber para onde ia. Quando achou que já estava longe o bastante, resolveu descer. Foi até uma praça, estava um calor infernal, e as únicas coisas que vinham a sua mente tinham a ver com vingança, dar o troco e não deixar por menos. Notava-se em seus olhos a sede de vingança.

Sentou em um banco da praça e ficou olhando para as pessoas que passeavam isentas de qualquer culpa por ele estar boladão. Apoiou os cotovelos nos joelhos e enfiou o rosto entre as mãos, deu um suspiro como se quisesse descarregar toda sua irritação. Quando dois garotinhos, oito anos no máximo, passavam correndo atrás de uma bola. Um deles diz: - olha o cofrinho do homem - , foi o suficiente para que levantasse e metesse o pé na bola com muita força. Foi mais um desabafo do que qualquer outra coisa.

O chute foi tão forte que a bola atravessou a praça, bateu num gari, que derrubou sua vassoura que bateu e quebrou o vidro de um carro que estava estacionado. Um dos garotos começou a chorar e saiu correndo, enquanto o outro disse, para o gari, que foi o “homem do cofrinho” quem tinha quebrado o vidro. Foi então que Alaor percebeu que a sua irritação estava passando dos limites. Chamou o garoto e pediu desculpas e devolveu a bola, desculpou-se também com o gari e foi procurar o dono do carro.

De repente um grito:- Puta que pariu! Quem foi o miserável?- era Roberta, a dona do carro. Uma moça bonita , ruiva do cabelo curto, com as duas mãos na cabeça e com olhar surpreso. Já despido da raiva que o trouxera até a praça, Alaor foi falar com a moça ruiva para assumir sua façanha. Depois que contou os detalhes, ela chegou até a dar uma risada. Mas logo voltou a ficar áspera querendo saber do conserto do vidro.

Alaor prometeu pagar o estrago imediatamente. Percebendo que estava mais calmo, convidou Roberta para um café. Ela, também mais calma, prontamente aceitou. Conversaram por algum tempo, trocaram telefone (sem nenhum interesse, eu acho) e marcaram um jantar para depois que o vidro do carro fosse consertado. Hoje dois anos depois do jantar eles estão noivos, tem uma conta conjunta, moram juntos e ambos gostam da sogra, mas não dos cunhados.

O motivo pelo qual Alaor estava nervoso no dia do vidro quebrado, foi só porque ele tinha perdido uma grana, pela quarta vez, para o irmão mais novo no poker.

E se ele ganhasse aquele jogo? E se ele não chutasse a bola no gari? E se... o vidro do carro não quebrasse?
E se...

Fim

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Talvez imaculado, talvez descrente

Odiava aquelas mensagens e frases de efeito no nick do MSN, mas as de Monica pareciam escolhidas a dedo. Era uma espera ansiosa até que o nome de sua deusa aparecesse online. Qual seria a mensagem de hoje? Jorge sempre pensava que era para ele, mesmo sabendo que talvez ela nem o mantivesse mais em sua lista.
Passava o dia olhando as fotos dela no Flickr. Como era linda, sua musa. Parecia sempre tão feliz. Não tinha problemas, provavelmente. O sorriso de Monica sempre aparecia mais do que o dos outros, e Jorge muitas vezes ressaltava esse detalhe com um ou dois cliques no Photoshop. Coisa de apaixonado, claro; sonhava em mostrar toda sua produção para ela no dia em que casassem.
Monica tinha um quê de perfeição. Seus olhos eram de um diâmetro ideal, e seu corpo certamente era o exemplo máximo da proporção divina. Tinha as costas modeladas por lindo cabelos negros, descendo suaves até pouco acima da cintura. Tudo embalado pela voz melodiosa típica das ninfas da mitologia grega.
E Jorge não era nada parecido com aquilo que chamam de geek hoje em dia. Não era feio, por certo, nem chato. Tinha amigos, família, hobbys comuns e até um carro duramente comprado. Tinha hábitos normais para um jovem: uma balada de vez em quando, futebolzinho com os amigos, animados almoços na casa da avó... O probema era Monica. Com ela, tudo parecia mudar.
Considerava-a como um astro, como o sol e as estrelas: inatingível. Absorvia-se por horas entre suas fotos e recados do Orkut, mas não era capaz de se declarar. Formulava as idéias mais mirabolantes para um dia, enfim, dar o bote. Todas davam certo nos seus sonhos, mas Jorge jamais pôs uma só que fosse em prática.
Um dia se viu satisfeito com isso. Bastava para Jorge apenas admirar Monica, sonhar com um possível relacionamento e forjar mentalmente transas cinematográficas. Já nem fazia questão de que aquilo fosse verdade. Era ela o projeto ideal e, pensava, os ideais só existem no campo do imaginário. Sentia-se completo se relacionando com outras mulheres e mantendo Monica como o objeto inalcançável.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Incendiário

Saiu do trabalho mais cedo, passou numa floricultura e comprou rosas para Elis, sua esposa. Estava feliz, os últimos acontecimentos na sua vida foram cruciais para esse sentimento de bem estar. Foi promovido a chefe do setor, ganhou mais responsabilidades e também um bom aumento salarial. O Flamengo estava em franca ascensão no campeonato e iria viajar para o Rio de Janeiro à trabalho e ainda poderia assistir um jogo no Maracanã.

Uma quadra antes de chegar em casa, passa na padaria do português. Pede alguns doces e sai, mas não sem antes tirar uma casquinha do torcedor do time luso-brasileiro. O portuga só responde: - Ah vá vá... às vezes o senhor fica insuportável Arthur. Até parece que vem aqui só para colocar fogo na minha cabeça, vai me deixa em paz ó pá! – mas tudo com ar de amizade. Entra no carro coloca o pacote com os doces no banco do carona e segue até a entrada da casa.

Quando entra em casa ouve um barulho e vai até o quarto e encontra Elis e um sujeito, em atos libidinosos. Surpreso, mas sem perder a calma, Arthur vai até a garagem pega uma galão, volta para dentro da casa sem fazer barulho e vai encharcando a casa com gasolina. Sai de dentro da casa pega o celular e liga em casa. Elis com a voz de quem estava fazendo algum exercício físico atende. Arthur pergunta o porquê daquela voz ofegante, ela responde que estava na esteira.

Arthur com um sorriso só no canto da boca diz que vai chegar mais tarde. Elis diz que tudo bem e que gostaria de jantar fora. Arthur disse que iria escolher o restaurante. E foi então que ele risca um fósforo e coloca fogo na casa. Ligou para o celular da secretária e disse que iria antecipar sua ida ao Rio de Janeiro. E disse também que era para ela arrumar as malas, pois ela também iria com ele.

Fim

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Gente & TV

Já estava com saudade dos velhos tempos do Gente & TV do Terra. Eis as manchetes de hoje, com os devidos comentários:
- Nathalia Rodrigues vai a festa de aniversário no Rio (fico feliz pela aniversariante);
- Nicole Kidman acompanha marido a prêmio cowntry (ele vai ganhar a Vaca de Ouro 2007?);
- Giovanna Antonelli retoca maquiagem em gravação (eis prova de que a mídia é uma farsa);
- Pai de Vanessa Hudgens joga água em paparazzi (se ele tivesse jogado um orangotango aí sim seria engraçado);
- Gianecchini e Priscila Fantin vão a show juntos (outro dia fui a um show com a minha mãe e não foi notícia);
- De biquíni fio dental, Deborah Secco vai à praia com amiga (vai-se à praia de Versace?)
- Amigo diz que Britney tem problemas mentais (ele e toda a torcida do Mengão);
- De peruca, Galisteu é capa de revista pela 4ª vez (não sei o que é mais impressionante nessa notícia, se é a peruca, a Galisteu ou uma revista fazer isso pela 4ª vez);
- Estrela do reggae cancela turnê no Brasil (esta eu tive que ler: a estrela em questão é Bunny Wailer, conhece?).
É muita diversão para um portal só.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O macho

Tinha um tal de Pablo lá na vila em que eu cresci. Era filho de uma vizinha gordona, que agora não me lembro o nome. Não posso nem dizer se o cara era gente fina ou não; só lembro que ele tinha um sério problema na hora de brincar com a rapaziada. Morava com a mãe e mais quatro irmãs, o Pablo. O fato é que com quatro ou cinco anos ele já exigia ser chamado de Pablito, e ai de quem se negasse a chamá-lo assim. Com seis, já dava dois dos sinais mais evidentes da futura baitolice: a síndrome da mão parada e o "piscar devagar".
Era um mimo só, o rapaz. As irmãs, todas mais velhas, faziam-no de gato e sapato. Era um tal de vesti-lo de menina, mandá-lo colher rosas na floreira da quitanda, ensiná-lo desde cedo a jogar vôlei – convenhamos que, para um garoto, jogar vôlei é o esporte mais fru-fru que existe (depois de velho, tudo bem).
Um dia algo inesperado mudou a vida de Pablo. Era Sérgio, o novo marido da vizinha gordona. Como um bom padrasto, Sérgio assumiu toda a cria toda como se fosse sua. Como bom oficial do exército, Sérgio mantinha uma forma duríssima de criação dentro de casa. O mais afetado... Digo, o que sofreu maiores conseqüências foi Pablo.

Invariavelmente Pablo levava um chute do padrasto, toda vez que este o via. Se estivesse brincando de bonecas, então, o garoto levava dois chutes e uma surra de cinta. Sérgio dizia que Para aprender a ser macho, um garoto tinha de apanhar desde cedo. O chute era onde acertasse, nas costas, na cabeça, nas pernas.
O esporte preferido de Sérgio passou a ser levar o enteado para o bar, depois do expediente. Lá o garoto, que já estava com seus 10 anos e quase "curado", aprendia a ser macho: jogava sinuca, comia ovo azul cozido, mijava no lixo, brigava com os bêbados, xingava o dono portuga do boteco e, claro, tomava espuminha de cerveja ("porque piá só pode beber depois dos doze", dizia Sérgio).
No ano seguinte, Pablo foi matriculado numa escola de futebol pelo padrasto. E como todo mundo sabe, macho que é macho ou é beque central ou é cabeça de área. Sabe-se lá porque, Pablo foi escalado já no primeiro treino como meia-armador, a posição mais gay do futebol. Quando Sérgio soube do caso, não só espancou o treinador como ameaçou-o de morte se aquilo se repetisse. Só não o matou da primeira porque ele era genro do Coronel Arantes, que, claro, entendeu perfeitamente a situação do padrasto sacaneado e ainda deu o maior apoio. Dizem que, depois, em casa, o Coronel Arantes ainda deu a maior dura no marido da filha.

Hoje Pablo é adulto. Macho. E ai de quem chamá-lo de Pablito. Ele é apenas Rambo agora. É o artilheiro da suburbana jogando a 9 do Combate. Mas quando o Sérgio falta ao treino (o quarto-zagueiro, não o padrasto), Pablo atua sem reclamações no miolo da zaga. E dá porrada nas canelas.
Tem três filhos (machos), mas nunca casou. Costuma bradar aos quatro cantos que Homem não foi feito para ser monogâmico. Depois do filme, diz que seu sonho é ver a piazada toda no Bope, para poder Caçar uns bandidões e dar tiro de 12 na cara. Cria-os de longe, pois, como diz, Pai só ajuda a cuidar na hora de dar porrada.
Vive sozinho, no meio das quebradas, numa casa de construiu com as próprias mãos. Nas horas vagas fica fazendo flexões ou chutando algum cachorro que lhe cruze a frente, não importando o tamanho. Não assiste TV, porque A Globo é um antro de baitolas. Seu almoço é basicamente feijão e carne, todos os dias. Às vezes mistura um pouco de brócolis para dar sustança, mas tem que ser cru: Cozinhar verdura é coisa de viadinho.
Enfim, Pablo, o velho Pablito, hoje é macho e macho mesmo. Uma prova de que a criação influencia seriamente no futuro das crianças.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Aniversário

Ela sempre esteve do meu lado, sempre deixou claro que sou sua primeira preocupação em tudo. O tempo todo quer saber se eu estava bem, se eu estava feliz ou não. Se importava com tudo a meu respeito, queria saber o que me aborrecia. Nunca me deixou na mão, fazia todas as minhas vontades, dentro do possível é claro. Muito do que sou hoje, é em razão de nossa convivência e dos valores que ela me passou.

Amanhã é aniversário dela e não quero decepcionar, preciso muito fazer alguma coisa que signifique algo para ela. Preciso demonstrar o que sinto, quero que ela veja que valeu a pena todo esse tempo que passamos juntos. Na verdade o que quero mesmo é agrada-la, demonstrar toda minha gratidão. Quero fazer com que pelo menos por um dia, ela deixe de se preocupar comigo. Como adoraria vê-la sem se preocupar comigo, pelo menos por um dia.

Outro dia peguei ela lamentando atitudes passadas. Ela estava sozinha no nosso quarto, acho que não percebeu que eu estava ali perto. A ouvi reclamar, dizendo baixinho para ela mesma, que foi muito cedo para eu aparecer na sua vida. Um instante depois, no mesmo tom, diz que apesar de tudo, fui a melhor coisa que aconteceu na vida dela. Não entendi muito bem, porém ficou claro que ela me amava. Apesar de todas as nossas dificuldades de morar numa favela, num casebre de um cômodo só e viver da venda de papel reciclável.

Amanhã é o aniversário dela, no meio da noite ouço ela chorando baixinho do meu lado na cama. Hoje não teve janta, é por isso que estamos dormindo mais cedo. Sorte sermos só nós dois, senão teria mais gente com fome aqui. Não ligo para a fome hoje, não reclamo disso. Só queria ter um presente para entregar a ela amanhã cedo. Preciso pensar em algo e rápido.

Não durmi, fiquei pensando no que fazer para compensar pelo menos um pouquinho do carinho que ela sempre me deu. Ainda está escuro e sei que logo ela vai levantar, levanto de mansinho e começo a preparar algo para ela. Quando ela desperta, já tinha dado tempo suficiente para eu ter preparado seu café da manhã. Numa bandeja improvisada duas torradas, uma xícara de café e três rosas que peguei no jardim do prédio do outro lado da rua.

Ela me deu um sorriso tão sincero e verdadeiro, que foi como se o sol ganhasse mais cor naquela hora. Porém quando ela leu o bilhete, que eu mesmo escrevi, seu rosto ficou todo corado e ela me abraçou tão forte, que achei que seria partido ao meio. Chorando e rindo ao mesmo tempo ela me disse: - Filho eu também te amo.

Fim

Cachoeira e a cachaça

A festa corria solta. Papo vai, papo vem; uma cachacinha aqui, um torresminho ali. Na sanfona, o Zé Gaiteiro. Thomas da Judite, que assim era chamado porque até ficar viúvo sua mulher mandava e desmandava em casa, acompanhava na viola. Tinha cerveja e vinho pra mais de metro, e não havia um nêgo que fosse que não estivesse completamente bêbado.
Lá pelas quatro, quase todo mundo já tinha voltado para casa. Restavam ainda alguns familiares do Coronel Fabrício, dono da casa, e o pessoal que morava mais perto, nas redondezas. Destes, o caipira Cachoeira era o mais animado: debaixo daquele seu velho chapéu de palha, cantava todas as modas com uma paixão tremenda. Usava uma bota assim, assim, de um couro curtido por ele mesmo, que mais parecia um saco onde botar os pés. Estava pra lá de Bagdá – e não largava a garrafa.
Quando o sol começava a salpicar os primeiros raios sobre a velha estrebaria, os bocejos tomaram conta do lugar. A essa hora, Bento já estava contando os casos mais escabrosos da região, mas agora, sem o friozinho da última hora da madrugada, já não botavam mais medo em ninguém.
Então veio aquela hora das despedidas e cumprimentos finais. Coronel Fabrício foi felicitado um sem-fim de vezes pelo caboclo que lhe servia de peão. "Nunca fui a um bailão assim, Coronel", dizia. E Cachoeira estava lá, recebendo inclusive alguns efusivos abraços por sua animação.
Na hora de se despedir do dono da festa, Cachoeira foi categórico: "Capitão, eu nunca tinha ido a uma festa assim. Todo mundo estava muito feliz e não faltou comida – nem bebida. Precisamos repetir um dia, certo?" Coronel Fabrício se limitou apenas a um aceno de cabeça. Estava cansado. O caipira entendeu o recado e partiu para casa, com uma garrafa de Vila Verde numa mão e o chapéu de palha na outra.
No caminho de sua choupana, ia recapitulando momentos da festa: a mulher do Lacerda, que chegou deslumbrante num vestido vermelho; o padre Lino, que se surpreendeu com o tanto de "sangue de cristo" que Cachoeira conseguia beber de uma só vez; o fazendeiro Mario Roque, que chegou de trator e fez a alegria da criançada; o Coronel Zelão, que fizera um escarcéu quando deu conta do sumiço do filho.
Já em casa, Cachoeira jogou o chapéu em algum canto, guardou a garrafa de cachaça no armário, tirou as "botas" e ficou só de ceroulas. Com a cabeça no travesseiro, já não pensava mais em nada. Acordaria cedo no dia seguinte para subir até a cidade se encontrar com Sinhá Armênia – ela iria cozer-lhe mais alguns paletós. De repente, pensou: "Onde raios foi parar Sarita? Para onde foi minha filha Sarita?"
Abriu os olhos, estarrecido. Ficou por alguns minutos admirando o teto e pensando na filha Sarita. Ela fora com ele para a festa, e há muito já não se viam. Lembrou-se de tê-la visto pela última vez antes do Zé Gaiteiro puxar a boa e velha Tristeza do Jeca. Depois disso, sumiu; como sumira o filho do Coronel Zelão.
Cachoeira tentava se lembrar se Coronel Zelão havia achado o filho. Devia ter achado, pensava, senão a festa acabaria ali mesmo. Nenhuma festa poderia continuar com um Coronel tendo seu filho perdido. Mas onde estaria Sarita? Ela já não era mais nenhuma criança, tinha corpo. Seu seio já era bem grande, aliás. Ficou preocupado.
Resolveu procurar pela casa. Ela poderia ter voltado antes, porque não? Já era bem grandinha e sabia o caminho de casa. Mas e se alguém a encontrasse no caminho e...? Preferiu nem pensar. Foi até o quarto da menina e olhou para a cama. O lençol de vime estava intacto, plano como uma chapa, e o travesseiro denunciava que ninguém deitava ali havia horas. Foi, então, até a cozinha – ela poderia ter ido buscar um copo d'água e cedido ao sono ali mesmo, na rede. Nada.
Sarita estava definitivamente sumida. Cachoeira se penitenciava mentalmente por ser um péssimo pai. Era a quinta vez que se perdia da filha no ano, recapitulava. Mas dessa vez era mais sério, dessa vez era para sempre (ele estava bêbado). Vestiu novamente a calça decidido a dormir só quando encontrasse de novo a filha.
Saiu de casa cambaleando. Mais tonto pela situação, agora, do que pelos litros de cachaça que havia tomado – ou não. Na porta, ainda chutou o gato da vizinha que vivia atazanando Morgana, sua gata de estimação. O bicho quase avançou em Cachoeira, mas até o gato percebeu que a batalha não valeria a pena.
O caipira quis voltar para a casa do Coronel Fabrício. Queria perguntar se alguém na casa sabia de Sarita. Ficou com medo, afinal o Coronal havia praticamente expulsado-o de lá. Decidiu, então, ir até a delegacia, falar com o subdelegado Matías, que era o encarregado da região. Pediria reforços da capital e o escambau, tudo para procurar Sarita.
Ao cabo de dois minutos, já havia desistido de todas as idéias e deitado novamente, só de ceroulas, na cama. Tudo era muito longe, especialmente àquela hora. A delegacia ficava a dois quartos de milha, um mundão para quem está completamente bêbado. Ia dormir, e só no dia seguinte procuraria a filha.
Sarita chegou à casa do pai dois dias depois. Viera da capital, onde estuda agronomia e mora com o noivo Rodrigues. Fora para lá atendendo o chamado da vizinha Joana, a dona do gato que atazana Morgana. Fora ela quem preparara o velório do velho Cachoeira. Ele morreu bêbado, dormindo, afogado com a própria saliva. Provavelmente pensava que a filha estava mesmo perdida.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A nova aventura

Ao avistar a ponte, parou e refletiu. Se atravessasse, seria o adeus definitivo à sua cidade. Já havia deixado-a antes, mas nunca em definitivo.
Olhava agora para o horizonte como quem procura enxergar o futuro. Lembrou-se das aventuras que vivera em Jacupinga: da infância serelepe com os primos Laerte e Maurício; da namoradinha com quem aprendera as coisas da vida; da fonte de Santo Agostinho, onde quase morrera afogado.
Agora estava ali, olhando por sobre uma ponte que jamais havia sido tão representativa. Se passasse sobre ela, toda uma história viraria passado e uma nova aventura passaria a ser vivida.
Já estivera do outro lado, e bem se lembra que fora muito bom. Mas agora era pra valer. Iria assumir um compromisso jamais firmado, o de se unir a algo novo e desconhecido. Ia sabe-se lá para onde, para fazer sabe-se lá o que. Essa idéia era concreta, e o apavorava.
Sentado na beirada da ponte, observava o rio. Do horizonte, vinha um barco de passageiros. Passageiros como provavelmente seria para ele aquela cena. O barco vinha de um horizonte e sumiria logo ali do outro lado, no outro horizonte. E jamais tornaria a aparecer na sua vida. Pensou como tantas coisas são assim. O barco se aproximava, a fumaça subindo, o barulho aumentando. Não queria que aquele momento de repente sumisse da sua memória. Decidiu, então, saltar para dentro da embarcação.
Agarrou-se à mochila como se fosse uma bóia salva-vidas. Olhava o barco se aproximando, tocando uma música indefinível, cheio de estudantes, muitos, talvez, com a sua idade. Preparava o salto, do meio da ponto. Metade do caminho já fora percorrido. O resto seria surpreendentemente para baixo. O barco se aproximou, ele preparou o salto e... Errou na conta.
Caiu com a cabeça direto na proa, vazia. Bateu com a testa em cheio na grade de proteção. O sangue lhe escorria pelas costas. Apagou. Antes sabia que era arriscado, mas não esperava por esse fim. Morreu sem nunca sair em definitivo de Jacupinga.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Missão dada é missão cumprida

Que o filme Tropa de Elite provocou uma série de discussões, isso é um fato. A menor delas, convenhamos, foi sobre até onde vão limites daqueles que pirateiam filmes. Se fosse só por isso, já poderia ser considerado um tremendo sucesso. Melhor ele é, então, quando alguns dizem que a história é fascista e faz apologia ao crime.
Filme bom é aquele que gera debate.
Diria que esses crucificadores do José Padilha moram na Tijuca e têm seus Rolex roubados a cada sinaleiro (agora virei eu o fascista). Mas, oras bolas, quem não enxerga que, no fundo, Tropa de Elite é um drama daqueles mais profundos?
Confesso que demorei um bom tempo para assistir ao filme brasileiro de maior sucesso dos últimos anos. E fui ao cinema sedento por sangue, mortes e sacos na cabeça (admito que são esse tipo de filmes que me impedem de sair por aí atirando em estudantes e velhinhas – preciso assistir a um deles a cada mês para manter a sanidade mental em níveis estáveis). E, chegando lá, o que percebo? Um homem com sérios problemas de personalidade e que faz o possível para não descontar toda sua angústia no exercício do emprego. E isso é muita coisa se considerarmos que ele trabalha em tempo integral com um fuzil carregado numa mão e uma granada militar em outra.

Capitão Nascimento tem uma esposa em casa e precisa todos os dias subir nos morros cariocas atrás de bandidos. Pior: ela espera um filho seu. Se fosse comigo... Bem, se fosse comigo é melhor nem pensar. O fato é que o cara é um guerreiro, e não só por suas missões de guerra. Ele é guerreiro de conseguir viver o eterno dilema de atirar ou não atirar, de voltar ou não voltar para o conforto do lar, de salvar a vida ou salvar a pele. Não é à toa que uma confusão mental se instala na cabeça do capitão.
Agora eu pergunto: tem como retratar a realidade do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, sem mostrar drogas, tiros ou traficante? Copacabana é para turistas. Corcovado, Pão de Açúcar, Maracanã? Tudo casa de turistas. Carioca de verdade vive nos morros e nas suas imediações. E posso até mesmo me dar ao luxo de generalizar: é uma maioria tão grande que a margem de erro fica em poucos pontos percentuais para mais ou para menos. A realidade é mais dura que a praia da Barra, companheiro.
Tropa de Elite mostra isso. Mostra a realidade. Talvez por isso alguns o chamem de fascista. Mas o Brasil é guerra, o Rio está em guerra e a realidade é para ser mostrada. Não gostou do filme? Pede pra sair, parceiro.
Eu não podia ficar sem essa.

E isso ainda foi pouco (dois)

E lá vou eu de novo, apesar de sempre dizer para mim mesmo que não vou dar um tchuplec-tchuplim na ex, não resisto e olha no que deu. O problema maior não é eu não resistir, o bicho pega quando a Júlia lembra que eu existo. A última foi numa festa do Tiago, que ela também conheceu quando estávamos juntos. Era um churrasquinho tranqüilo, não tinha muita gente. Mas por um erro do destino ela encontrou esse meu amigo no mercado e ele a convidou.

O churras estava marcado para começar às três e como de costume cheguei um pouco mais cedo. Acho bacana chegar e ver o jeito que a galera chega e o jeito que a galera vai ficando no decorrer da festa. A rapaziada foi chegando e o trêm foi ficando cada vez mais animado. Lá pelas tantas, o Tiago foi receber alguém que tinha acabado de chegar. Eu estava com um galera ouvindo a Paula cantando e o João tocando violão, tinha uma rapaziada jogando truco e mais alguns que estavam conversando perto da churrasqueira.

O Tiago foi até a portaria receber alguém que estava chegando, quando voltou veio meio sem jeito por não ter me avisado que a Júlia iria aparecer por lá. Contornou a situação e foi apresentando a galera para ela. Rapidinho ela veio falar comigo, nem parecia aquela doida que me deixou de cueca no corredor do prédio. Estava um doce de pessoa, confesso que fiquei com um pé atrás no começo. Mas com o tempo fui relaxando e quando vi nem parecia que tínhamos nenhuma rusga. Entre uma birita e outra fui ficando a vontade, e ela também. Mas alguma coisa me dizia que ela iria aprontar alguma, era questão de tempo.

No final da festa só estávamos eu, ela, o meu amigo e a namorada dele. Fiquei meio sem jeito quando percebi que só sobraram o casal e o ex-casal e resolvi ir embora. Antes que me despedisse, a Júlia, não perdeu a oportunidade e disse que me daria carona. E semi ébrio, prontamente aceitei o convite. Júlia errou o caminho e me levou para a casa dela, eu também não disse que não queria. Chegando lá, uns tchuplec-tchuplim no sofá, no chão e assim foi até que ela me ofereceu carona para casa, agora de verdade.

No carro ela disse que iria abastecer, fomos até um bairro distante do meu. Achei que era golpe, mas não era. Bom, ainda não era, ela realmente abastecia naquele posto. Ela disse que esqueceu a carteira em casa e perguntou se eu podia emprestar a grana para ela. Como sou um cara educado deixei a carteira com ela e fui ao banheiro do posto. Quando volto ela já tinha ido embora. Fiquei longe de casa e sem dinheiro, liguei várias vezes e ela nada de me atender.

Fiquei puto da cara, não tinha outra opção se não ir a pé até em casa. Depois de uma caminhada que não teve fim, cheguei com cara de morto em casa. Na portaria o zelador me vê naquele estado e se segura para não rir. Ele poderia rir a vontade não estava nem aí, já estava ferrado mesmo. O porteiro, Seo João, me entrega a carteira e diz que uma moça deixou lá. A Júlia sacana disse que tinha achado na rua a carteira. Ainda tive que ouvir o Seo João elogiar o altruísmo da Júlia.

Em casa, me esparramo no sofá e ouço o celular tocando. Era uma mensagem da Júlia. A mensagem dizia: E isso ainda foi pouco!

Fim

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Copa 2014, claro

Está certo. Vamos falar de Copa do Mundo. É assunto obrigatório no dia de hoje em qualquer meio de comunicação. Brasil 2014 – O Retorno.
Deixo as análises macroespaciais para a grande mídia. Se a Copa vai ou não provocar um aumento significativo de meio porcento no PIB do país, não sou eu quem vai dizer. Aliás, fazer previsões é coisa dos maiores mentirosos da face da terra: os economistas.
Quero falar apenas do microespaço, ou seja, minha vida. O quanto uma Copa do Mundo vai afetar meus espaços e relacionamentos? A de 2014, por enquanto, nada. A não ser a poupança que vou abrir para guardar desde já o dinheiro dos ingressos.
Gente, faltam sete anos! Para que esse fuzuê todo? Até lá, muita empreiteira vai lucrar com as obras superfaturadas dos estádios e muita politicagem vai decidir coisas que na verdade são puro entretenimento. Se isso não fosse uma análise macro, divagaria extensamente sobre o assunto.
Para mim o que interessa é que finalmente verei os grandes craques do mundo de perto – isso se a CBF não decidir que o grupo da morte, com Argentina, Itália, Moçambique (sim, até 2014 eles poderão ser uma grande potência) e Vanuatu (idem), vá jogar em Tocantins. Verei Alexandre Pato, Giovani dos Santos, Bojan Krkic e, claro, Lionel Messi esmirilhando no meu Maracanã. Todos no auge da carreira.
Como um dos últimos torcedores daquela máfia chamada Seleção Brasileira, só tenho a temer uma coisa: que a euforia pela Copa no Brasil atrapalhe os planos do hexa na África do Sul. Quero assistir ao heptacampeonato.

Uma pergunta: o que raios fazia Paulo Coelho discursando na sede da FIFA? Eu NUNCA li nada dele sobre futebol. E com aquela cara de bicha passiva que ele tem, só deve assistir futebol para olhar as pernas do homens.
Não sei porque, mas toda vez que olho para o Paulo Coelho acho que ele é estilista.
Antes que me crucifiquem, não tenho nada contra Paulo Coelho e muito menos contra homossexuais. Uma das músicas que mais gosto (Canto Para Minha Morte) foi escrita pela dupla de malucos-beleza Paulo Coelho/Raul Seixas; e as melhores pessoas para contar piadas e, principalmente, comprar roupas decididamente são os gays.
Com essa manada de fundamentalistas que temos no Brasil, é melhor explicar qualquer brincadeira antes que dê tempo de cada um fazer sua própria interpretação. Longe de mim querer intriga com o tal Ferréz.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Solteirão

Era um solteirão convicto. Não que fosse malandro: passava dias, meses sem uma namorada. E nem ligava. Era mesmo um solteirão convicto. Tinha vontade, claro, mas as mulheres lhe enchiam a paciência. "Não tenho saco pra isso", costumava responder secamente a quem perguntasse os motivos de sua solteirice.
Sua mãe temia que fosse homossexual. D. Rosalva era de um preconceito terrível. Dizia que um filho gay era pior do que um filho morto. E sempre que podia, atazanava Mendonça:
- Filho, venha cá. Quando é que você vai me apresentar uma namoradinha, hein?
E ele respondia:
- Quando uma mulher gostar de tomar cerveja e ir ao estádio, mamãe.
Ela se ressentia. Nunca Mendonça acharia uma moça assim.

O próprio Mendonça tinha lá suas dúvidas. "Será que sou bicha?", pensava. Às vezes cogitava entrar numa igreja e pedir para ser padre. Mas não: volta e meia tinha seus acessos e se redescobria macho.
O fato é que ele já estava beirando os 30, e para D. Rosalva era terrível tê-lo ainda em casa, solteiro. Certa vez, falou à mesa:
- Mendonça, meu filho. Eu como sua mãe exijo que você se case. Com uma mulher.
Na hora, ele ignorou, mas sentiu que era um ultimato. Àquela noite saiu decidido a encontrar uma moçoila para juntar os trapos. Fez suas ligações e achou uma pequena para ir ao cinema. Flavinha, o nome dela.

Mendonça escolheu um filme de ação, para de cara testar a menina. Se ela assistisse sem reclamar, já era meio caminho andado. Correndo tudo bem, sairiam dali para um bar, a fim de tomar bons goles de cerveja.
Não deu outra: Flavinha parecia até mais empolgada que Mendonça ao sair da sala de projeção. Falava com entusiasmo da cena do helicóptero e até sugeriu:
- Ei, Mendonça... Vamos no Chinesinho tomar uma gelada?
O rapaz quase sufocou. Aquela menina, além de gostar de tiro e sangue, gostava de cerveja. E ia no Chinesinho, o bar mais fuleiro da cidade. Passou a ver Flavinha com outros olhos.

Perto do amanhecer, os dois estavam aos beijos num canto do Chinesinho. Completamente embriagados, como era de se esperar. Mendonça preparou a cartada final, o grande teste. Disse, cínico:
- Que tal a gente ir lá pra casa? Podemos terminar a noite com chave de ouro, hum?
Se ela aceitasse, era a mulher perfeita: descolada, beberrona e transava no primeiro encontro. O tempo entre a pergunta de Mendonça e a resposta de Flavinha pareceu um eternidade. Ele segurava no encosto com tanta força que as pontas dos dedos estavam vermelhas rubi. Súbito, e com a voz embargada pela bebida, ela respondeu:
- Vou, mas só se você prometer que a gente casa amanhã.
Foram e, para alegria de D. Rosalva, casaram-se no dia seguinte, com direito a véu, grinalda e buquê para as solteironas.

Morte e legado

Já ouviste falar em Casimiro de Abreu? Talvez na escola, naquelas aulas de interpretação de texto. Ele tem um poema muito famoso chamado "Meus oito anos", onde lamenta o tempo em que sua vida era apenas um pequeno mar de rosas.
"Oh! Que saudades que tenho/ da aurora da minha vida,/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais/ Que amor, que sonhos, que flores,/ naquelas tardes fagueiras,/ à sombra das bananeiras,/ debaixo dos laranjais".
Tudo muito bonito, muito poético, mas eu digo: hipócrita.
Morreu aos 21 anos, o canalha.

Já ouviste falar em Álvares de Azevedo? Talvez na escola, naquelas aulas de interpretação de texto. Ele tem um poema muito famoso chamado "O anjinho", onde lamenta a morte precoce de seu irmãozinho Manuel Inácio, como se isso fosse um prenúncio do próprio fim.
"Não chorem! lembro-me ainda/ Como a criança era linda/ No frescor da facezinha!/ Com seus lábios azulados,/ Com os seus olhos vidrados/ Como de morta andorinha".
Tudo muito bonito, muito poético, mas eu digo: hipócrita.
Morreu aos 21 anos, o canalha.

O que quero dizer com toda essa ladainha?
Minha hora pode estar próxima, e o que deixe para a humanidade além de um punhado de escarros e gás metano? Porcaria nenhuma.
Em tempo: Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Jim Morrison morreram aos 27 anos. Noel Rosa, aos 26. Castro Alves, aos 24.
Você provavelmente já ouviu falar deles alguma vez na vida.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Regras são regras

Cândido era um cara obstinado. Sempre conseguia as coisas que queria. Sempre ia atrás dos seus sonhos. Estudava, trabalhava e fazia de tudo para chegar onde queria e alcançar seus objetivos. Na faculdade de agronomia era um dos melhores, sabia de muita coisa. O que não sabia, ia atrás para se informar. Para os professores, ele era um talento e quando o talento faltava o esforço compensava.

Cândido adorava acampar, sempre que podia pegava sua mochila, calçava suas botas, o chapéu estilo Indiana Jones e sua barraca que ele chamava de toca do gugu. Para os colegas era muito tranquilo acampar com Cândido, ele buscava e cortava a lenha, fazia a fogueira, preparava a comida e ainda contava histórias sinistras e instigantes. Todo mundo gostava do jeitão que o Cândido encenava suas histórias de terror.

Houve um tempo que Cândido pareceu meio cansado das coisas que gostava. Achava que estava ficando chato. Chegou a perguntar isso para os amigos, mas todos discordavam. O fato é que Cândido era uma figurassa, animava quem estivesse por perto. Mas ele estava de saco cheio e pior, sem saber o porquê. Mas de repente, não mais que de repente, ele teve uma idéia. Iria sair por ai, queria pegar a estrada de moto sem destino.

A partir deste momento toda sua atenção estava voltada para conseguir uma moto. A grana estava curta e teve que ralar. Começou a economizar, onde pudesse ele economizava. Até o papel higiênico que era aquele do cachorro, passou a ser de folha simples com aquele coelhinho. Economizou, economizou e economizou. Cândido era um cara que ia atrás de seus objetivos. Tanto fez que finalmente conseguiu a grana para comprar a sua moto.

Cândido estava radiante naquela manhã ensolarada de sábado, e todos sabiam que ele estava prestes a fazer algo que a muito ele queria. Estava estampado no seu semblante que emanava alegria. Chegou com muita autoridade na loja. Detalhe que fizera questão de juntar o dinheiro para pagar à vista o seu sonho de consumo. Uma vendedora bonitona veio atende-lo, apontou para a moto que iria comprar, assinou os papéis da compra. Pronto, mais uma vez Cândido alcançou mais uma conquista em sua vida.

Na saída da loja Cândido colocou o capacete, montou na sua moto sinistrona, deu partida e saiu feliz da vida. Quando chegava em casa para sua surpresa, havia uma blitz da polícia de trânsito. Ele tenta desviar o cerco policial, mas antes que pensasse em mudar de direção uma viatura para do seu lado. O policial, com certa cortesia, pede os documentos da moto e a carteira de habilitação. Ele mostra só os documentos da moto, o policial verifica o documento e pede a habilitação. Ele diz que ainda não tem habilitação, e tenta argumentar. Porém o policial foi irredutível e apreendeu a moto.

Cândido ficou puto pela terceira vez na vida.

Fim

História venérea

Tudo começou em uma típica noite de verão, lá pelos idos de 1978. Era no deserto do Atacama, no México. Ou seria no Alabama? Não sei direito. Que era um dos dois, tenho certeza. Nessa época eu costumava passar os verões num desses lugares pitorescos. Em 79, por exemplo, lembro-me muito bem: fomos eu e o Garcia (grande Garcia, o "macaco paraguaio") para Kentucky, aproveitar a época de caça aos perus.
Mas voltemos à nossa história. Agora tenho certeza, era mesmo no Alabama, a capital mundial da borracha. Passávamos eu e o Lorca, meu amigo espanhol, pela cidade de Tuscaloosa, famoso território dos índios Cree. Usávamos um daqueles V8 beberrões, típicos da época. Se não me engano era um Ford Thunderbird, alugado na Hertz quando ainda estávamos no Tenesse, um pouco mais ao norte. Nesta cidadezinha, que tinha pouco mais de 40 mil habitantes, presenciamos um crime. E, claro, fomos acusados de sermos os assassinos.
Numa cidade de religião protestante, onde só os homens trabalhavam – e todos na extração de borracha em seringueiras de reflorestamento – enquanto as mulheres cozinhavam e os adolescentes ainda nem tinham ouvido falar de rock'n roll, a gente esperava mais o que? Por lá haviam, no máximo, dois assassinatos por ano: um cometido por marido ciumento que pegou sua senhora na cama com o vizinho e outro por maníaco entupido de whisky contrabandeado até o cérebro. Eis que, de repente, por coincidência, chegam dois estrangeiros e uma família inteira é morta com tiros de 12 cano-curto entre os olhos – em pleno Dia de Ação de Graças.
Fomos caçados ainda no hotel. E olha que foi uma daquelas caçadas implacáveis de cinema, já que era pouco mais de 6h da manhã e tínhamos acabado de chegar da bebedeira da noite anterior. Um bando de marmanjos barbudos vestindo camisas xadrez e segurando tochas bateram na nossa porta. "Aqui é o leiteiro", gritou um deles. Nessa hora tive vontade de matá-lo. Quando abri a porta, quase não tive tempo de vestir a cueca: fomos imediatamente levados para ter uma conversa com o xerife. Numa cidade como Tuscaloosa, um xerife é mais do que um xerife: é juiz, pai de família, lenhador, relações públicas, cicerone e, não raro, prefeito.
No caminho para a delegacia, enquanto éramos ovacionados – e eram, com certeza, ovos de avestruz –, tive idéias de que ia morrer. Pensava na minha família, nos meus amigos no Brasil, no filho que eu tinha deixado na última passagem por El Salvador, no consórcio que tinha comprado para um Gol GTI prata lindíssimo. Enfim, na vida. Era minha vida passando diante dos meus olhos. Mas não durou muito tempo: um dos ovos acertou em cheio minha nuca e cheguei à delegacia desacordado.
O julgamento foi rápido (já que a figura de promotor, testemunha e juiz estavam sendo representados pelo xerife e toda a cidade estava presente, na condição de jurados, pedindo uma solução contra os assassinos): culpados e condenados à forca em praça pública. Sem direito a apelação ou arrego.
Agora vocês devem estar se perguntando: mas como é que esse fanfarrão está agora aqui, contando essa história, se foi condenado com tanta veemência numa terra onde a justiça é na base da lei da selva? Pois é, companheiros. Essa história eu não conto. Me acusariam de parlapatão, corrupto e, acima de tudo, mentiroso; e isso eu não admito. O importante é que estou vivo e sadio. Como, não interessa.
Odeio quando falam que meus causos são histórias de pescador.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Malbec

- Malbec.
O outro, saindo de trás do monitor, pareceu até assustado:
- Que foi? Pirou?
Gomes nem tirou os olhos da tela:
- É Malbec o nome.
- Nome do que, rapaz? - Perguntou Alvarenga, agora ciente de que o colega enlouquecera.
- O perfume que você me perguntou outro dia. É Malbec o nome.
A conversa ficou pra lá de confusa.
- Mas que perfume? Eu ia lá te perguntar de perfume?
- Você sentiu meu perfume esses dias e perguntou qual era. Na hora eu não sabia, agora lembrei. Malbec.
Alvarenga já ia perdendo a razão:
- Escuta aqui, Gomes! Se você está insinuando que eu sou boiola, vamos resolver essa parada aqui mesmo.
Gomes nem se mexeu. Continuou escrevendo qualquer coisa e mandou:
- Eu não to insinuando nada. Você me perguntou o nome do perfume que eu uso e eu respondei. É Malbec. Agora me deixa trabalhar, Tomás.
Alvarenga levantou tão bruscamente que seu teclado foi parar do outro lado da sala. Todos na repartição se viraram para assistir a cena. Ele estava de pé, arfando, com uma caneta numa mão e com a outra desafrouxando a gravata. Gritou, a plenos pulmões, colado à orelha de Gomes:
- Tomás é a puta que te pariu! É a décima-quinta vez que você me chama desse jeito. Meu nome é Alvarenga, porra. Alvarenga!
Gomes, enfim, entendeu. Tomás fora sido substituído há quase dois meses.
Em ofício, prometeu prestar mais atenção numa próxima vez.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A dona do lar

Uma coleção de histórias em quadrinhos do Homem-Aranha, do Spawn (do nº 1 ao 126) e mais alguns especiais de heróis bacanas. Todos os meus discos de vinil, entre eles Cartola, Pixinguinha, Mutantes, Secos e Molhados, Adoniran e até um do Agepê que minha mãe deixou comigo por não ter onde ouvir. Um punhado de fotos, meu autorama que ganhei no meu aniversário de cinco anos. A medalha de bronze que ganhei no judô, quando estava na segunda série. Meu pogobol, como poderia esquecer meu pogobol.

E mais os álbuns de figurinhas do campeonato brasileiro de 1980,1982,1983,1987 e 1992, mais as revistas Placar de cada ano que o Mengão venceu o campeonato brasileiro. Minha mesa de futebol de botão junto com a Selemengo, como eu chamava o meu time de futebol de botão. Meus jogos de tabuleiro, War, Banco Imobiliário, Detetive e todos os outros jogos. Minhas cartas de super trunfo, meu baralho de mágica.

Agora essa ingrata, três dias depois que voltamos da lua de mel, joga todas as minhas coisas fora. Francamente, é ou não é motivo para se divorciar?

Fim

Ópio

Há muito tempo que eu não ia dormir tão feliz por causa de um daquele mafioso jogo chamado futebol. A última vez, se não me engano, foi naquela partida contra o campeoníssimo São Paulo em que nós, os “quase-rebaixados” flamenguistas, goleamos por um a zero. Antes disso, então, acho que só na final do carioca, lá por abril ou maio, quando o Botafogo sucumbiu à força do Rei Obina e seus assessores.
Alguns então se perguntam: “mas e o 3 a 1 sobre o Cruzeiro?”, ou então “e o 4 a 0 contra o Juventude?”. Não é nada disso, pessoal. Não é o placar que me faz sorrir. A graça toda do futebol está na torcida. 70 mil pessoas gritando no Maracanã é que fazem o do esporte um espetáculo.
(Antes que me crucifiquem, um grande parênteses de explicação: conta Fluminense, Atlético-MG, Vasco e Sport também colocamos mais de 50 mil no Maraca. O fato é que eu não assisti a essas partidas)
Vejam que alegria. Futebol é o ópio do povo, certo? Precisa dele (o povo) para ser consumido (o ópio). Futebol precisa lotar estádios para ter espírito. Nenhum jogo - e nisso se encaixa até o maior derby dos derbys, o Fla-Flu - tem graça se qualquer setor das arquibancadas estiver com espaços em branco. Futebol é um carnaval no meio da semana, é um baile à fantasias em plena quarta-feira à noite.
Isso dirigentes e jogadores não percebem, infelizmente. Sem os torcedores o futebol simplesmente não existe. É uma pena que não façam nada para segurá-los.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Um cara descolado

Rotina, assim poderia ser resumida a vida de Glauber. Um sujeito simples, fechado, mas que tinha uma certa simpatia no seu jeito de tratar as pessoas. Não era de falar muito, quem mais ouvia ele falar era o dono da banca de jornais, o Seo Nicolau. As garotas da padaria Lilian e Andréia e sua mãe Nair. Glauber gostava de passar o dia fazendo as mesmas coisas que fizera no dia anterior.

De segunda a sábado era comum que levantasse às sete da manhã, tomasse banho. Em seguida ia até a banca do Seo Nicolau, apanhava o jornal e na volta passava na padaria e ouvia as brincadeiras de Lilian e Andréia. Glauber fazia de conta que não era com ele, as garotas até forçavam a barra no xaveco e ele nada de dar muita pelota para elas. “Um dia ainda te pego de jeito” dizia Andréia. Lilian dizia que um dia ele iria correr atrás dela.

As tardes passava o dia dedicado à suas coleções de selos e de insetos. Ficava atarefado catalogando suas relíquias desde que terminava o almoço até a hora que ia para aula de canto gregoriano. Voltava da aula de canto e ficava até tarde assistindo suas comédias do canal de comédias. Todo dia era assim, anão ser no domingo quando dividia o dia entre comédia e o campeonato australiano de rugby para mulheres. Ele era chegado numa australiana capaz de pegar um canguru a unha.

Não que Glauber fosse um partidão, mas era visto no bairro como bom moço. O que é raro nos dias atuais, mas a vizinhança sempre falava dos bons modos de Glauber. Porém ele nem dava atenção para esse tipo de comentário. O tempo passava e a vidinha do ilustre Glauber continuava da mesma forma. Selos, insetos espetados num alfinete, rugby feminino, o jornal logo cedo, as cantadas das garotas da padaria... Até que um dia ele se cansou. Largou o canto gregoriano, vendeu os selos e os insetos no mercadolivre e deu um pega nas duas garotas da padaria juntas.

Tatuou o simbolo do Mengão do tamanho da suas costas. Entrou para uma torcida organizada, faz parte da bateria e ainda compõe algumas músicas. Dois anos depois formou uma banda de rock, está namorando a Lilian (aquela da padaria) e ainda dá uns tchuplec-tchuplin na Andréia. Mas ainda tem uma velha mania, passa as madrugadas assistindo jogos do campeonato feminino de rugby australiano, que a Dona Nair grava.

Glauber é um cara descolado.


Fim

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Velho sábio javanês

Nos livros, conta-se que era um senhor já com seus oitenta anos que, afora a barba grisalha, não apresentava um pêlo sequer no corpo. Vestia-se apenas uma manta cor-de-areia e umas alpercatas de couro de javali. Seus súditos eram, na maioria, jovens delinqüentes que cometiam ínfimos delitos na pequena província de Yogyakarta, no sul da ilha de Java. Não tinha muito respeito no meio acadêmico, mas seus ensinamentos invariavelmente tiravam tais jovens do mundo do crime. Direto para o manicômio.
Uma de suas parábolas foi ouvida por um transeunte que passava pelas montanhas de Yogykarta no verão de 1726. Sem entender muito do que se tratava, ele resolveu escrevê-la num pergaminho de arroz para uma análise posterior. O fato e que esse pergaminho foi encontrado, centenas de anos depois, enrolando um velho vaso de cerâmica, dentro de uma caixa de bambus. Dizem, quem o leu, que a parábola só será amplamente entendida daqui a alguns anos, numa eventual Semana de Arte Pós-Moderna de 2022.
Para vosso deleite, um trecho selecionado – talvez o único entendivel – da comentada parábola:
"Há, entre vós, senhores, um escolhido. Um que, dentre os tantos outros, viverá para contar história. Do Ser supremo, ganhará o direito de expirar o prazo; viverá além dos planos e, assim, narrará casos com a certeza de quem assistiu. Pode ser tu, ou tu, ou até mesmo tu, ó velho raquítico... O Senhor não dá sinais.
"Espero eu, na minha insignificância de remelgado social, que este escolhido, por mais putrescível que seja, tenha sabedoria de escolher os exemplos corretos. A humanidade precisará de exemplos – o ser humano precisa se refletir em outro, como fez Narciso na lagoa de Eco ou na sua irmã gêmea."
É a sapiência javanesa. O resto é pura enrolação, mas o recado foi dado.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Encontro desencontrado

Márcio era um desses jovens que preferem o anonimato da internet do que ir para uma festa, bar ou outra atividade de cunho social. Não que ele não goste de festas, mas Márcio não sabia como lidar com as garotas. Já na internet, seu habitat virtual, era uma cara mais comunicativo. Tinha vários amigos, cada um de um lugar diferente e que de alguma forma um se enxergava no outro.

Com tanta comunicação virtual, não tardou para que Márcio tivesse um affair virtual. Camila era o nome dela, pelas fotos uma garota muito bonita. Tinha cabelo curto, cortado um pouco acima da altura dos ombros olhos castanhos e um belo sorriso. Márcio e Camila passavam horas em frente ao computador fazendo juras um ao outro. Com o tempo o sambarylove virtual já não os satisfazia. Era chegada a hora de um encontro real.

Camila aceitou sair de Joinville e ir até Ponta Grossa para encontrar seu amado. Tudo estava acertado. Camila passaria um final de semana em Ponta Grossa. Porém ela tinha que apresentar um trabalho na faculdade e só poderia viajar no sábado de manhã. Márcio disse que não tinha problema e que iria esperar por ela. Fez planos, ensaiou o que iria dizer. Ficou nervosíssimo com o que estava por acontecer.

Na véspera do encontro, Márcio foi com os amigos do trabalho no bar do Russo e comentou que finalmente iria encontrar a Camila, de quem tanto falava. A rapaziada num misto de curiosidade e de alegria pelo amigo preguntaram tudo sobre como ele conseguiu convencer a garota a vir até Ponta Grossa para um encontro que começou na internet. Márcio falou tudo nos mínimos detalhes, entre uma cerveja e outra no bar do Russo. Só tinha um problema, como a casa dele vivia cheia não poderia ter a intimidade que gostaria. Mas isso foi resolvido rapidamente, Alex disse que emprestaria o seu apartamento para o encontro.

Sábado cedo Márcio acordou com uma ressaca daquelas, tinha se empolgado demais no bar do Russo. Quando olhou no relógio estava atrasadíssimo, correu para a rodoviária. Quando chegou lá não encontrou Camila. Mau conseguia pensar direito, se sentia culpado por não ter acordado na hora. Ficou nervoso por não saber o paradeiro dela. Resolveu voltar para casa e procurar por ela na internet. Porém não encontrou a Camila “online”.

Na segunda-feira a noite, veio a surpresa. Camila entra no msn com uma foto junto com Alex. Sem entender direito ele pergunta que foto era aquela. Camila respondeu – é de domingo lá no parque, lembra? Adorei conhecer você pessoalmente – essa palavras foram como um punhal sendo cravado lentamente no seu coração. Desligou o computador para nunca mais liga-lo novamente.

Fim

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Eu, uma falácia

Como pode alguém, de um dia para o outro, mudar totalmente? Perder o espírito de aventura, as traquinagens da hora do almoço, a vontade, o tesão? Eu mudei, e para pior. E não sei o motivo dessa mudança.
Há pouco mais de dois meses eu precisava de dois ou três dias para terminar de ler um livro. Há pouco mais de dois meses eu acordava com um texto inteiro pronto na cabeça, só esperando para ser digitado. Há pouco mais de dois meses eu pegava no telefone e discava; não ficava olhando para o dial.
Faço as contas: o que mudei no meu comportamento nesse tempo? Nada demais. Nada de errado. Segui os conselhos das revistas: pratique mais exercícios, sorria mais, abraçe seu vizinho, colha jaboticabas direto do pé. E de nada adiantou! Eu mudei - e piorei.
Fico indignado comigo mesmo. Mais indignado ainda por submeter quem lê esse bendito blog a tamanhas agruras. Se eu por ventura me suicidar qualquer dia desses, lembrem-se de apagar meu Orkut. A senha está salva no meu computador.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Seríssimo

Há pouco me pediram – me imploraram – para voltar a escrever sobre assuntos sérios. Disseram que minhas divagações são completamente vagas,  sem sentido nem objetividade. E que não dizem nada além do que qualquer pessoa comum pensaria.
Aceito as críticas com pesar. Elas são normalmente mais construtivas do que elogios. Fazem doer, mas é só com dor que nasce um novo ciso.
E isso tudo me fez pensar (calma, não é uma divagação): que raios seriam assuntos sérios? Escrever sobre mensalão ou os quarenta ladrões do excelentíssimo presidente do Senado, o funesto Renan Calheiros? Criticar duramente as ações de nosso glutão governador, principalmente aquelas que incidem sobre a magnânima Copel, "patrimônio" dos paranaenses? Ou ainda comentar sobre o síndico assassino, a rainha do crack e a vaca do bacacheri? Não, não; para mim, essas notícias todas não passam de boas piadas.
Não dá para levar a sério um país como esse. Quem se preocupa com tudo de estranho ou escandaloso que acontece fica louco ou estressado. Não existem assuntos sérios para fanfarrões como eu ou o José Simão. É tudo piada. O Brasil é o país da piada pronta. A diferença é que Simão consegue capitalizar seu "Buemba, buemba!", enquanto o Dois Copos vive no ostracismo da blogosfera brasileira.

É sério o rapazinho cheirando cola ao lado da catedral. É sério a menina de doze anos com um bebê no colo – sua filha. É sério a árvore derrubada para a construção de mais um prédio no centro da cidade. É sério o rio Barigüi, o rio Belém, a represa não-sei-das-quantas; vai beber água nesses lugares. É sério amigos do meu irmão com 12 anos pesando quase cem quilos. É sério a vizinha que se joga do 15º andar por motivos, digamos, sem motivo.
É sério, mas não sai no jornal. É sério, mas não é notícia. O que há, então, para se comentar?

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Sem nexo 4

Um dia eu vou morrer e tudo que fiz no mundo não terá servido para nada. Tantos anos de estudo e sofrimento, trabalho, preocupação, relacionamentos. Vai tudo para a terra, ser comida de bactérias. Tudo o que eu escrevi, pintei, bordei ficará para a eternidade (ou não); mas e de que adianta? Para que serve minhas produções insossas sem mim? Eu vou morrer, não existirei. As produções, consequentemente, vão comigo.
Aí você fica pensando: para quê estudar? Para quê trabalhar e ganhar dinheiro? Gastar no parque de diversões? De que adianta? Depois você esquece tudo mesmo. Virará tudo cinzas que serão jogadas no lago do Barigui. Na melhor das hipóteses você vira uma múmia fétida para ser exposta num museu daqui a 4 mil anos.
Pensar na morte é frustrante. As pessoas criam ilusões para amenizar os maus pensamentos. Reencarnação, paraíso, inferno, limbo. Nada disso existe. Você morre e vira pó. Do pó vieste, ao pó retornarás. Acaba, fim. Não é como um computador que desliga com a queda de energia mas volta a funcionar depois. É o fim. É uma coisa que se desliga e já era. Não serve pra mais nada.
Tem algo que eu sempre penso. Não ameniza em nada, mas é um fato pelo menos concreto. Quando você morre, é enterrado, certo? Ou cremado, tanto faz. E aí vai para a terra. Vira nutrientes que alimentam plantinhas. Essas plantas alimentas a cigarra, que alimenta o tamanduá, que alimenta a onça pintada, que alimenta o mosquito, que alimenta o sapo, etc, etc, etc. A tal da cadeia alimentar. É a única forma de reencarnação que eu acredito. É o que dá faltar as missas de domingo e acreditar nas aulas de biologia.
O problema é quando começo a pensar que já não nascem plantinhas como antigamente.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Telefone é uma arma

Outro dia eu estava no bar e recebi uma mensagem sinistra. E para ajudar não conhecia o número. “ E ai tudo bem? Sei que não é a melhor hora, mas estou feliz em poder ver você novamente, mesmo numa situação dessas. Me diz uma coisa, quando chega o corpo e que horas será o enterro. Abraço”
Essa mensagem acabou com a minha noite, a cerveja perdeu o gosto, a conversa não fazia sentido. De repente eu estava perdido em pensamento pensando em quem tinha morrido, quem tinha mandado aquela mensagem e o que eu deveria fazer. Liguei para o número mas ele estava desligado. No dia seguinte fiquei sabendo que era um engano. Vai se enganar assim lá na casa do chapéu.
*****
O primeiro celular a gente nunca esquece. Frase batida, mas tudo bem. Lembro que comprei o meu primeiro numa promoção dessas de fim de ano. O aparelho não era nada demais, fazia ligações, mandava mensagens e ainda tinha um joguinho de moto que era muito chato. Duas coisas aconteceram de engraçado, a primeira é que eu não sabia o número do telefone. Ligava para as pessoas, mas quando alguém ligava para mim atendia uma tal de Morgana. A garota (ruiva) que me vendeu o aparelho passou o número errado, em vez de zero o último dígito era seis. Depois disso tudo se resolveu, e ninguém mais falou com a Morgana perguntando por mim.
O outro causo foi mais engraçado, eu já tinha telefone celular (bonito isso) há uma semana. Numa manhã de sábado o telefone toca. Era um tal de Gérson, que deve ser uma figura, e quando atendi já foi gritando – Dae cara! Beleza meu? Já estamos quase na rodoviária, venha nos buscar – o cara era empolgado. Tentei em vão dizer que era um engano e ele insistiu. E eu resisti e tive que zoar.
Disse que era para ele me esperar fora da rodoviária perto da banca de jornal. Falei que seria mais fácil para encontrar ele lá, pois na rodoviária tinha muita gente lá e seria difícil encontra-lo. Confesso que senti um pouco de culpa, mas passou.

Fim