sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Segunda-Feira

Nunca pensei que iria querer isso, mas eu quis e ainda quero. Faz um tempo já que não consigo acordar disposto. Isso é só um problema a mais, pois até uns meses atrás eu não conseguia dormir. Agora acho que não acordar direito é só uma herança deixada pela minha insônia. Mas hoje cedo, seis e quarenta e três, quando meu celular toca a música do Rock Balboa (pan pararan pararan pararan...) eu acordei. Parecia que tinha tomado um porre na noite anterior, o que não foi o caso, puxei a cortina para olhar o tempo e pensei: - porra, ainda não é sábado.

Além de não ser sábado, me senti meio quebrado. Parecia que tinha jogado futebol a pouco tempo ou sido espancado por uma torcida organizada. Entrei no banheiro e o espelho me mostrou uma imagem que seria engraçada se não fosse eu quem ele refletia. Uma figura com o rosto inchado, olhos semi-abertos e com semblante de um filhote recém-nascido incomodado com a luz. O banho resolve parte do problema, o rosto ficou apresentável. Mas os olhos ainda não estavam bem abertos.

Coloquei uma música para melhorar o ambiente, enquanto tomava café. É bom, porque acho o dia melhora com música. Deve ser psicológico, mas comigo funciona. Ainda no café as idéias começam a tomar forma e penso no que tenho que fazer no dia. De repente, me ocorre que é sexta-feira. Não disse que o dia melhora com música. Me visto e saio trabalhar com um certeza, uma estranha certeza. A certeza de que eu quero uma segunda-feira, porque hoje eu saio de férias. Agora não vejo a hora de chegar segunda-feira, só para eu acordar e voltar a dormir.

Fim

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Verde-limão

O verde-limão é a cor mais burra que existe. A cor não, porque cor não pode ser burra; o nome que deram a ela é que é burro. Aquela camisa do Palmeiras, a terceira, que parece uma caneta marca-texto, todo mundo diz que é verde-limão. Não é. Não tem nada a ver. Verde-limão de verdade é a camisa número um do Palmeiras, a principal. Explico.

Quando se diz que uma coisa é a coisa MAIS outra coisa, significa que é a coisa com certas doses da outra coisa. Parece complicado, mas não é. Veja, por exemplo, a arraia negra. Ela é chamada assim pelo mero fato de ser negra, assim como a aranha marrom é aranha marrom por ser... marrom. Simples.

Mas a outra coisa não fica só na cor, não. Tem o esquilo-voador, por exemplo. Ele é chamado assim porque voa, óbvio. E o verme-da-mongólia o é porque vive no deserto de Gobi, que todo mundo aqui sabe que fica no sul da Mongólia. Aliás, supostamente vive, porque sua existência nunca foi provada, mas isso é discussão para outra hora.

Mas e o verde-limão? O limão, aquela ótima fruta com que se faz a melhor-ainda caipirinha, já é verde por natureza (ou amarelo, mas aí ele é honestamente chamado de limão amarelo), e não tem nada a ver com o que se costuma chamar por aí de verde-limão. O verde-limão deveria ser da família do rosa-choque, que é outro nome de cor meio burro mas que tem algum sentido, já que é verde-limão é o verde acrescido de um... choque?

Enfim, essa é uma conversa muitíssimo séria e que ainda pode dar muito pano para a manga – a da camisa, e não a manga espada, de comer, que tem esse nome porque seu corpo é alongado e achatado nas pontas.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Brasil goleou. E é verdade

Até eu comemorei. Eu, que já tinha largado os betes, apesar de ainda ser um dos poucos torcedores remanescentes dessa descaracterizada Seleção Internacional Brasileira. Estava tratando-a como faz aquele simpatizante do time prestes a cair para a Série D do campeonato brasileiro: com total indiferença. Sim, já não adiantava mais içar banderias ou entoar gritos de incentivo. Não merecia um minuto sequer do meu precioso tempo.

Mas eu sou chato, teimoso. Apesar da desconfiança, preparei o terreno: cobertorzinho, pipoca e um copão de Coca-Cola. Todo o meu aparato para dias de jogo de seleção durante a semana fora do período de férias. Sim, porque se fosse no fim de semana ou no meio de dezembro eu teria pegado uma dúzia de cervejas e assado uma bela duma picanha no lugar da dupla Coca-Pipoca. Enfim, tudo pronto, Pelé dá início aos trabalhos e, dois minutos depois, gol de Porugal.

Perfeito. Tudo o que eu precisava para abandonar de vez o barco verde-e-amarelo. Um lance bobo, de escanteio, que um segundo a mais de atenção poderia ter evitado. Nem o time atual do Coritiba, com sua zaga em forma de peneira de esgoto (aquela que só serve mesmo para evitar que defundos caiam no rio),teria sofrido com tamanha inoperância. Mas parece que foi justo este gol que acendeu a chama da seleção. Acho que se não fosse esse chacoalhão logo no começo, teríamos mais uma apresentação sofrível de nossos estrangeiros tupiniquins.

Aí Robinho resolveu mostrar serviço. Sabe-se lá por quê o neguinho tava com fome de bola. Roubou-a no meio campo (com uma grande ajuda do luso-brasileiro Pepe, claro) e tocou no meio para Luís Fabiano só empurrar. Para falar dele, aliás, merece ser criado um grande parênteses. Ei-lo:

(Luis Fabiano foi magistral. Eu disse para o meu irmão, há uns dois jogos, que o Fabuloso era um dos melhores atacantes do mundo na atualidade. Ele respondeu "que nada; não dá nem para comparar ele com Ibrahimovic ou Nistelrooy". Walace, leia bem o que eu vou escrever: Luis Fabiano é talvez o melhor atacante do mundo hoje. Sim! Ele é aquele cara que faz gol, a expressão máxima do futebol, não se importando como. Chuta de bico, caindo, de costas, com o pé esquerdo, com o pé quebrado, de nuca, com a pélvis... Para ele só o que importa é que a bola entre. Para ele e para todos os que gostam de vencer. A essência do futebol. Como se isso não bastasse, ontem ele também mostrou habilidade: no seu segundo gol, Luis Fabiano cortou, girou e bateu com o pé-ruim. Gol, e isso é o que importa. Melhor que ele, nem o Obina.)

Futebol é isso aí. Vibração, raça, disposição. Foi lindo ver todos os jogadores correndo, buscando jogo, tocando a bola. Elano foi dez; Robinho, 11; Kaka, mesmo sem gol, chegou perto de 12. Mas Luis Fabiano foi 100. Foi a primeira vez que não senti saudades do Romário na seleção. Não precisou: bola na área, Luis Fabiano resolve.

Aliás, ganhamos apesar do Dunga. Basta ver que foi ele quem insistiu em escalar Kléber e Gilberto Silva, apesar do mundo inteiro rir do futebol deles. Como se não bastasse, depois do intervalo nosso técnico sacou Anderson para pôr Josué.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Filho da mãe ou mãe do filho

Não se fala em outro assunto, é dia de decisão do campeonato. A cidade inteira está apreensiva. A favor ou contra estão todos os torcedores ligados na decisão. As crianças jogam bola na calçada, ao mesmo tempo em que jogam bola narram o jogo como se eles fossem o narrador e os jogadores que em instantes decidirão o campeonato. Fogos de artifício estouram no ar, dando um clima de festa na cidade.

As senhoritas já escolheram o goleiro como o mais belo jogador. Os homens apenas levam muita fé na atuação do goleiro e no artilheiro do time, o mexicano Gonzales. O camisa nove tem raízes na cidade, pois seu bisavô foi um dos fundadores e hoje tem até uma praça com o seu nome. Nos botequins todos aguardam ansiosos pelo começo do jogo. Várias apostas e até um bolão valendo uma Brasília ano 85, para quem acertasse o placar e quem faria os gols.

Faltando pouco minutos para o começo do jogo, apenas um tevê sintoniza um canal qualquer que não o do jogo. É a casa da Dona Amélia, que não vai assistir a decisão. Mesmo sendo um momento que pode entrar para a história do futebol e da cidade, ela não quer saber do jogo. Não desse jogo em especial. Dona Amélia ficará assistindo qualquer coisa menos futebol.

Ela resolve ler uma revista e ouvir música, nisso o telefone toca. É a vizinha, que a convida para assistir o jogo, com mais outras vizinhas. Mas Dona Amélia agradece, mas recusa o convite. A amiga insiste, porém ela é irredutível e dispensa o encontro. Algum tempo depois, a amiga insiste em chamá-la novamente. Então ela explica que não gosta de assistir futebol, porque ela é a mãe do juiz e não suportaria ser xingada sem ter feito nada.

Fim

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Espera sentado

Já estava sentado ali há pelo menos 40 minutos. As pernas formigavam, o pescoço coçava e as meias esquentavam-lhe os pés a ponto de fazer qualquer deserto parecer um bom e velho oásis. Costumava dizer que aquilo era coisa que só acontecia com os outros. Mas desta vez não; era ele, ali, sentado, com as pernas ora arqueadas, ora cruzadas. Já decorara quantos azulejos tinha em cada parede, de ponta a ponta, inclusive quantos estavam quebrados e onde. Até a bateria do seu mp3 já havia acabado.

Olhava em volta e não via ninguém. Ou melhor, havia um; mas era ele próprio, refletido no espelho. Um espelho grande, que ocupava quase uma parede inteira e fazia o recinto parecer maior do que realmente era. Uma imensidão azul que lhe pareceu infinita, inatingível. Lembrava a morte, pensou. Sim, o infinito estava além daquelas paredes. Perto, porém fora do alcance das suas enrugadas mãos. Precisava de alguém; alguém que lhe chamasse, gritasse seu nome. Que lhe ajudasse enfim a encontrar uma saída.

O tempo na solidão parece seguir à conta-gotas. Ele sentia no pulso o ritmo do relógio marcando cada segundo, cada minuto. A cada batida dos ponteiros, o coração parecia responder, afoito e agoniado. Então o equipamento completou seu ciclo: uma hora. Uma hora ali, sentado, sem poder sair do lugar ou conversar com outro ser. Nem uma revista sequer disponível para lhe ajudar naquela difícil espera. Nenhuma.

Finalmente, quando já estava prestes a desistir e assassinar a si próprio, ele ouviu um barulho. Algo como uma batida seca, um ruído leve, praticamente imperceptível. Quase não acreditou. Ajeitou-se onde estava, botando reta a coluna que já parecia uma banana. Queria mais – mais barulho, mais movimentação. Precisava sair daquele marasmo que havia tomado conta de sua vida. A imensidão azul diminuiu, já não lhe parecia mais tão infinita assim; a liberdade lhe pareceu cada vez mais próxima.

Fechou os olhos em concentração total. Precisava captar no ar qualquer ruído, qualquer movimentação. Tudo era questão de concentração, pensou. Pensamento positivo. Entrar em sintonia com os astros para que eles mexam os pauzinhos em seu favor. Suava. Suava frio, física e psicologicamente. Fez um esforço tremendo até que mais um pequeno barulho foi ouvido. Ou deuses estavam do seu lado. E de repente mais um. E outro. E mais outro. Foi a maior sensação de liberdade que ele já sentira na vida.

Finalmente o purgante fez efeito.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O Ford Ka

Eu sou, na verdade e ao mesmo tempo, duas pessoas. Na verdade várias, dependendo da ocasião, mas o importa agora são apenas estas duas: dentro e fora do carro. Isso mesmo. No dia-a-dia, fora do carro, nas conversas à beira do balcão ou no trato com a atendente de telemarketing, comporto-me como um nobre, um lorde inglês, suave e compreensivo tal qual um manso filhote de labrador (desde que isso me seja favorável). No trânsito, porém, a coisa muda de figura: vivo estressado, a 200 por hora, xingando até a mãe da prima da vizinha da coitada que atravessa a rua empurrando seu carrinho de feira lotado de abóboras chinesas. Da porta para fora, um; com as mãos no volante, outro.

O culpado disso tudo, acredite, é o fato de eu dirigir um Ford Ka. Tivesse eu um Opala 78 ou um Omega Suprema, as coisas seriam diferentes. O Ford Ka, por si só, independente do motorista, não é respeitado nas ruas, e ser desrespeitado é o que faz qualquer homem perder a cabeça. Explico. Ninguém quer parar atrás de um Ford Ka no sinaleiro. As pessoas preferem trocar de pista a ter um Ford Ka como "puxador" da fila. O que os outros motoristas não imaginam é que atrás daquele volante minúsculo pode ter um apressado motorista pós-moderno ou o próprio Juan Manuel Fangio. Ford Ka será sempre Ford Ka, aqui ou na Rússia, e ele, talvez pelo seu tamanho, parece não merecer qualquer respeito alheio.

Quem o dirige, sabe: não há moto, por mais pequena que seja, que se digne a deixar a frente do Ford Ka livre num sinaleiro. Elas sempre têm a certeza – mesmo que seja a ridícula Jog ou uma potente Biz 100cc – de que sairão antes do Ford Ka quando a luz vermelha do poste se apagar. Não sei, mas não me parece que o Ford Ka seja tão ruim assim. Já dirigi outro carros 1.0 e eles me pareceram a léguas de distância da potência do Ford Ka. O Fox e o Palio, por exemplo, são infinitamente mais fracos e, digamos, feios que o Ford Ka. Fosse meu carro um fusca, ao menos eu poderia me impor por sua história. Mas não. O Ford Ka é desrespeitado, subjugado e admoestado pelos outros automóveis e motoristas.

Fica aqui meu apelo: não julguem um motorista só por causa do seu carro. Não é porque ele está num Ford Ka vermelho com um adesivo da Hello Kitty ocupando toda a janela traseira (não é meu caso) que ele não conseguirá te ultrapassar na curva. Aquele motor Zetec Rocam é muito mais forte do que parece – e ele me da muitas alegrias diárias, sobretudo quando olho a cara de espanto daquele motorista no Golf GTi se apequenando no retrovisor. Antes de julgar um carro, olhe a cara do motorista: só mude pista se ele for mais baixo que o capô ou  mais antigo que a crise de 29.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Outra de Mário e Júlia

Júlia esta dormindo sentada no sofá da sala, a televisão está ligada e ouve-se um barulho de chaves do outro lado da porta. É Mário que tenta entrar de mansinho em casa, ele saiu dizendo que ia entregar uma furadeira na casa de um amigo, que mora no prédio do lado. Mas isso foi há quatro horas atrás, Mário até ligou dizendo que ficaria lá por uma meia hora. Pelo jeito a conversa estava boa na casa do amigo.

Ele cuidadosamente abre a porta e antes de entrar tira o tênis. Na ponta dos pés vai entrando em casa. O único barulho na sala é o som baixinho da tv, Mário encosta a porta e verifica se Júlia ainda está dormindo. Ela parece estar cochilando pesado, mas ele acha prudente não fazer barulho e segue em direção ao corredor. Quando de repente, não mais que de repente, ouve-se um grito.

- Seu grandessíssimo filho de um quenga!
- Júlia, espera.. eu..
- Espera o quê, seu vagabundo?
- Júlia...
- Cale sua boca e me deixa falar.
- Mas...
- Não nada de mas. Estou farta de suas “saídas rápidas” e mais ainda de suas desculpas esfarrapadas.
- Calma Ju, eu só...
- Calma? Calma é tudo que eu menos preciso agora. Seu calhorda, bandido, safado, cachorro, vadio. Como você me deixa nervosa.
- Mas Ju...
- Mas, mas, mas o quê? O quê você quer? Vamos me diga.
- Eu quero...
- Você não tem que querer nada. Você não está em condições de querer nada. E olha só para você. Te conheço, você estava tomando cerveja, não é?
- Amor, eu só...
- Não vem me agradando não, seu cachorro.
- Não fala assim.
- Ta bom, só me responde uma coisa. Isso é hora de chegar em casa?
- Amor, eu não estou chegando, só vim buscar o violão.

Fim

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Invasão

“Eu vou até aí e te pego, seu desgraçado”, Júlio gritava de um lado da cerca. “Você não é páreo para um judoca faixa-cinza como eu. Acabo com você num segundo, com uma das mãos amarrada nas costas”. Do outro lado, protegido por quase dois metros de arame farpado e um casal de pastores alemães, Lauter não respondia. Coçava sua barriga flácida num quê de desprezo e ironia.

A discussão começou por causa de uma bola de futebol que caíra em seu quintal. Júlio jogava com a sua turma, os caras da rua de baixo, no campinho ao lado da praça. Lá, como se sabe, é área dos caras da rua de cima, e a interação entre as duas turmas há muito tempo era considerada impossível por ambas as partes. Os invasores chegaram de repente, antes da aula acabar (sabe-se lá como todos os caras da rua de baixo conseguiram sair da escola antes do sinal tocar), e dominaram o campinho na base da ocupação estilo sem-terra.

Jogaram por mais de uma hora antes do incidente. Os caras da rua de cima, os donos do campinho, apenas observaram, de longe, a movimentação. Não podiam reivindicar a posse, não naquele momento. Estavam em menor número porque a turma da quinta série da escola da vila estava numa excursão em Ponta Grossa, e mais da metade dos caras da rua de cima eram da quinta série. Além disso, todos ali eram mais novos. Só não haviam perdido definitivamente o “mando” de campo até então porque o pai de um deles, o Seu Pedro, era uma espécie de síndico do bairro. Todos na região o respeitavam. “Se o Seu Pedro falou, tá falado”, diziam. E ele falou, certa vez, que o campinho ao lado da praça era dos caras da rua cima – os outros disseram simplesmente amém. Só em casos esporádicos, quando aconteciam campeonatos ou invasões como esta, que os caras da rua de baixo jogavam no campinho ao lado da praça.

“Vocês não deveriam estar aqui”, Lauter sibilou calmamente para o nervoso Júlio. O outro respondeu:

“É, mas agora nós já estamos, e quero ver alguém nos tirar daqui”.

“Eu posso falar com o Tio Pedro e ele tira vocês em dois segundos”, respondeu Lauter, agora sentado sobre um tronco, alisando a bola do adversário que jazia em seu quintal.

Júlio estremeceu. Sabia que Seu Pedro podia tirar ele e seus amigos dali a qualquer momento. Se não o fizesse pela força, algo improvável em se considerando o Seu Pedro, o faria falando com seus respectivos pais. Júlio e seus amigos teriam o jogo interrompido, perderiam a bola que haviam acabado de comprar e ainda levariam uma bela bronca ao chegar em casa – a ordem para que eles jamais fossem jogar no campinho ao lado da praça era explícita. Pôs-se, então, na defensiva:

“Não precisa exagerar, Lauter. Devolve a bola que a gente vai embora”.

Lauter coçou a cabeça, pensativo. Olhou para baixo e para os lados, como que procurando uma resposta. Nisso os outros caras da rua de baixo foram chegando, preocupados com a demora do pereba Júlio, que fazia quase dez minutos que tinha ido buscar a bola que chutara por cima do alambrado. Chegou um, chegou outro, e foram logo se postando ao lado e atrás de Júlio, numa formação quase que hierárquica.

“Devolve nossa bola, Lauter”, repetiu Júlio, meio resignado, com seu olhar de peixe morto. “Se você nos der ela agora a gente promete que vamos embora. Vamos jogar no nosso campinho, mesmo ele ficando a cinco quadras daqui”.

O pequeno Lauter (era minúsculo comparado aos caras da rua de cima), que brincava de pegar com um dos cachorros enquanto ouvia o apelo, estacou. Sentiu um misto de compaixão e pena dos adversários da outra rua. “Cinco quadras é realmente muito longe”, pensou. Fez mentalmente a conta de quanto tinha que andar quando precisava comprar agulhas para a avó, lá na avenida. Quatro quadras e pouco, e já achava uma eternidade.

“Vocês têm mesmo que andar seis quadras até chegar no seu campinho?”, perguntou, sem olhar para os outros.

Eles se entreolharam. Nunca tinham realmente contado, mas era praticamente consenso que andavam pelo menos cinco quadras até o seu campinho. O do lado da praça ficava a apenas uma rua da casa deles, e mesmo a ladeira que precisavam subir era menos desencorajadora que as cinco supostas quadras até o outro. Um deles, o mais tímido, que estava escondido atrás da galera, falou por detrás das lentes fundo de garrafa, numa voz quase inaudível:

“Uma vez eu contei... Dá oito quadras daqui até lá, mas aquela onde fica o armazém tem o dobro do tamanho das outras”.

Lauter fechou os olhos e suspirou. Oito quadras. Era o que precisava andar para chegar até a casa da Tia Paula, irmã da sua mãe. Adorava ir até lá, mas quando o pai não estava em casa e tinham de ir à pé pensava em desistir. Só os bolinhos de chuva que a tia fazia conseguiam convencê-lo de sair de casa e camelar um sem-fim de ruas até aquilo que seu irmão Beto chamava de “casa dos doces”. Já os caras da rua de baixo tinham que andar essa distância todos os dias só para jogar bola. Nem uma bomba de chocolate sequer os esperava no destino. Refletiu por um tempo olhando fixamente para cada olhar sombrio que os inimigos lhe lançavam para então dizer:

“Querem saber do quê mais? Se o Seu Pedro falou, tá falado. Vão jogar no campo de vocês, fique ele onde ficar”. E então chutou a bola dos caras da rua de baixo o mais forte que pôde para o alto. Todos acompanhavam com os olhos enquanto ela subia. Um deixou escapar um grito, meio de raiva, meio de desespero. Parece ter calculado o trajeto da bola com ela ainda no ar: quando a viagem terminou, ela caprichosamente caiu sobre uma cerca viva abarrotada de espinhos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Perfil

Oi, meu nome é Enciso. Enciso de Almeida Prado. Dizem que é um nome meio indígena, daqueles paraguaios ou bolivianos, mas não. Foi meu pai quem escolheu, e definitivamente não foi por este motivo. É que o velho sempre foi daquele tipo faz-tudo, que ataca em todas as frentes, de construção civil à gerência de lanchonete, sem distinção. Ele topa qualquer parada. E olha que quando eu digo "qualquer parada" é qualquer parada mesmo! Além das profissões já citadas, ele foi jogador de futebol, assistente de palco, motorista de caminhão, barman, vendedor de cosméticos, pastor evangélico, torneiro mecânico, guia de turismo e dentista. Isso se eu não esqueci de alguma coisa.

Para nós, a família, essas mudanças sempre foram uma grande diversão. A cada profissão que papai tinha, ele assumia uma personalidade diferente. Já foi extremamente coletivista a ponto de dividir a renda da família em partes iguais e dar uma porção para cada um, na época da tornearia; malandro-agulha, daqueles que sai no sábado para comprar cigarro e só volta segunda-feira, quando foi jogador profissional; um metrossexual à la David Beckham na época que trabalhava na Avon; e barrigudo beberrão, quando dirigia sua carreta Brasil afora. Só foi ruim quando ele resolveu ser pastor: além de não levar nada de interessante para casa (os pais sempre levam sobras divertidas do trabalho para os filhos), ele falava mais alto que camelô de praia.

Fato é que papai tinha a estranha mania de dar nomes temáticos à prole. Dá para saber em que profissão ele estava quando do nascimento de cada filho só pelos nomes. Por exemplo: Pelé nasceu quando papai era o ponta-esquerda do União São João de Araras; Martini, a mais velha, é de quando o velho era barman na orla de Fortaleza; Senegal é da época de guia turístico, porque foi ele quem criou a rota Brasil-África para a PorecaTur; Dejair nasceu quando papá era caminhoneiro; e assim por diante.

Quanto mamãe teve a mim e a meus irmãos (somos quadrigêmeos), o velho estava dando uma de dentista. Foi esse o nosso azar. Quer dizer, azar de meus irmãos, pois eu sou chamado pelo comum e banal nome de Enciso. Sim, além de mim temos o Preciso, o Conciso e o Canino. A este, coitado, papai sempre se desculpa dizendo "perdão, meu filho, por ter me esquecido do histórico Narciso naquele dia".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Festa no Paulo

Suzana entrou na sala escura e foi logo se abancando. Puxou para si um bloquinho e pôs-se a anotar. Era seu maior defeito, o de escrever compulsivamente. Não podia ficar um instante sequer sentada sem que estivesse rabiscando alguma coisa. Coisas sem sentido, palavras apenas, às vezes desenhos; só pelo prazer de rabiscar. Tinha uma coleção de canetas vazias em casa (especula-se que seja esse o seu vício, e não o de escrever por escrever).

Num palco improvisado mais à frente um palestrante falava. "Devemos cuidar da nossa mata ciliar! Sem ela nossos rios irão secar, faltará alimentos e...", bradava ele ao microfone. Era um homem alto, pesado, e suava muito enquanto percorria de um lado a outro da sala. Tudo o que falava, Suzana ia anotando. Não perdia uma palavra. Tal era seu costume que conseguia conversar enquanto transcrevia as falas do orador:

- Você vai hoje na festa do Paulo? – Perguntou à amiga que estava sentada na fileira da frente.
- O quê? – A outra respondeu, aturdida, parando de anotar o que ouvia.
- Eu perguntei se você vai na festa do Paulo, hoje à noite.
- Eu sei que você perguntou isso, Suzana. Só que saber se isso lá é coisa que se deva perguntar...

Suzana ficou sem entender. Até parou de escrever. "O que será que eu falei de errado", pensava. Tentou se lembrar se a amiga por acaso tinha tido um caso com Paulo e não queria mais vê-lo, mas nada lhe ocorreu. Suzana imaginou que a amiga devia estar ofendida e se arrependeu de ter perguntado, só não sabia ainda por que motivo. Meio constrangida, perguntou:

- O que é que tem eu perguntar se você vai na festa do Paulo?

A outra se virou irada e, antes de levantar e sair correndo sem pedir licenças, praticamente gritou:

- Você é uma besta. Uma besta!

A sala inteira se virou para ver o que tinha acontecido. Suzana apenas observou a amiga sair e se encolheu na cadeira. Todos a observavam, e ela não sabia o que fazer. Apertou contra si o bloquinho, envergonhada. Juntou suas coisas e levantou lentamente, como se aquilo a fizesse desaparecer. Tirou o cabelo de trás das orelhas de modo que lhe cobrissem o rosto e saiu. Do palco, o palestrante, que tinha se calado como todos na sala, seguiu com o seu falatório.

Já no claro do corredor, Suzana correu os olhos em volta procurando a amiga. Dizia, num sibilo quase inaudível, "Rô! Roberta! Rô, cadê você, Rô?", mas ninguém respondeu. Seguiu resignada até o toalete – tinha um princípio de lágrima saindo dos olhos e imaginou ter borrado a maquiagem. Pensava, de si para si, enquanto empurrava a porta do banheiro: "mas o que foi que eu fiz de errado? Eu nem sabia que ela e o Paulo se conheciam". Então entrou.

Quando ouviu a porta bater atrás de si e o sensor da luz finalmente captar sua movimentação, Suzana percebeu um vulto correndo em sua direção. Pensava ser Roberta, a amiga ofendida, deixando transparecer um acesso de fúria. Ia arrancar-lhe os cabelos. Cairiam no chão, emaranhadas, uma arranhando a outra onde desse. Gritou o mais alto que pôde:

- Socorro! Alguém me ajude, tem uma louca no banheiro.

Então ela caiu no chão. A outra tapou-lhe a boca e olhou fixo em seus olhos. Suzana viu o ódio impregnado naquele rosto febril. Imaginou-se morta, com a cabeça rachada de pancadas que a outra lhe daria – ou que pelo menos sairia dali com uma unha quebrada e uma saia rasgada. Roberta finalmente falou:

- Que bom que você chegou lá, amiga! Já não agüentava mais aquele palestrante chato. Queria sair daquela sala a todo custa. Não podia sair de fininho, porque ele tira sarro de quem faz isso. Uma outra moça saiu e ele a chamou lá na frente, no palco.

As duas então se abraçaram, chorando. Uma de nervoso, a outra de felicidade. Acharam graça daquilo tudo e de noite foram à casa do Paulo, juntas.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

E isso ainda foi pouco (bônus track)

E mais uma vez fui dormir no sofá. Júlia ainda gritava como uma maluca no quarto, talvez ela não tenha idéia que os vizinhas costumem dormir às três da manhã. Era questão de tempo, até o Seu Almeida, o porteiro, subir e nos chamar atenção pelo barulho. Por sorte ele apenas pediu silêncio pelo interfone. Júlia, com seu vasto arsenal de palavrões e uma vontade incrível de querer me irritar foram implacáveis comigo. Mas hoje ela quis ir além, ela queria que eu concordasse com mais uma de suas idéias absurdas.

Usei a boa e velha tática de deixar ela brigando sozinha, só que a ingrata além de não deixar eu argumentar, ainda queria que eu ficasse olhando para ela. Eu estava cansado da semana toda no trabalho e agora com as aporrinhações de Júlia. Não sei o que passa na cabeça oca dela. Adotar uma criança é muito nobre, mas não estou disposto a travar uma batalha, digna de Hércules, para adotar uma criança. E ainda não acho que a criança vá se desenvolver, de maneira saudável com uma maluca dessas na mesma casa.

Ela já não berrava mais, não que tivesse parado de brigar comigo. Pelo contrário, só estava falando mais baixo. O discurso dela era meu velho conhecido, bateu um soninho maroto e eu, displicentemente virei o rosto, dando as costas para ela. Júlia explodiu em fúria, veio com tudo para cima de mim. Quando ela menos esperava, deu um chute na quina do sofá e esmagou o dedinho do pé. Nessa hora senti pena dela, qualquer um se rende quando bate o dedinho na quina do sofá. Por incrível que pareça, ela esqueceu da briga imediatamente. Claro que me aproveitei, para tentar recuperar meu lado da cama.

A peguei no colo, deitei na cama, passei gelol, no dedo dela e tentei acalma-la. Ela nem parecia mais aquela doida que queria me desossar vivo. Cuidei dela até que pegasse no sono, o que não demorou muito. Assim que percebi que ela dormia fui me aconchegando na cama. Puxei o edredon e finalmente iria dormir. Quando eu estava quase pegando no sono, sinto uma joelhada com força nas costas e ouço a voz raivosa da Júlia: - não é porque cuidou de mim que esqueci que você virou as costas para mim!

Puto da cara. Peguei me travesseiro e fui para o sofá. Como se não bastasse, fico sem sono, com dor nas costas e a lembrança da minha mãe me dizendo: - Essa Júlia não é mulher pra você não meu filho.

Lá do quarto ouço a voz ela falar mais alguma coisa que não entendo direito.
- Está doendo as costas?
- Está sim – repondo.
- E isso ainda foi pouco.

Fim

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Brigas

Quem olhava de fora via um trabalhador concentrado no serviço, mas a verdade é que ele passara a manhã inteira olhando para a tela de seu computador pensando nela. Via naquela profusão de cores e formas (sua proteção de tela chamava-se "psicodelia") o próprio vulto da mulher amada. Os cabelos esvoaçantes , os olhos cor de mel; dir-se-ia até que escutava sua voz delicada falando-lhe asneiras no ouvido. Ela, só ela.

Tinham brigado na noite anterior. Não uma briga qualquer, mas uma daquelas que culminam no fim de um relacionamento. Daquelas em que verdades que são ditas sem pensar, que machucam profundamente e causam uma ira incontrolável. Durante uma briga dessas, o amor, por mais antigo e sólido que pareça ser, simplesmente desaparece. Só o que fica é ódio e rancor. No dia seguinte tudo volta, claro, e para ambos, principalmente se é um amor verdadeiro – não se deixa de amar uma pessoa de um minuto para o outro. Esquece-se, sim, do amor por alguns instantes durante a briga, mas jamais para toda a vida. Aliás, quando se ama de verdade, ama-se para todo o sempre, mesmo que estejam cada qual do seu lado do globo e com seus respectivos (e novos) cônjuges. O amor é o mais puro e irracional dos sentimentos.

Ele foi expulso da casa dela sob os gritos de "vá; vá e não volte nunca mais, seu grande canalha", e nem teve tempo de se defender. Ou melhor: teve, mas não o fez. Arrependia-se, agora, de não ter respondido a ela no mesmo tom. Fora humilhado, escorraçado, botado para escanteio – e nada conseguiu fazer para evitar. Nem um grito, nem uma batida de porta. Deveria ter-lhe dito ao menos que a ama e que nada para ele é mais importante do que ela. "Mas um homem é extremamente vulnerável", completava em pensamento. "O instinto é mais forte do que qualquer caráter. O ser humano é, acima de tudo, um animal. Sua racionalidade está justamente em conseguir controlar alguns instintos". Alguns.

"Vou ligar para ela", disse de si para si. Mas ligar a essa hora, conjeturou, era rebaixar-se á mais ultrajante humildade a que um homem pode chegar. Ela tinha razão de fazer o que fez, apesar de tudo. Ele errou e, por mais que não fosse totalmente culpado, deveria manter-se firme para não dar a razão de mão beijada a uma fêmea. A um homem que deseja ter uma mulher jamais é concedido o direto da humildade. Ele precisa ser convicto, durão, senão elas tomam conta. Não que isso seja totalmente ruim, mas uma mulher que tem o controle da situação logo perde o interesse. Balzac disse que a duração da paixão de um homem é proporcional à resistência oferecida pela mulher, então o contrário também deveria valer.

Voltou para casa confuso. Queria lhe telefonar, mas a conhecia muito bem para saber que certamente ainda estaria de cabeça quente. Seria novamente humilhado, ao gritos, e mais uma vez sequer conseguiria se fazer ouvir. Pensou, acendendo um charuto, que é preciso saber a hora certa de interpelar uma mulher ofendida. "Há um momento exato entre a ira quase nuclear e a resignação, que bem pode durar milésimos de segundo como décadas – só depende apenas do amor que um sente pelo outro", concluiu. Sentou-se, anda fumando, e decidiu esperar. Esperaria o tempo que fosse preciso. Tinha tempo.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Suicidio

Outro dia tomei a decisão mais radical da minha vida: me matar.

Tudo começou num domingo qualquer. Acordei e não conseguia nem abrir os olhos; a cabeça doía tanto que parecia ter uma bateria do Olodum alojada dentro do meu cérebro. As batucadas eram desordenadas e intensas feito ensaio no Pelourinho, e atingiam principalmente os lados e a frente do crânio. Seguiam no ritmo do coração, que por sua vez já começava a dar sinais de que não suportaria um dia inteiro trabalhando naquela pressão. Eu sentia os dedos das mão tremerem com a força da pulsação. O sangue parecia estar grosso e pesado como calda de chocolate. A essa hora, 20 segundos depois de acordar, eu já tinha entrado em pânico.

Tentei articular algumas palavras para reclamar da vida; não deu. A língua estava grudada no céu da boca, os dentes amarrados como se eu mordesse uma bala de caramelo. Senti como se tivesse passado a noite comendo um novelo de lã. Quando a língua finalmente se desprendeu, senti literalmente o gosto amargo da derrota. Parece que aquela mistura ar com boca e com ressaca provoca reações químicas únicas que criam o pior aroma possível de ser produzido por um ser humano. Senti nojo, asco de mim próprio.

Levantei, com muito custo, e fui até o banheiro. Ainda tinha os olhos fechados quando abri a torneira, lavei as mãos e joguei água no rosto. Foi como se Deus, o Pai todo-poderoso, tivesse me dado um tapa e dito "toma!", tal qual um Capo da máfia italiana faz no filho quando este vai preso. Senti meu mundo girar, e definitivamente não era o efeito da bebida. Sentei-me na privada de frente para o espelho e, encarando meus próprios olhos, pus-me a pensar. Eu olhava em volta absorto, perdido, aturdido. Nunca tinha me ocorrido uma crise existencial como aquela. Minhas perguntas iam além da clássica "qual o sentido da vida". Eu queria saber mais. Queria saber o porquê das coisas. Queria saber como tudo tinha chegado àquele ponto.

Foi tudo culpa do gin, concluí. Sabe-se que a bebida que o cara toma molda-lhe o caráter, e o gin é a pior delas. O da cerveja é sempre o falastrão; o que toma whisky, o das tiradas inteligentes; vinho, romântico; conhaque, introspectivo. Mas com o gin não se tem uma definição precisa. Quem bebe gin se sente seguro sempre, em qualquer situação, porém não sai por aí se gabando. O bebedor de gin é aquele cara que está sempre quieto, mas quando é exigido tem a resposta na ponta da língua. Não faz piadas e não ri das piadas, só que nem por isso é esquecido pela turma. O bebedor de gin é importante nos momentos de filosofia. Ele é o sábio, o "professor". E eu era o bebedor de gin da minha turma.

Certamente naquela manhã eu ainda estava sob os efeitos do gin. Tive um momento de reflexão que talvez jamais tivesse numa situação normal. Pensei "puxa, sou um cara de quase 50 anos, solteirão, com um bom emprego, uma boa casa, o carro do ano... Mas e daí?" Eu queria descobrir para quê tudo aquilo estava na minha vida. Quando eu morresse, oras, tudo iria para o lixo. Todos os meus anos de faculdade, pós-graduação, mestrado e tudo mais iam parar a sete palmos abaixo do chão, como se nunca tivessem existido. Todos os meus romances, minhas viagens, meus gols pelo campeonato do clube: pó, tudo pó. Abri a gaveta e peguei minha pistola.

Ah, a boa e velha Taurus. Nunca me decepcionou. Sempre esteve a postos quando precisei dela. Cabo cromado, semi-automática; a melhor da categoria. Bastava uma bala entre os olhos para resolver ali mesmo, no banheiro, aquela dúvida que me atormentava. Tudo ia acabar como começou: no escuro. Apagar-se-iam luzes, sol, estrelas, pessoas, carros, prédio, contas, TV, minhas garrafas de gin. Tudo. Eu ia para sempre viver no breu, sem precisar pensar em mais nada. Serviria apenas de comida para os vermes subterrâneos, e esta era minha eternidade. Um tiro e puf! Acabou, it's over, fine! Recuperaria, finalmente, a minha inexistência de volta.

Pus a arma na frente dos olhos; queria ter como última visão a bala saindo do cano, por mais que nunca mais fosse me lembrar daquilo. Não preparei nada, não avisei ninguém, não troquei de roupa, nada. Nem carta de despedida fiz. Aliás, sequer saí do banheiro naquela manhã. Apenas me certifiquei de que a bala atingiria bem no meio do hipotálamo e me causaria uma indolor e instantânea morte cerebral. Respirei fundo e percebi que estava menos nervoso do que imaginei que ficaria. Talvez a consciência de que estaria livrando o mundo de um fardo me acalmou. Então puxei o gatilho. Não, não vi a bala sair. Não deu tempo. Num instante ela estava na arma, no outro, devidamente alojada bem no centro do meu crânio. O rosto devia estar esfacelado e o sangue jorrando pelo banheiro inteiro, mas não tive tempo de conferir. Ao contrário do que imaginei, tudo ficou branco como sala de hospital. E eu definitivamente não estava no hospital.

Morri, sim, mas, apesar da minha torcido, não acabou. Esta é a maior frustração de um suicida: morrer e continuar naquela existência castigante. Quando tive coragem de reabrir os olhos vi dezenas, centenas de outras pessoas ao meu redor e pensei "meu deus, onde será que eu estou?". Ele mesmo me respondeu: "no céu, meu filho. No céu". Uau! No céu, e logo eu... Ó tamanha desgraça. Queria ser desligado, apagar, off; e não estar no céu, ouvindo harpas e observando anjos sem sexo. Só que foi isso o que aconteceu. Agora estou aqui, numa imensidão branca, cercado de pessoas exatamente iguais àquelas que eu já tinha conhecido. E, como se não bastasse, divulgando esta minha história através de um escritorzinho barato.

Bem, foi o único cérebro que consegui penetrar – o do João Ubaldo já estava devidamente ocupado.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ligação

Já se passava das dez quando ela ligou. Ele viu o nome no visor e nem acreditou. Atendeu.

- Alo? – disse ela vivamente.

Ele fez silêncio. Não sabia o que responder. Era só dizer alo, pensou, mas nem isso foi capaz. Finalmente, com a voz um tanto quanto trêmula, respondeu:

- O-oi. Como vai?

Por alguns instantes a conversa ficou suspensa no ar. Ele olhava as árvores, depois os carros, depois os prédios. Sorria. Lembrou-se de quantas vezes já tinham se falado ao telefone: até aquele dia, apenas uma, e só porque ele atendera o celular de um amigo numa tarde qualquer.

- E aí, ‘tudinho? – ela perguntou. Ele se sentiu ignorado, mas desta vez relevou. Era muito importante se manter concentrado.

- Tudo, e com você?

O papo não prosseguiu. Talvez ela estivesse esperando que ele perguntasse alguma coisa, pensou. Mas o quê? Quase não se encontravam; não tinham assuntos em comum. Ele pensou em perguntar da família, mas julgou um pouco intrometido demais. Pensou em falar do Paulinho, o ex-namorado dela, mas isso seria um afronte aos seus planos de conquistá-la. Decidiu por algo mais protocolar:

- O que vai fazer no fim de semana?

Que burro! Burro! Burro! Ele se penitenciava por dentro. Que burro! Certamente ela pensaria que seria convidada para sair. Não podia ser assim tão direto; ela se sentiria dona da situação. Mas e já não era?

O silêncio era aterrorizante. Ela fazia isso de propósito? Fazê-lo esperar, assim, sem saber o que acontecia do outro lado. Isto o deixava com o coração em frangalhos.

- Oi, desculpe. Eu me distraí aqui. O que foi mesmo que você disse?

Um misto de indignação e alívio o atingiu por dentro. Por sorte ela não escutara a pergunta anterior, mas por outro lado também não lhe dedicava atenção exclusiva. Quer dizer, ela é que tinha ligado; deveria prestar atenção. Aliás, foi por que mesmo que ela ligou?

- Escuta: o que você vai fazer no fim de semana? – ela perguntou.

Ela perguntou. O que você vai fazer no fim de semana? Ela perguntou. Ela. Para ele. O coração disparou. O que ele iria fazer no fim de semana? Será que ela queria ir ao cinema? Ou então passear no parque... O que você via fazer no fim de semana?

- Ei, está me escutando? – insistiu ela.

- Sim! Quer dizer... O que eu vou fazer no fim de semana? Não sei. Não sei! [...] Você tem alguma coisa para me
oferecer?

Outra vez ele se penitenciou por escolher as palavras erradas. “Você tem alguma coisa para me oferecer”. Isso lá é coisa que se fale para uma menina? Ainda mais uma menina que lhe povoava os sonhos todas as noites? Desta vez, pensou ele, ela desliga o telefone na minha cara.

- Sim! – ela falou – Tem uma festa assim assim lá na casa da Pati Vamos?

Ele não acreditou no que ouvira. Estava sendo convidado pelo grande amor da sua vida para ir numa festa na casa da Pati. Era muito para seu coração. Sentou ali mesmo, na calçada, e respirou fundo. Tomou fôlego e disse:

- Você sabe com quem está falando?

- Não é Fulano?

- Não! É Sicrano!

E então ela desligou. Nem se prezou a dizer “tchau”.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ídolos

Outro dia me perguntaram se já assisti o programa Ídolos. Já assisti algumas vezes, mas na primeira temporada. Comentar sobre os casos engraçados que acontecem no programa. Como o sujeito que depois que terminou de cantar, respondeu a um dos jurados que quem o incentivou a cantar foi o pessoal do prédio onde ele era porteiro. O jurado esculachou o sujeito, aconselhou-o a parar de cantar antes que perdesse o emprego.

Outro caso que merece atenção, foi o de um outro participante, jardineiro, que estava lá porque a sua patroa disse que ele cantava muito bem. Um dos jurados disse que aprovaria o candidato para a próxima fase do programa, desde que ele prometesse cantar no trabalho da hora que ele chegasse até a hora de ir embora a mesma música que cantou no programa. Sem falar nos candidatos que cantam errado, cantam com sotaque e os que não cantam nada e só estão lá por farra mesmo.

O Ídolos não é um primor de programa, mas eles dizem que estão procurando um ídolo da música. Um ídolo pop. Estranho não? A proposta deles é de encontrar um pessoa normal (não-famoso ainda) e vão impor-lhe a pecha de ídolo. É igual quando você resolve fazer seu perfil no orkut, quando termina de colocar suas descrições e preferências, vê que tem zero amigos, mas já tem orkut. No caso do sortudo vencedor do Ídolos, começa com zero fãs, mas é ídolo.

Indo um pouquinho além, fico pensando como seria se músicos que fazem sucesso tivessem que passar pelo teste do programa. E seria como um exame da OAB, quem fosse aprovado no Ídolos poderia seguir na carreira, caso contrário teria que fazer outra coisa. Imaginem o ex-vocalista do Los Hermanos Marcelo Camelo, agora pensem nele entrando para o teste. Um sujeito com aquela barba esquisitona, camisa xadrez e All Star velho. Quando começasse a cantar, com seu jeito acanhado e pouco a vontade por estar sendo julgado como num vestibular. Ficaria sem jeito, e ouviria aquele jurado barbudo dizendo: - Você não canta não velho. Meu voto é não. – E assim Marcelo camelo daria adeus a sua carreira na música brasileira.

Pensem agora, mas com um pouquinho de boa vontade, em Chico Buarque. Ele que entende da alma feminina, um cara politizado, pegador e tudo mais. Ele todo a vontade para seu teste. O jurados esperando ele se apresentar e ele manda ver um de seus sucessos, quando de repente um dos jurados diz: - olha seu Chico, você é muito boa pinta, sua letra é muito boa e fica a vontade no palco. Mas com essa sua voz não vai dar não. Eu voto não. – Pronto agora nem que voltasse disfarçado e com o pseudônimo de Julinho de Adelaide, não cantaria mais.

Então chega a vez de um rapaz, que é a cara do programa. Um cara descolado, moderno, que dança, canta e escreve as próprias letras. Latino, sim ele mesmo o autor de Renata Ingrata e Festa no AP. Chegaria no seu teste falando alto, sorridente e bem a vontade.
- Vai cantar o quê pra gente, Latino? - pergunta o jurado.
- Vou de Amigo fura olho. – de pronto responde o cantor.
- Então canta pra gente ver.
E ele canta, dança, faz umas coisas engraçadas e outras estranhas (tipo a bombadinha no chão) e é aprovado. Outros grandes ícones da música brasileira seriam Cláudia Leite, P. O. Box (diz que vai me ensinar/ então diga como é), Tati Quebra Barraco e outros talentos que cantam dançam e representam.

Fim

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Futebol arte

Hoje tem jogo do Brasil, quero mandar um alô para os que falam que o futebol argentino é o melhor do mundo. Se é melhor que o brasileiro é discutível, mas que eles proporcionaram o maior mico do ano não resta dúvidas. Que diga o argentino Fabián Espíndola, o craque, o ícone, o gênio ou simplismente o sujeito que marcou um gol, correu para comemorar, deu uma pirueta, caiu e quebrou a perna. Mas como nem tudo é perfeito nesse mundo, juizão anulou o tento do gaudério.

Parabéns campeão!

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Guerra insípida

Era uma quinta-feira, mas isso não é importante. Tanto faz o dia ou a hora.

Estávamos em dois, Neide e eu. Neide era a garota com quem eu tinha viajado para um congresso na Bolívia. Namorávamos. Não era muito bonita, a Neide, mas nos dávamos bem. Muito divertida, ela.

Enfim, estávamos nós andando pelo centro da cidade. Tudo estava escuro, exceto pelos faróis dos automóveis que cruzavam a avenida logo em frente. Estávamos no Centro Histórico, e desde 1984 era proibido o tráfego de carros e motocicletas por ali. Somente carroças à boi e bicicletas eram permitidas.

Quando nos preparávamos, eu e Neide, para entrar num boteco de esquina, deu-se a explosão. Não uma explosão qualquer: fora um estrondo que certamente ecoaria por muitos quilômetros antes de se dissipar. Olhamos em volta à procura de uma origem para aquele barulho, mas não havia nada. Nem um clarão, nem um fumacê. Fora um barulhão e pronto.

As pessoas saíram rapidamente às janelas, preocupadas. Muitas luzes se acendiam e o murmurinho só aumentava. Alguns moradores dos pequenos edifícios da região saíam às ruas de pantufas e pijamas, procurando em vão a origem daquele som ensurdecedor. Um respeitado comerciante tomou para si as rédeas da situação: "precisamos descobrir de onde veio este som – isso certamente é uma bomba, e das grandes; pode vir a ser perigoso para nós, minha gente". E completou dizendo "pode até ser uma guerra".

Aquela palavra ecoou pelas estreitas vielas do Centro Histórico como um foguete. Guerra – ouvia-se aqui e ali as pessoas comentando que os venezuelanos ou os americanos finalmente atacaram. Uma senhora entrou em pânico ao saber da situação. Lamuriava, com desespero, que seu filho há pouco havia voltado do exército e que uma guerra certamente o tiraria dos seus braços para todo o sempre. Eu e Neide nos olhamos sem saber bem o que pensar, estupefatos com a dimensão que aquele caso tinha atingido em tão pouco tempo. Nem a notícia da morte do Ayrton Senna tinha se espalhado com tanta rapidez.

Antes que pudéssemos ter qualquer reação, o povo já se amontoava ao nosso redor. Todos queriam ver de perto o respeitável comerciante, que agora parlamentava com alguns colegas de cima de um muro. Pedia a eles caixas de som e microfone, além de que avisassem sua esposa para que lhe mandasse o terno. Passado um tepo, virou-se para a platéia, que agora já era multidão e se amontoava sobre as bancas de jornal, e disse: "povo da minha terra, vocês querem sair derrotados deste combate?" E a galera respondia, uníssono e vibrante: "não!" A guerra estava declarada, sem nem antes se saber contra quem.

As caixas de som chegaram. A estrutura fora montada ali mesmo, às pressas, puxando a luz da peixaria e acomodando o microfone sobre umas caixas de madeira que jaziam num canto qualquer da rua de baixo. Dois capangas seguravam as caixas de som na mão porque o fio não era comprido o suficiente. Quando o comerciante apareceu, já de terno, a platéia silenciou. Ele se postou diante do microfone, ajeitou a gravata e disse: "antes de tudo, minha gente, precisamos definir batalhões. Você vai para lá; você vem para cá..."

Ficamos separados, eu e Neide. Ela foi designada para o Pelotão da Casa Rosa, comandado pelo experiente Mário do açougue. Eles tinham a dura missão de vistoriar a Rua da Piedade, longínquas três quadras dali. A mim restou seguir a comandante Joana Cruz, autodenominada Cacique Jaci, na varredura pela região norte do Centro Histórico. Seguiríamos esgueirados sob os toldos, seguindo as ordens da Cacique Jaci.

Estávamos cruzando a rua Baraçal quando se deu a surpresa: num canto, próximo do lixo, três crianças agachadas riam e mexiam em alguma coisa. Todo pelotão parou para ver o que aconteceria. Então os três garotos correram, recostaram à parede e taparam os ouvidos. Bum! Uma bomba acabava de explodir um lata.

O eco produzido ali, com aqueles pequenos prédios muito colados um ao outro, tornou o barulho completamente ensurdecedor. O mesmo barulho ouvido havia pouco menos de quinze minutos.

O exército se dissipou e todos voltaram às suas casas, cabisbaixos. Eu e Neide inclusive.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O campeão

Foi do interior de Minas Gerais – Alfenas, para ser mais específico – que trouxeram o grande campeão. Ninguém duvidara, desde seu nascimento, da sua pinta de vencedor. Já nasceu alto e forte, com uns braços afilados, porém torneados, e peitoral desenvolvido. Tinha desde cedo como marca registrada a grande facilidade com que criava e mantinha músculos e, apesar disso, também apresentava surpreendente agilidade.

Antes que completasse três anos, já tinha um completo programa de treinos: corrida pela manhã e natação ao final de cada tarde. E os melhores treinadores, aliás. Nada muito intenso; mais para criar-lhe uma rotina e acostumá-lo ao cotidiano de campeão desde pequeno. Sua alimentação também era especial, com alguns dos mais bem tratados cereais do país servidos logo ao amanhecer. Mimavam-no, por certo, mas com o único objetivo de fazer dele o maior vencedor de todos os tempos.

Quando seu porte se tornou condizente, deram-lhe o carinhoso apelido de Tyson, uma visível "homenagem" ao histórico lutador. Sim, o campeão cresceu e se tornou tão agressivo quanto o boxeador americano – e isso, ao mesmo tempo que animava, preocupava os treinadores. Tyson, o brasileiro, não seria um papa-títulos se continuasse nervoso daquele jeito, apesar de aquilo lhe dar uma competitividade nunca antes vista. Foi preciso enviá-lo para um tratamento específico contra essa agressividade.

Foram cinco longos meses de psicologia. Uma eternidade, considerando que Tyson já estava em tempos de competir. Fizeram-no uma lavagem cerebral completa. Enviaram-no para os mais floridos e silenciosos campos de recuperação do país, a fim de que finalmente encontrasse a paz de espírito. Para ajudar, mandaram-no junto as mais belas e pacíficas fêmeas que se tinha notícia – tudo para livrar-lhe da mente quaisquer preocupações. Ao fim do tratamento, Tyson se tornou um ser mais calmo de que qualquer monge tibetano.

Tempos depois, enfim, chegou o grande dia: uma final Olímpica. Tyson já havia vencido toda competição que entrara até então, mas uma final olímpica é a consagração para qualquer um. Perante as 93 mil presentes no estádio e outros tantos bilhões de telespectadores, Tyson não se abalou. Não piscava nem demonstrava qualquer nervosismo – dir-se-ia relaxando, não fosse as dancinhas que fazia para chamar a atenção do público. Tinha certeza de que venceria. Os outros competidores, todos consagrados e quase tão excelentes quanto, olhavam-no como um grande ídolo, o imperador bizantino a ser batido, aquele que já havia faturado tudo nos últimos três anos e que certamente levaria aquela também. Os outros se limitavam a lutar pelo segundo lugar, policiando-se para não se distraírem durante a prova com a presença do multicampeão.

Antes da prova, Tyson curtia sua glória. Sorria, coisa que nenhum outro concorrente ousava fazer. A vitória e a consagração completa eram questão de tempo. Então ouviu-se o tiro. Da largada ao fim, tudo como tinha de ser: Tyson dominou a prova do começo à linha de chegada, e terminou em primeiro lugar muito a frente dos outros competidores, num tempo jamais imaginado por qualquer profissional do esporte. Seus treinadores finalmente caíram em lágrimas, satisfeitos com o trabalho que fizeram; o estádio inteiro se tomou em aplausos, em pé; as câmeras do mundo inteiro não lhe tiravam o foco. Tyson, aos sete anos de idade e no auge da forma física, tornou-se o maior campeão da história olímpica na prova de Eventing individual. Um verdadeiro fenômeno.

Tyson, agora o maior cavalo da história. O maior vencedor da provas de salto, dressage e eventing de todos os tempos. Não havia prêmio eqüestre que ele não levasse.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Sobre duelos e camaradagem

João era o sarrista da turma, tudo era motivo para suas piadas de duplo sentido. Raramente alguém ficava do seu lado sem dar risada com suas histórias e situações engraçadas em que se metia. Era querido por todos. Seu companheiro Roberto era tão ou mais fanfarrão que João. Este sim o capeta em forma de guri, ia além das piadas. Tinha em João seu fiel companheiro para pregar suas peças.

Qualquer um da turma era um alvo em potencial, desde piadinhas sobre a falta de cabelo do Marcos, das bochechas salientes do Regis ou dos porres que a galera tomava nas festas e churrascos. Os dois tinham uma competição engraçada entre eles, que rendia risadas aos amigos. Quando saiam juntos, quem desse um beijo na garota mais feia, ganhava um lanche (geralmente um cachorro quente na volta da festa) do “perdedor”.

Mesmo quando João se mudou para um bairro do outro lado da cidade, era comum ele visitar a galera. Vez ou outra dormia na casa de alguém, mas nunca perdeu o contato. A amizade entre João e Roberto era forte e fazia bem para os demais. Sempre se ajudavam com os problemas de faculdade, amores, angustias e essas coisas. Porém essa amizade um dia foi colocada a prova. Roberto começou a namorar. Jéssica a ruivinha que morava no mesmo bairro, mas nunca se “misturou” com a galera.

Jéssica era de longe a mais bonita do bairro, ruiva, cabelo curto, rostinho bonito, sorriso cativante e um jeito de andar que parecia flutuar. Ninguém sabia como e nem Roberto também não disse como começaram a namorar. Mas o fato é que o fanfarrão da turma estava ficando ausente dos encontros da galera. Na churrasco de aniversário de João, o casal estava lá, mas Roberto agia como se estivesse recém conhecendo a galera, com quem ele cresceu.

A galera toda sabia que era coisa da ruiva malvada. Não demorou muito Roberto se afastara da turma, só se via ele com a namorada. Nem no futebol de quinta ele ia mais. Ele até foi umas duas vezes, a ruiva maligna conseguiu privar ele do esporte bretão. Todos diziam que Roberto tinha virado um mané. E de fato ele mudou muito. Mas para a tristeza de Roberto e alívio da galera, depois de quatro meses de afastamento, o namoro acabou. Roberto voltou a fazer parte da turma, era tudo como antes. Mas João não aceitava o fato de o amigo ter mudado tanto quando estava namorando a ruiva destruidora de amizades.

Até que, numa festa estavam lá a turma toda e a ruiva Jéssica com suas amigas. Não houve clima de hostilidades, mas Roberto e a turma não se sentiam a vontade quando se aproximavam de Jéssica. A festa foi rolando e quando ninguém esperava, a ruiva foi até João e deu um beijo, sem que ele conseguisse reagir ou evitar. Roberto e a turma viram aquilo e ficaram bolados, ainda mais quando Jéssica disse: - Me liga a noite.- era um blefe, mas Roberto não engoliu aquilo. Era o fim da amizade deles.

Anos se passaram e o orgulho de João, que não aceitava culpa daquilo e ainda mais por seu amigo Roberto não acreditar nele. E a raiva que Roberto sentiu do seu amigo, em não evitar a bitoca da ruiva. A verdade é que João já tinha dado uns tchuplec-tchuplins na Jéssica, mas antes do namoro dela com Roberto. E esse segredo corroia Roberto por dentro. Os anos se passaram e os dois nunca mais se falaram, a turma teve que se acostumar a sair com um ou com outro.

Muito tempo depois, o tempo curou as feridas e quis o destino que eles se encontrassem num balcão de bar. Roberto fez questão de mostrar que tinha superado o segredo do amigo com a ruiva e disse alto, para que todos no bar ouvissem:
- João seu viado! Escolha as armas.
- Conhaque!- respondeu o velho amigo.
E beberam até cair e João levou Roberto arrastado para casa.

Fim

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Carta aos poucos leitores

Caríssimos,

Venho, por meio desta, avisá-los do meu afastamento deste famigerado blog por tempo indeterminado. Só não garanto minha ausência por inteiro porque nada na minha vida é muito concreto; o que mais gosto de fazer é contrariar minhas próprias convicções. Volto em breve, provavelmente mais consciente da minha condição de quase-formado.

Parto para uma dura missão: terminar o maldito TCC. Preciso fazer crônicas e mais crônica para meu livro, e é fundamental que elas sejam completamente inéditas – fato que me impede de postá-las no blog. Sei que é uma decisão duríssima, cruel até, mas é só assim que eu funciono. Sem pressão não consigo ir em frente. Tive o ano inteiro para fazer isso, mas só agora, faltando pouco menos de três semanas para o fim do prazo, que decidi levar a sério esta empreitada.

Ok, nem tão a sério assim, mas juro que farei um esforço para tirar pelo menos 7 pontos e passar por média.

Quem é leitor assíduo, que não são muitos mas são fiéis, pode continuar a freqüentar o Dois Copos: além do Kibe (quem sabe ele volte a escrever em breve), pode ser que eu bote um conto ou outro para distrair o pessoal. Aos visitantes rotativos só peço que voltem depois do dia 12 de outubro que já estarei na ativa novamente.

Um beijo, um abraço e um aperto de mão. E me desejem sorte.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A inutilidade das placas de aviso

Existem algumas coisas em ambiente públicos que são tão inúteis que servem mais como objeto de decoração do que como informação propriamente dita. E por essa decoração entenda não como aquela coisa feita para deixar um espaço mais bonito – até porque isso seria de extremo mal gosto –, mas sim um adorno criado para caracterizar determinado local. Algo até certo ponto desnecessários, mas por outro lado também indispensáveis.

Explico: imagine uma praça sem as indefectíveis placas de "não pise na grama"? Seria loucura, insensatez. Toda praça precisa de uma placa de avisando aos seus freqüentadores que eles não devem pisar na grama, senão ela não é uma praça. Pode ser considerado um jardim no meio da cidade, se for pequena, ou até um parque, se for maior, mas nunca uma praça. Uma praça precisa de placas dizendo para ninguém pisar na grama.

E agora pense: que diferença faz aquela placa a não ser pelo fato de transformar um jardinete qualquer numa praça pública? Para aquelas pessoas que ainda mantém sentimentos cívicos, éticos e morais ela chega a ser constrangedora, já que eles jamais pisariam numa grama de praça – nem para buscar o frisbee que o labrador não pegou. Já para os que deixam os escrúpulos em casa na hora de passear a placa vira um simples encosto para praticar a siesta. Eles pisariam naquela grama mesmo se ela fosse propriedade do governo norte-americano.

Outra coisa absurda são aquelas placas de banheiro. "Não jogue papel no vaso", "puxe a descarga", "duas folhas são suficientes para deixar a mão seca". Desnecessário. Tudo retórica, palavreado solto que não atinge ninguém. Pessoas educadas não deixam de puxar a descarga nunca, de jeito nenhum E para os mal-educados isso tanto fez como tanto faz. Eles urinam onde querem, abaixam a tampa se bem entenderem e o escambau. Só que um banheiro público nunca será um banheiro público se não tiverem esses avisos.

Dizem que no Congresso Nacional também tem algumas placas, entre elas uma que diz "não roubarás". Mas sabe como é... Espaço público, retórica pura. Ninguém segue os mandamentos.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Os donos da lua

Sou de uma geração que teve a sorte de crescer lendo os gibis da Turma da Mônica. Eles já existem desde os anos 70, é verdade, mas é inegável que o auge da turminha foi no começo da década de 90. Foi nessa época que todas as melhores histórias da trupe foram criadas, tanto que os almanaques de hoje em dia são meras reedições das revistas desse tempo. Quem com seus 20 anos que não se lembra daquela vez em que o Rolo virou dark? Ou então quando a Mônica viajou para a casa dos avós com e o Cebolinha, depois de ter gozado os louros de assumir a "gerência" da rua, se viu inconsolável sem a presença da amiguinha (e maior inimiga)? Maurício de Souza e suas confusões psicanalíticas.

O fato é que a Turma da Mônica é uma marcante influência para quem foi viu o tetra vestido de seleção da cabeça aos pés (os adultos fazem isso com as crianças). O sonho de todo guri curitibano naquela época era visitar a casa do Louco, no Parque da Mônica, e se perder nos labirintos daqueles brinquedos. Até criaram uma filial aqui, no saudoso Estação Plaza Show, mas não era a mesma coisa. Nas revistinhas tinha aquele robô que até hoje tenho vontade de conhecer. Só que o maior exemplo da influência da Turma nos adultos de hoje está no trânsito. Sim, pasme!, no trânsito..

Basta fazer as contas: todos os filhos dos anos 80 são os adultos de hoje. Aqueles mesmos, que cresceram lendo Cascão, Cebolinha, Magali e Chico Bento, estão todos em idade de dirigir e, portanto, infestando os logradouros públicos com seus malditos carros poluidores. Mas o que as bondosas e inofensivas revistinhas têm que ver com isso? É que tal como a Mônica, aquele baixinha, dentuça e golducha, esses neo-motoristas se sentem os verdadeiros donos da rua – e ai de quem disser o contrário.

Explico. Imagine-se numa via rápida. Tudo flui normalmente – e normalmente, aqui, é os carros andando a 50 km/h. Eis que lá na frente um ônibus escolar dá sinais de que vai parar. E ônibus escolar já sabe: não importa se é BR, Marechal Floriano ou beco sem saída; eles param mesmo. Você, esperto que é, dá uma de pró-ativo e sai logo para a pista da esquerda. Centenas de metros antes, diga-se de passagem. Aí entra em ação o dono da rua. Ele, certamente entretido com sua tela de DVD, não percebe a sinalização do busão e precisa parar atrás. Aí, como quem não quer nada, ele simplesmente bate o dedo mínimo na manopla de seta e anuncia que vai entrar à esquerda, como se isso fosse fazer a via toda parar para apreciar sua magnífica ultrapassagem. O motorista que vem de trás na pista da esquerda – você, no caso, que foi pró-ativo – fica numa tensão danada sem saber o que o dono da rua vai fazer, até porque ele já embicou quase metade do seu carro rebaixado na pista em que você se encontra.

E aí, de repente, o Escolar avança e ele, o dono da rua, desiste da ultrapassagem, faz uma cara de enfado e volta para sua pista original, como se nada tivesse acontecido.

Tem também o dono da rua saindo de casa. Você vê, de longe, o carro aparecendo num portão qualquer e pensa "será que esse maldito cara vai sair na minha frente?" Ainda não. Ele espera você chegar mais perto, a uns 30 metros mais ou menos, e sai. Contorna pela pista ao lado (porque dono da rua não precisa se preocupar com quem vem de lá) e fica exatamente na sua faixa, a no máximo 50% da velocidade que você está. Como se não bastasse, assim ele segue até o próximo sinaleiro, quando irá parar para finalmente pôr o cinto de segurança e escolher o CD que vai ouvir. E isso, claro, o faz atrasar em pelo menos 20 segundo a arrancada no sinal verde.

Teríamos muitos outros exemplos, como o dono da rua que pára sem mais nem menos para deixar a namorada (ou prostituta, vai saber) no tubo do Santa Quitéria, mas não é para isso que estou aqui. Só queria ilustrar como um fenômeno editorial pode afetar uma geração inteira. Essa de hoje em dia, por exemplo, irá ser plenamente atingida pelas ações do bruxo Harry Potter. Ainda não se sabe onde nem com o que, mas pode ter certeza de que será algo tão emblemático quanto os nossos donos da rua.

E antes que alguém diga que eu também era leitor da Turma da Mônica na infância e que, portanto, devo cometer as mesmas atrocidades que os donos da rua, vou me defender. Toda vida fui meio bobo como hoje, então minhas influências eram outras, bem mais relaxadas (em todos os sentido): Seu Boneco e Patropi, No trânsito, a única coisa que faço é "ir pra galera" e dizer que os outros, para mim, são problema deles. Que loucura, meu.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Alexandre em crise: Promessa

Já vi muita gente fazendo promessa, também já vi muita gente pagando e quebrando promessa. Fico pensando o que leva alguém a se privar de alguma coisa que gosta, para obter outra coisa que gosta. E o mais estranho é que muitas dessas promessas são feitas para o além ou o sobrenatural. Não conta aquelas que a criançada faz para os pais, de que se ganharem um joguinho novo, comerão salada e estudarão mais. Falo daquelas promessas mais elaboradas, aquelas que de gente grande.

A pouco tempo a onda lá no meu trabalho, pelo menos entre as mulheres, era comer o tal bolo de Santo Antônio. Por quê? Explico, Santo Antônio é o santo casamenteiro. Diz a lenda que a moçoila que está a procura de um bem querer, deve comer um pedaço do tal bolo e encontrar nele uma imagem do santo. Ai é meio caminho andado rumo ao altar, a outra metade do caminho é um misto de seqüestro e promessa. A senhorita a procura da batida perfeita, deve colocar a imagem do santinho de ponta cabeça em algum lugar (algumas mais afobadas colocam o famigerado santinho de cabeça para baixo num copo d’água) e só soltar quando a solteira desencalhar. Eu hein!

Tem um sujeito lá do trabalho, que sempre que joga na loteria num ato de nobreza e altruísmo, diz que se ganhar vai doar metade para uma instituição de caridade. Ou caso o prêmio estiver acumulado, promete uma grana para seus colegas de trabalho (ai é bonito). Suspeito que esse cara já tentou convencer a sorte, de que ele é um cara bom e que vai usar a grana da loteria para o bem da humanidade. Talvez isso de certo, talvez não. Fato é que se ele conseguir, convencer a sorte de alguma forma, terá descoberto a fórmula do sucesso total.

As promessas surgem quando não tem mais saída. Quando se está na beira do abismo, sem pai nem mãe. É o último recurso, a última ficha, o último suspiro... Imagine uma final de campeonato na disputa de pênaltis. Se existisse um 0800 para receber as promessas dos torcedores nesse momento, as linhas ficariam congestionadas rapidamente. E as promessas devem aumentar conforme os pênaltis fossem batidos. No final, enquanto muita gente comemora com a graça alcançada, a outra galera que fez suas promessas em vão, fica com aquele sentimento de que ofereceu pouco. Como se fosse um leilão, onde o sacrifício e a privação são moeda corrente.

Nunca fui muito de promessa, mas com a atual conjuntura dos acontecimentos, prometi que só vou tomar uma birita quando o Flamengo e vergonha na cara e ganhar um jogo.

Fim

Cantada

O diálogo a seguir foi descaradamente copiado da vida real.


- Ei. Prometa que não vai deixar eu fazer isso quando a gente se casar.

- Como assim a gente se casar?

- Ora, a gente pode vir a ser casar um dia, não?

- Sim, mas a gente nem namora. A gente nunca nem se beijou.

- Eu sei. Só que somos dois jovens, com interessem em comum e que um dia podem vir a se casar, não é verdade?

- Claro, mas...

- Mas não é essa a questão. Só me diga que não vai mais me deixar fazer isso quando formos marido e mulher.

- Eu prometo, mas me diga uma coisa: você já andou pensando nisso?

- Nisso o que?

- Em a gente se casar e tal.

- Ah! Sim, claro. E quem não pensaria?

- E porque nunca me falou nada?

- Ué!? Não posso pensar minhas coisas em segredo? Além do mais, nunca daria certo.

- Porque não daria certo?

- A gente nem combina tanto assim... E se um dia a gente por acaso ficar juntos, esse dia vai ser lembrado como o dia da redenção do homem com “h” maiúsculo.

- Êh; por que isso agora?

- O quê? A redenção?

- É. E esse negócio de homem com “h” maiúsculo...

- É que se eu ficar com você, será uma negação de princípios. Se não os meus, ao menos os da lei universal do homem como gênero – bonito isso, né?

- Seus princípios dizem para você não ficar comigo?

- Não, não é isso. Jamais! É que os homens têm uma espécie de lei – pelo menos os homens que se consideram homens, os machos de verdade, os com “h” maiúsculo – que institui o orgulho como uma condição essencial para exercer o papel de macho.

- E o que o orgulho tem a ver com isso agora?

- É que o orgulho nunca deixaria um homem de verdade fazer coisas vergonhosas para conquistar alguém, mesmo que esse alguém seja o amor da vida dele. Aliás, o orgulho nem deixaria o homem admitir que tem um “amor da vida”.

- Você está dizendo que eu sou o amor da sua vida?

- Bem... Não exatamente. Quer dizer... Ah, você entende né?

- Acho que sim. Talvez. Não sei.

- Então. Aí é que está. Se você entender e a gente vier a ficar juntos, será a redenção do homem macho-sim-senhor. Talvez nem uma redenção, mas um contra-senso danado para com as mais antigas leis do universo.

-... Você só falou tudo isso para dizer que gosta de mim, né?

- Pss! Fala baixo!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Deixa o homem relaxar

Jon estava deitado no tapete da sala com os olhos semicerrados, como quem busca enxergar mais longe no horizonte. Não pensava em nada. Saindo do trabalho, elegera aquele momento para esvaziar a mente, para livrar seus pensamentos de toda maldade que havia lhe acompanhado a semana inteira. Estava tudo escuro, as cortinas fechadas, a luz apagada. De som, somente a televisão do vizinho de cima que assistia à novela das oito. Mas nem isso desconcentrava Jon.

Estava cansado. Tinha sido uma semana duríssima aquela. Jon sofrera todo tipo de pressão no trabalho e tudo o que queria naquela hora era dormir. Dormir sossegado, de preferência sem sonhar. Planejou acordar somente dali a 13 ou 14 horas, sem mais nenhuma maldade na cabeça ou qualquer espécie de aflição. Chegara na sexta-feira com o sentimento de vingança lhe torturando a cabeça. Queria porque queria açoitar alguém, quem quer que fosse e com os piores instrumentos. Qualquer coisa de satânico, até.

De repente Jon ouve um barulho se aproximando pelo corredor do prédio. Era alguém que provavelmente subiu todos os 14 andares até sua porta de escada – e correndo. Ouvia-se uma respiração ofegante, ao mesmo tempo forte e ritmada. Dir-se-ia que era alguém que jamais havia praticado qualquer esporte antes, ou até um velho tendo uma espécie de ataque de asma. Do nada a pessoa toca a campainha. "Pééé!" E prontamente Jon pensou: "a esta hora, sem avisar nem ser anunciado pelo porteiro, só pode ser o Ted". Jon sabia que Ted não era pródigo em educação. Além disso o considerava sinônimo de confusão.

Antes de se levantar, lembrou-se da última vez que estiveram juntos. Faria três meses no dia seguinte, e desde então os dois não se falavam. Era um sábado, e sabe-se lá como Jon foi convencido por Ted a sair e tomar cerveja por aí. Foram a um boteco próximo da catedral com uma turma da academia do Ted. Muitas cervejas depois, Ted falou em alto e bom tom:

- Meu amigo aqui é campeão sul-brasileiro de queda de braço. Quero ver alguém derrotar ele.

Jon suou frio. Nunca havia disputado qualquer campeonato de queda de braço na vida, nem nos churrascos onde seus tios completamente bêbados o desafiavam a fim de comprovar sua masculinidade. De repente se viu frente a frente com quatro brutamontes sedentos por vencê-lo numa disputa provavelmente sangrenta. Sem pensar direito, olhou bem para seus dois braços raquíticos, deu um potente soco na mesa e gritou:

- Aaai!

Tinha acabado de quebrar seus dois dedos mínimos.

Culpou Ted por aquela babaquice e foi embora. Como se não bastasse, ao voltar para o carro encontrou uma multa no pára-brisas: estacionamento em local proibido. Fora Ted quem o convenceu que não tinha perigo nenhum parar sobre a calçada.

Até o ocorrido, Jon considerava Ted no máximo como um mero colega. Um colega folgado, diga-se de passagem. Depois de ter dois dedos quebrados e menos cinco pontos na carteira de motorista, rebaixou-o a quase-inimigo. E isso, na concepção de Jon, era motivo para ignorá-lo publicamente  num eventual encontro no shopping (Jon nunca foi violento). Lembrando-se de que era Ted batendo à porta, pensou: "quem esse desgraçado pensa que é para tocar minha campainha a essa hora sem nem avisar que vinha?" Não que Jon abriria se Ted o tivesse avisado, mas aquele foi o único pensamento que lhe ocorreu na hora.

Levantou-se em silêncio, imaginando o que falaria se decidisse abrir a porta. Lá fora o visitante já havia desistido da campainha e começado a bater na porta. Socar a porta, aliás. Isso irritou profundamente Jon. Aí ele parou e pensou: se abrisse a porta, seria capaz de falar algumas besteiras para Ted – ou até cometer uma atrocidade, afinal estava com a ira ainda presa no corpo. Não gostava mais de Ted, é verdade, porém não o queria vê-lo morto (e seria mesmo capaz de fazer isso se ele batesse mais uma vez na porta daquele jeito). Decidiu virar as costas e ir para o quarto. Com a porta fechada e o telefone fora do gancho dormiria como um anjo, conforme planejado.

E foi o que fez. Jon se deitou como estava, sem nem tirar o sapato, e só acordou no dia seguinte com o sol a pino. Não pensava mais na semana que havia passado nem nos seus planos diabólicos de torturar o próprio chefe. Esquecera-se até do maldito Ted, que quase atrapalhou seu momento especial de meditação e busca pela paz. Teve pena do garoto, inclusive. Cogitou telefonar-lhe para saber o que queria, mas desistiu a tempo. Escovou os dentes, tomou um banho e resolveu, para comemorar, tomar café da manhã na panificadora da rua de baixo – a melhor da região.

Ao sair de casa, a surpresa: na frente da sua porta tinha um velho de joelhos, parecendo um muçulmano rezando na direção de Meca, com as duas mãos como que escorrendo pelo trinco. Morto.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Quanto mais idiota melhor

A televisão me deixou burro – muito burro – demais. Taí um refrão que pela primeira posso usar como uma verdade absoluta. A televisão está me deixando cada vez mais burro, e se continuar nessa toada não vai tardar para que ela me anule completamente.

Não sou de assistir televisão – não mesmo. Ou melhor: nunca fui de assistir televisão como agora. Começou com outro vício, os filmes, e foi se espalhando pela programação inteira. Tudo culpa destas férias extremamente ociosas. No intervalo entre uma película e outra eu zapeava os canais furiosamente em busca de um programa razoável de esportes (outro vício). No meio do caminho, via um pedaço de um enlatado qualquer ou um "documentário" sobre a vida das estrelas e ficava. E assim, paulatinamente, ia esfacelando toda carga pseudo-intelectual que tinha sido capaz de reter em todos esses anos de estudos e reflexões.

É para isso que serve a TV, principalmente a TV a cabo. Te oferece um monte de porcarias e apenas um ou outro programa bom (normalmente um filme). Só que os programas bestas são muito mais fáceis de assistir; até porque não exigem qualquer reflexão e quando você se dá conta já os assistiu até o final – e ainda deu umas boas e ignorantes risadas. Como diz o Pensador (Gabriel, não Platão), "a programação só existe para manter você na frente/na frente da TV, que é para te entreter/que é para você não ver que o programado é você". Ou você aceita ser um saco de pancadas ou vai para o saco. You will go to the cock, bitch!

Juro que me achava imune a esse vício lazarento. Logo eu, com tanta coisa boa guardada na mente – algumas coisas ruins e sujas também, admito, mas todas extremamente úteis para se manter uma vida social minimamente aceitável. Ontem vi um programa no canal E! Entertainment e percebi que havia chegado ao fundo do poço. Era um narrador do tipo gordinho-de-camisa-nova contando e comentando a vida dos atores de Hollywood – e quando eu digo a vida é a vida mesmo: Angelina Jolie foi ao mercado e comprou dois potes de Nutella, um saco de pão e um conjunto de pilhas alcalinas; Robert de Niro esteve na loja da Nike em busca de um sapato novo para jogar golfe, mas não achou; Renée Zellweger almoçou com a irmã e depois acompanhou-a numa ida ao parque de diversões; e outras excentricidades do gênero.

Alguém compreende o que eu quero dizer? Isso é um vício que se tornou incontrolável. Já nem filmes eu assisto mais porque eles têm legendas que não consigo acompanhar. Agora entendo porque os filmes que passam na Globo às 4h30 são tão dublados quanto aqueles que passam as 16h30. O telespectador não quer perder tempo lendo frases amarelas que passam como flechas no rodapé de uma tela de TV. Quanto mais idiota, melhor. Por isso que aqueles programas com Leão Lobo, Sônia Abrão e congêneres fazem tanto sucesso. São apenas mais um besteirol americano.

Eu tive sorte de identificar e aceitar o meu vício ainda no começo. O meu caso ainda tem cura, sem apelar para grandes intervenções. Usando uma analogia condizente, eu estava só na maconha e eventualmente um haxixe; logo na primeiro tragada em um cachimbo de crack (E! Entertainment) já tomei consciência da minha situação. Sou um favorecido. Tenho pena é daqueles que já partiram para drogas mais pesadas, como as sintéticas anteriormente citadas Leão Lobo e Sônia Abrão, além da maldita Novela (barata, de fácil acesso e extremamente viciante, como a nicotina). Esses carecem de uma internação urgentemente.

Uma pena não haver alguma clínica gigante o suficiente para abrigar mais da metade da população brasileira (se não a grandiosíssima maioria, vai saber).

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Minhas férias: revolta às aulas

Faltam apenas algumas horas para que minhas aulas recomecem e só tenho uma coisa a dizer: ainda que a contragosto, volto a estudar com o sentimento de dever cumprido. Se férias existe para esquecer os problemas, deixar de lado as preocupações e não fazer nada que envolva a faculdade, eu fui mais do que bem sucedido. Garanto que se existisse uma olimpíada de preguiça esta medalha com certeza já estaria no papo.

Nestas minhas míseras e rápidas duas semanas de férias não viajei e nem fiz nada de extravagante. Meu dia se resumia a esperar o relógio marcar 19h e pensar aliviado que "a esta hora eu deveria estar na sala ouvindo um professor mala tentando me ensinar alguma coisa", e então sair para jogar videogame. Eu era o mais puro retrato do ócio improdutivo. O que pudesse fazer para não fazer nada, fazia.

Li uma infinidade de livros durante minhas férias. Três, para ser mais exato. Em duas semanas, três livros é coisa para velocista. Se eu conseguisse manter esse ritmo em épocas escolares, seria a única pessoa do mundo  a conseguir ler todos os livros que os professores indicam. Claro que é uma coisa humanamente impossível, e pela primeira vez numa volta às aulas não irei prometer fazê-la. Também não prometo estudar e nem passar de ano no terceiro bimestre, diga-se de passagem. Vou ser realista ao menos uma vez.

Mas se posso recomeçar o ano com uma certeza, esta é a de que meu segundo semestre vai ser sinistro. As preocupações estão ainda maiores e nada do que eu tinha programado fazer nas férias para adiantar o serviço deu certo. Muito disso se deve ao fato de minhas opções de entretenimentos estarem sempre ali, à mão, só esperando um apertar de botão para serem usadas. É videogame, rádio, internet, microondas... Definitivamente esses aparelhos eletrônicos são um atraso no desenvolvimento humano.

Enfim, de qualquer forma estou descansado de corpo e alma. Pronto para outra, diria Pereira, meu ex-vizinho otimista. Minha cabeça está vazia vazia, de braços e neurônios abertos para o estresse, a preocupação e o cansaço. Agora é a hora de dormir cada vez menos, ler cada vez mais e me divertir exatamente o mesmo tanto porque ninguém é de ferro, nem o Ironman. E é bom que o Flamengo recomece a ganhar os jogos logo, porque senão esse será mais um motivo para que eu cometa o meu próprio homicídio.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Maycon em crise: Lei Seca

Alguém além de mim percebeu que sumiram das ruas os policiais militares que faziam as vezes de guardas de trânsito? Há poucas semanas se tornou mais do que comum ver dois postes amarelo-Palmeiras em cada esquina do centro de Curitiba munidos de seus bloquinhos e dando multas a deus-dará. Onde será que eles foram parar? Na minha opinião estão cansados de tanto fazer blitz nas noites etílicas da Cidade Sorriso.

Outro dia, numa dessas blitzes, um amigo meu caiu nas garras da lei. Sabe-se lá por que fui o escolhido para receber a ligação a que todo detido tem direito:

- Maycon, meu camarada! Corre aqui na 21ª DP para me salvar.

- Mas o que é que aconteceu, ó desafortunado colega?

- Parei numa blitz, me recusei a fazer o teste e eles me prenderam.

- Você quer dizer que te levaram para a delegacia para fazer um teste sangüíneo, certo?

- Não, prenderam mesmo. Disseram que o fato de eu me negar a assoprar a maquininha caracterizava embriaguez. De nada adiantou eu reivindicar meus direitos de não produzir provas contra minha pessoa ou qualquer coisa do gênero.

- Mas você não estava bêbado, estava?

- Não estava nem estou. Aliás, só um doente ficaria bêbado às nove da noite de uma segunda-feira.

- De fato. Mas o que aconteceu?

- Eu estava voltando da casa da Leila; tive um jantar lá com os pais dela e tudo mais. Cara, não vou ficar me explicando agora; venha para cá logo! Não posso ficar enfurnado aqui a noite toda aqui sem ter culpa de nada.

- Mas por que raios você não fez o tal teste, já que não tinha bebido nada?

- Ora, me diz você porque eu teria que me rebaixar a isso? Minha palavra não é o suficiente para provar minha sobriedade? Digo... Porque eles dizerem que estou bêbado é válido e eu dizer que não estou não conta? Além do mais, eles falavam "estou vendo que você está bêbado, rapaz" e me impediam de qualquer defesa. Eu tinha que escutar e abaixar a cabeça. Se tentasse falar alguma coisa, era cacetada na barriga, nas pernas, nas costas. Me senti um marginal, um assaltante. Esses policiais são um bando de desgraçados. Mas e aí, vai vir ou não?

- Pois é, cara. Não posso agora! É que eu to completamente embriagado. Sabe como é, não tinha nada para fazer e estava passando uma comédia da boa na TV... Mas não se preocupe; pode deixar que eu aviso sua mãe que você está aí. Segura as pontas, guri.

Essa é a Lei Seca do Brasil. Parece a Santa Inquisição. Te acusam de bruxa: se você admitir será queimado; se não, vão te torturar até que admita.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Alexandre em crise: Vôlei

Hoje de manhã Brasil despachou a Rússia na Liga Mundial de Vôlei (25/23, 25/18 e 25/15). Grandes merdas, deve pensar o torcedor mais novato. Mas gostaria de lembrar, que nem sempre foi assim. Houve um tempo que a seleção de vôlei do Brasil não ganhava de ninguém. Talvez ninguém, seja muito pouca gente (seleções). O Brasil só ganhava dos vizinhos da América Latina e olhe lá. Quem sabe o torcedor mais recente, nem imagine que o Brasil sentia temor em jogar contra o russos, italianos, americanos e outros tantos.

Buscando nos arquivos do esporte (google e wikipédia), encontramos dados sobre a chamada Geração de Prata. Time de Wilian, Renan, Montanaro, Bernard e um tal de Bernardinho. Essa geração chegou a jogar com o Maracanã lotado, é mole? Os caras eram bons, mas os outros eram melhores. Isso foi no tempo que tamanho era documento no vôlei. Apesar do carisma que essa seleção tinha, o máximo que conseguiu foi a medalha de prata nos jogos de Los Angeles em 1984.

Na seqüência, o Brasil teve uma seleção com um pouco menos distância de técnica das demais. José Roberto Guimarães, comandou o time que nos traria o primeiro ouro olímpico em esportes coletivos (nem o nosso futebol fez isso até os dias atuais). Marcelo Negrão, Giovane, Tande, Maurício e cia. Fizeram o país do futebol vibrar nas Olimpíadas de Barcelona. O Brasil sapecou a Holanda por três sets a zero, o último ponto foi um ace do Marcelo Negrão (que nem era escurinho).

Essa era uma época para se gostar de vôlei, o torcedor brasileiro tinha a esperança de que nossos meninos de ouro, triunfassem num confronto com qualquer adversário. Mas ainda não éramos uma potência do vôlei mundial. Isso só viria acontecer com o time de Bernardinho. Que fez do Brasil mais do que uma potência do vôlei, transformou o Brasil na única potência. Isso mesmo, o vôlei brasileiro não quis apenas fazer parte do grupo de grandes seleções. Agora as demais seleções entram nas competições pensando em fazer uma final com o Brasil e com muito trabalho, sorte e todo tipo de ajuda quem sabe ganhar.

Eu que nunca fui muito fã do vôlei, porque o Brasil nunca ganhava, agora acho esse jogo mais chato ainda porque o Brasil não tem adversário. Não sei mas os chiliques do Bernardinho, atrapalham até o adversário. Esse time não perde, se perde é quando não vale muita coisa. Como nos jogos em que os titulares são poupados e tals. Vôlei é um jogo muito chato, só tem graça nas olimpíadas. Mas com esse time do Bernardinho e seus chiliques, alguém duvida que é ouro na certa para o Brasil?

Fim

terça-feira, 22 de julho de 2008

Maldita multipolaridade

A verdade é que a tentação de escrever já não é mais a mesma. Falta inspiração, transpiração, sei lá. Ou pode ser porque não ando dormindo direito. Os fatores são muitos, mas é tudo desculpa – a conseqüência é que é uma só.

Tinha dias que eu acordava com uma idéia mirabolante na cabeça, louco para botá-la no papel. Nos meus pensamentos, era tudo perfeito, digno de premiação em Pulitzer, Prêmio Esso e o escambau. Na hora escrever, nada saía como o previsto, nada saía como planejado. As palavras sumiam no infinito da imaginação. Só conseguia expressar o básico, transmitir a idéia, mas sem muito brilho. Agora nem isso mais funciona.

Reclamo dos elogios, mas tenho que admitir que eles fazem falta. Como já disse anteriormente, o único pagamento para um artista é a sua própria vaidade. Por mais humilde que alguém possa ser, as carícias feitas no ego são o que mais atrai nessas profssões de escritor e músico. Sim, eu só faço isso para aparecer e ser bajulado.

A inspiração vai e volta. Já atravessei fases mais negras do que essa, quando nem a vontade de reclamar da situação eu tinha. Agora, ao menos, cá estou castigando vossos olhos com lamúrias de um ex-futuro gênio incompreendido. Não me resta sequer o suicídio, porque até para isso não me sinto completamente apto. Sou muito jovem; não para morrer, mas para ao menos saber como fazer isso. Não deviam exigir tanto dessa nossa juventude – é por isso que o Brasil não vai para frente.

Sendo este um fluxo de (in)consciência, devo procurar no âmago do meu ser uma explicação para tanto desleixo com os próprios hobbies. O cara largar emprego, a namorada e a casa da família vá lá, mas deixar de lado aquilo que é talvez sua única diversão chega a ser burrice. E repare que não falo de explicações físicas e afins: noites mal dormidas são apenas um catalisador dos problemas mais profundos. Temo que seja uma mudança estrutural do meu eu como pessoa. Traduzindo em termos da linguagem corrente, uma mudança de personalidade.

Há algum tempo eu pensava que tinha duas personalidades. Hoje vejo que não, que na verdade são muitas mais. Sou uma eterna mentira, me comportando de acordo com o ambiente. O problema é quando uma gama de atitudes – ou, melhor, uma personalidade – confunde ou se sobressai a outra. Troca-se toda uma forma de se viver. Como se ajustar a isso, nem Freud explica.

Sou e ajo como os perfis de celulares. No trabalho, por exemplo, mudo(-me) para a opção office: toque para chamadas Nokia Tune, bluetooth ativado e aviso de mensagens do tipo "alert 1". E ai por diante. Na escola uso um alerta vibratório, no futebol toques no volume sete e em casa a função home, com opção de receber as chamadas do número fixo. Quando os papéis se invertem, tudo se confunde. Não escuto as ligações no futebol se o alerta estiver em vibrar nem consigo atender as chamadas do número de casa enquanto estou no trabalho. Além disso, pareço um bobo na escola com meu toque Nokia Tune.

Agora meu cérebro disse que devo apagar tudo isso e mandar todos às favos. Vou contrariá-lo, só desta vez. Teremos um final totalmente sem nexo, mas que ao menos dá uma idéia do que estou passando. Passar bem.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Viva Midas

Eu era pré-adolescente numa época em que o cenário da música mundial era dominado por boy-bands e pelas Spice Girls. E ser pré-adolescente já sabe: gostar ou não de determinada coisa molda seu caráter definitivamente, tanto internamente – até porque a pessoa já é consciente dos seus atos – quanto externamente, influenciado pelos amigos (especialmente por suas chacotas). No meu caso, então, era abominar Five, Backstreet Boys, Westlife e companhia e ser amigo dos “caras” ou gostar das boy-bands e ser chamado de bichinha pelos corredores da escola. Preferi abominar, claro.

Só que sempre fui um visionário, e como tal tive já naquela época a certeza de que o grupo N’Sync se sobressairia perante os outros. Não que eu gostasse dos caras ou das suas músicas (apesar de achar aquele lance da dancinha com as tevês genial), mas era visível que eles eram diferentes. As músicas aparentemente não eram tão bestas quanto a dos concorrentes e as coreografias eram bem mais elaboradas do que a maioria, o que querendo ou não chama mais a atenção da garotada. Além do mais, o N’Sync tinha algo que os meninos da rua de baixo não tinham: Justin Timberlake.

Aliás, revendo o que escrevi até aqui acho melhor retificar um ponto de vista: onde se lê “era visível que eles eram diferentes” substitua por “era visível que Justin Timberlake era diferente”, porque não tenho a mínima idéia do que aconteceu com os outros integrantes do N’Sync depois do seu esfacelamento. Aposto que nem a grande maioria das ex-fãs sabem.

Não dá para usar o velho clichê “tudo o que ele toca vira ouro” com Justin Timberlake, mas só porque eu ainda estou aqui para provar o contrário. É que outro dia o cumprimentei efusivamente no aeroporto de Dubai e continuo escrevendo humildemente em blogs de alcance meramente nacional. Só o que ninguém jamais poderá negar que o cabra é mesmo uma máquina de fazer dinheiro. Até no Super Bowl ele cantou! Quem sabe o quanto de dinheiro que essa bendita final do Futebol Americano movimenta entenderá o que significa Justin Timberlake ter cantado lá. O cara realmente é um fenômeno.

E quero deixar bem claro que não gosto e nem nunca gostei das músicas do N’Sync ou do Justin Timberlake. Não é nenhum preconceito nem nada, apenas não gosto porque não escuto muitas músicas em inglês. Pode até ser que ele seja bom, mas no meu iPod só toca música brasileira e instrumental. Enfim, não é bem esse o caso agora. Só estou aqui para pagar um pau nervoso para Justin Timberlake e chamá-lo de extraordinário. Tenho inveja de você, cara. É isso.

Atendendo a pedidos, vou explicar o porquê de ter feito uma ode a Justin Timberlake sem qualquer motivo aparente. É que acabei de ler – e não importa muito onde – que a avó do cara está mexendo seus pauzinho para que o casamento dele saia de uma vez. Com quem? Jéssica Biel. Sim, afortunados leitores, a gracinha da Jéssica Biel. Posso estar um pouco atrasado com essa informação – e Zeus queira que esteja, pois não me orgulharia muito de ser o expert em vida de famosos aqui –, mas que fiquei impressionado, fiquei. Depois de Alissa Milano, Cameron Diaz e Britney Spears (no seu auge, diga-se de passagem), o nosso herói está de caso com Jéssica Biel. Realmente é pra acabar. Só podia ser do Tennessee, o miserável.

terça-feira, 8 de julho de 2008

A jornada

Na longínqua Catulé dos Montes no interior do sertão nordestino, Lúcio queria saber o resultado da rodada. O problema é que ele mora numa região sem muitos vizinhos e sem energia elétrica. Apesar da dificuldade ele acompanha o campeonato, e por isso uma angústia maltratava o seu coração. Resolveu que iria até a vila mais próxima para saber dos resultados. Pegou o Billy, o jegue da família, e saiu em disparada ruma o vila.

Já era quase noite, e Lúcio sabia que era perigoso voltar para casa muito tarde. Ouvia-se muito falar de assaltos e crimes na estrada de terra batida. Muitos dos crimes aconteciam por maldade do jagunços das terras dos coronéis, que costumavam se divertir atirando nos desafortunados que por descuido cruzam o seu caminho. Mas Lúcio, cabra macho barbaridade, não quis saber e foi em busca do que queria.

Certo momento na caminhada, parou para dar água ao Billy, e fumar um cigarrinho de palha. Foi então que uma mulher o chamou pelo nome. Surpreso tentou ver quem era, mas não reconheceu. O jegue ficou assustado, Lúcio tentava acalmar o bicho. Mas o bicho mesmo era a mulher, que não tinha rosto. Era a visão mais estranha que viu em toda a vida. Isso que não acreditava em assombração e coisas do tipo. Sem perder tempo montou no animal e saiu em disparada, sem dar nenhuma olhada para trás.

Correu até o Billy ficar exausto. Seu coração estava disparado, mas já estavam na vila. Foi até a mercearia do seu Emanuel, sujeito acolhedor e bom de prosa, que já estava fechada, onde pediu água para ele e para o seu jegue. O dono da mercearia trouxe o que Lúcio pedira e perguntou se poderia ajudar em mais alguma coisa. - Quanto foi o jogo do Flamengo hoje?- perguntou Lúcio. O comerciante, com um sorriso de deboche, respondeu - o Flamengo não ganhou hoje não!

Lúcio, era a cara da frustração em pessoa , pensou na caminhada que fizera e no susto que tomou para no fim receber esta notícia de que o seu não venceu. Educado, agradeceu pela água e quando foi saindo, Seu Emanuel ofereceu um café. Lúcio aceitou e contou sobre a mulher sem rosto. O comerciante contou que essa mulher costuma aparecer e rouba a visão de quem chega muito perto. Mas Lúcio não ficou tão chateado com a história da mulher sem rosto, quanto com o Mais Querido não ter ganho o jogo.

Terminado o café foi se despedindo de Emanuel, que o interrompeu para dizer: - O Flamengo não ganhou hoje, porque ganhou do Náutico ontem a tarde. Era o que Lúcio precisava para voltar feliz da vida para Catulé dos Montes.

Fim

Ps: Essa mulher sem rosto não tem relevância nenhuma, só queria falar do Flamengo líder do campeonato.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

A casa caiu

Pois bem, o castelinho de areia caiu. Por uma semana inteira, ouvimos o falastrão Renigth Gaúcho falando que o Fluminense era campeão, que a Libertadores estava no papo entre outras sandices típicas do treinador. Olha que gosto de fanfarronices futebolísticas, incomoda quem não torce para o time dele. Mas convenhamos, é muito bacana quando algum jogador, técnico ou dirigente do seu time esculacha o adversário antes de um clássico ou de uma decisão.

Porém (ahhh porém), isso é uma faca de dois gumes. Ao passo que você faz uma graça para a sua torcida, está dando asa pra cobra do lado adversário. Pois o lado adversário pode tomar duas atitudes; ou entram na provocação e rebatem também com ironia e provocações, ou ignoram (aparentemente) fazem aquele discurso do “respeitamos o adversário e blábláblá” e internamente usam isso como motivação, que é onde mora o perigo. Confesso que o legal mesmo, é esculachar o adversário e ganhar.

Mas na decisão da Libertadores 2008, o fanfarrão Renigth passou da conta. E como vovó já dizia “de galinha não faz mal a ninguém” e o Fluminense foi com tudo pra cima da valente Liga Desportiva Universitária (parece o Galvão falando) antes do jogo começar. E quando começou... TCHARAN... LDU sapecou 1x0 neles. Tudo bem o time do Renigth marcou três gols, o Thiago Neves (outro fanfarrão) jogou o fino da bola e tudo caminhava para a festa tricolor. Estava construído o castelo de areia. E a base deste castelo começou na virada de mesa em 1996, ou será que todo mundo esqueceu? Eu não.

E foi feita justiça, Cevallos o goleiro que inspirou pouca confiança nos que simpatizaram pela valente LDU, foi o herói da conquista equatoriana. Defendeu três cobranças de pênalti, não teve nenhuma cobrança para fora ou na trave. Cevallos defendeu mesmo! E ainda demonstrou malandragem, na cobrança do Thiago Neves, logo ele que barbarizou o jogo todo, tirando totalmente a concentração do meia de ligação (hehehe...) tricolor.

Já eram quase uma da madrugada e fui dormir satisfeito, pensei em tripudiar como fizeram quando o Mais Querido fez aquele papelão diante do América do México, mas achei melhor ficar no sapatinho. Pois assim amanhã ainda vou acordar líder do campeonato, enquanto outros acordarão de um pesadelo na lanterna e com a cabeça inchada. É a casa caiu!

Fim

Hoje LDU é Brasil

Não fiquei completamente feliz, admito, mas como bom flamenguista jamais poderia ter torcido pelo Fluminense. Já fiz isso, mas as circunstâncias eram outras, completamente diferentes. Se no jogo de hoje ao invés de LDU o adversário fosse o São Paulo, eu seria Fluminense de carteirinha. Deu Equador e não Brasil, mas pelo menos serviu para o Renato Gaúcho baixar a cabeça e ficar pianinho no seu canto (além de não dar motivos para a torcida pó-de-arroz sair por aí comemorando, como se fosse um time grande).

Sobre o jogo, não há muito o que falar. Fluminense jogou como time que precisava e queria vencer, enquanto a outra equipe estava em campo apenas como sparring de boxeador decadente. Mais uma vez reitero que Dario Conca é um excelente jogador, digno de botar no banco da seleção argentina até o mala do Riquelme, e que o coração valente Washington não serve nem de pino segurador de porta. Já a LDU, por sua vez, tem um guerreiro neanderthal chamado Guerrón que poderia facilmente participar daqueles campeonatos de homem mais forte do mundo, e com grandes chances de sair campeão.

Ao Fluminense – e principalmente ao mala (outro?) do Renato Gaúcho – só resta agora lutar contra o rebaixamento no brasileirão e chorar a venda de seus dois craques Thiagos para o mercado europeu. E isso se Conca, Arouca e Junior César não forem vendidos também. Depois do que jogaram hoje não seria nenhum absurdo.

Enfim, meus parabéns à LDU, a Liga Dos Urubus. E Flu: menas, rapaziada. Menas, que Libertadores foi feita só para times grandes.