sexta-feira, 27 de abril de 2007

Tobias, o marketeiro

- Pára! Pára tudo! Seguranças!
O narrador se esgoelava mas não conseguia conter a balbúrdia. Um corre-corre, um empurra-empurra, pessoas se xingando, copos voando sobre as cabeças. Tudo por causa de um pequeno desentendimento na arena. Os competidores ainda discutiam:
- Você apertou minhas bolas, cara!
- Foi você que puxou meu cabelo primeiro.
Na platéia, urros e gritos desafinados. Algumas pequenas brigas iniciando aqui e acolá. Os guardas tiveram que intervir com seus cacetetes e sprays de pimenta. Socos, pontapés, voadoras, tacapes. Virou uma verdadeira batalha. Já não se sabia quem torcia para quem, brigavam só por brigar. Na taverna anexa, o pessoal animado via tudo pela tela:
- Olha lá aquele baixinho com a cadeira na mão! Vai dar na cabeça da velha... Ai! – sentia um beberrão.
E o garçom:
- Isso tá uma bagunça mesmo. Vai mais um drinque?
O bar continuava enchendo. Transeuntes que circulavam pela região se amontoaram em frente aos telões para assistir, não mais à partida, e sim ao confronto entre torcidas. Pediam drinques e petiscos.
- Isso tá divertido! Parece Telecatch. – dizia um, que acabara de chegar.
- É mesmo! Olha esse golpe – apontando para o canto da tela –, igual o Apolo Colombiano. Toma uma cerveja?
Seguiu assim. Amizades se fazendo, o pessoal se divertindo e o bar lucrando. Havia mais gente no anexo do que no próprio salão. Tinha gente que chegava e nem sabia do que se tratava o campeonato.
- Vim por causa da luta. Uma amiga disse que tá aqui e me ligou convidando, só que eu não achei ela ainda. Mas quanto é o uísque com energético?
Passado meia hora – a platéia ainda se esbofeteando na TV – a turma no bar já nem olhava mais para o telão. Estavam todos conversando, as mesas lotadas, os garçons trabalhando a todo vapor. Em um canto iniciou-se uma mesa de truco, em outro um casal recém formado se beijava enlouquecidamente. Iniciou-se, até, uma briga entre bêbados que os experientes seguranças logo contiveram.
Então Tobias, o dono do bar, trocou o DVD das lutas por um do Guns'n'roses.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

A mãe da namorada

- Saco meu dia está uma droga.
- Aconteceu alguma coisa?
- Sei lá esta dando tudo errado.
- Você quer falar sobre isso?
- Não.
- Então vamos fazer alguma coisa, o que acha?
- Boa idéia, estou precisando mesmo.
- E ai, o que você gostaria de fazer.
- Sei lá. Tenho que comprar um presente para minha sogra.
- Se precisar de ajuda, sabia que sou o queridinho da sogrona.
- Haha... você é uma comédia.
- Sério cara minha sogra me ama. Faz tudo para me agradar, nem parece sogra.
- Como assim cara? Po a minha só falta arrancar meus olhos enquanto estou dormindo.
- Mas é tão ruim assim?
- Acho que ela só não arrancou meus olhos ainda, porque não arrumou uma boa desculpa para a Bruna.
- E ela lhe trata mal na frente da Bruna?
- Quando estamos juntos e a sogra aparece, fica um clima pesado. Climão mesmo ta ligado?
- Sei sei, mas e quando, sei lá, a Bruna vai ao banheiro ou quando só está você e ela no mesmo lugar?
- Malandro, aquela mulher considera mais a baba do cavalo do que eu. Outro dia eu estava esperando a Bruna e acabei pegando no sono, foi só um cochilinho rápido. Quando eu acordei vi a sogrinha querida com uma tesoura de jardim me olhando com uma cara de psicopata.
- Caceta maluco, e você ainda tem coragem de freqüentar a casa dessa louca?
- Po, é casa da Bruna também.Mas você vai esperar esse doida te arrancar um pedaço...
- Ui!
- Hahaha... to falando sério. Vai que ela te faz alguma coisa.
- Sei lá meu.
- Tem que tomar cuidado.
- Me conta qual o segredo para uma relação no mínimo civilizada com a sogra.
- Sabe cara, é até engraçado.
- Fala ai meu.
- Cara, foi na segunda vez que fui na casa da Aline. A Dona Lúcia estava sozinha, a Aline tinha se atrasado na aula de inglês, e quando ela abriu a porta pensei que fosse a namorada e fui entregando um presente que tinha comprado para a Aline. Só que meio apressado entreguei na mão errada.
- Mas era só avisar que não era para ela.
- Não deu tempo cara, ela já foi abrindo e agradecendo. "Nossa Wesley, não precisava!" ela falava repetidamente.
- Caraca meu que situação.
- Pois é, na hora fiquei com pena de contar que não era para ela.
- Haha...
- Ta mas , o que era o presente?
- Um dvd do Wando e uma caixa de bombom.
- Você ta brincando!?
- Não estou não. Queria fazer uma brincadeira com a Aline e o tiro saiu pela culatra.
- Mas ela gostou tanto assim?
- Cara a mulher é fãzona do galã do "meu iá-iá meu iô-iô".
- Mas e ai, e o presente da Aline?
- Inventei um jantar, disse para a Aline que iria leva-la para jantar e tals.
- E a sogra?
- Achou que eu estivesse interessado nela.
- Como é que é?
- Isso ai que eu te falei.
- Ah fala sério!?
- To falando, a Dona Lúcia achou que eu estava passando um sambarylove nela.
- Hey cara, olha aquela mulher no carro azul ali. Acho que ela te conhece.
- Caraca malandro, é a dona Lúcia.
- Noooooooossaaaa... como você tem coragem de chamar aquela gostosa de Dona Lúcia.
- O meu, ela é a mãe da Aline, lembra!?
- Que fosse mãe do papa.
- Seu pervertido.
- Oi Wesley, Aline pediu para avisar que vai com o pai dela a avó dela na rodoviária. E quer que você espere ela lá em casa.
- Tudo bem Dona Lúcia, obrigado por avisar.
- O que é isso? Já disse para não me chamar de dona. O que seu amigo vai pensar?
- Certo Lúcia, já já eu vou para lá.
- Eu te espero, te dou carona. Te espero no carro.
- Meu neurônio, Wesley seu puto, já pegou a sogra né???
- O que é isso meu!? Capaz!
- Fala, juro que não conto pra ninguém. Fala meu...
- Ta bom, mas foi só uma vez.
- A minha sogra querendo me matar e o cara ai todo prosa. Também com uma sogra essa era Wando todo dia.

Fim

Laços de Família

Estavam na mesa, almoço de domingo:
- Pai, porque você come tanto?
Não respondeu. Aaron, com 14 anos, já tinha perguntado sobre tudo na vida. Sabia tudo sobre o que não é tão importante, sexo, dinheiro, amor. Insistiu:
- A gula não é pecado capital? – ele queria por que queria saber.
Zenon, o pai, não estava preparado para aquilo. Achou que demoraria uns anos para que o filho viesse lhe falar sobre um assunto de tamanha importância. Zenon julgava aquilo muito importante. Era a hora de falar sobre pecados, sobre a gula, sobre a ira. Era a hora de mostrar para o filho o verdadeiro sentido da vida. Pelo menos o sentido que ele, o pai, achava ser o certo. Mas não perdeu a pose:
- De noite conversamos, filho.
E seguiu com sua refeição.

De fato, á noite, estava lá Aaron, na biblioteca, esperando o pai. Lá era a "sala para assuntos importantes".
Logo chegou Zenon, glutão que só ele, com uma coxinha de frango numa mão e um pedaço de torta na outra. Ele não era aquilo que se chame de gordo, apenas encorpado, apesar de sua conhecia fama de comilão. "Apreciador do maior prazer da vida", como costumava dizer.
- Pois bem, Aaron. Eu não esperava ter que te dizer isso tão cedo. Confesso que nem estava preparado para tal pergunta. Mas vamos lá, o que quer saber?
- Eu já falei, pai. Porque o senhor come tanto?
- Bem, vejamos, por onde começar? – olhando para aquele suculento pedaço de frango – A vida, meu filho, a vida é feita de prazeres. Prazeres e pecados. Muitas vezes essas duas coisas se confundem.
O filho já estava impressionado. Nunca vira o pai falando tão sério, com tanta paixão sobre um assunto.
- Não dizem por aí que tudo o que é proibido é mais gostoso? Os pecados são proibidos, os pecados são gostosos. Quem não gosta de sair por aí e mostrar o carro novo que comprou? Isto é soberba. Quem não gosta de ter sua conta bancária lotada de dinheiro? Avareza. Quem não se nega a lavar a louça um dia? Como você mesmo diz, "coisa de irmão mais novo"? Isso, meu filho, isso é o orgulho.
- Mas, pai...
- Espera que eu não terminei. Veja: quem não se arruma todo pra ir num casamento? Vaidade. Quem não sente prazer em ver aquele valentão da escola se dando mal? Ira. E agora, vai dizer que não é bom ficar com duas garotas ao mesmo tempo? Luxúria, meu caro, luxúria. Pecados são os prazeres da vida.
- Pai. Eu só quero saber porque você come tanto assim.
- Eu vou chegar lá, calma.

Quando voltou da cozinha, Zenon trazia uma bandeja com diversos pratos diferentes. Uma tigela de estrogonofe, um prato de crepe, um tuppeware com arroz e feijão, uma banana caramelizada, um bife à cavalo, um empadão de camarão e uma fatia de torta de limão.
- Do que você mais gosta aqui, filho?
- Não sei. O empadão, talvez.
O pai empolgara-se.
- Mas e do que você PRECISA?
- Do arroz e feijão?
- Não, Aaron. De tudo. Você precisa de tudo. A gula é o único prazer insaciável. O único pecado remanescente.
O garoto estava se doutrinando:
- Como?
- Você não precisa comprar um carro novo todo dia para se satisfazer. O valentão não precisa tropeçar a cada três horas pra que você sinta o corpo ardendo de prazer. Ninguém precisa traia a mulher a vida toda para viver sorrindo. Mas comer sim. Comer é necessário, todo dia. Você precisa ter esse prazer para manter seu corpo funcionando. Você precisa cometer o pecado da gula pelo menos três vezes por dia para ter uma vida saudável. Comer, meu filho, é o maior prazer da vida. O maior porque é infinito.
Aaron agora olhava com orgulho para o pai. Aquele sábio comilão.
- Vai, coma. Essa bandeja é toda sua. E você só sai daqui quando estiverem todos os pratos limpos.
Beijou a testa do filho. Aaron fora iniciado. Estava garantida a doutrina da família Silva por no mínimo mais uma geração.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Sou o famoso pai, conhece?

Nunca tive problemas com meu pai. A gente se vê tão pouco que nem dá tempo de se criar intrigas.
Ele saiu de casa quando eu era muito pequeno, nem me lembro. Eu devia estar com uns dois anos. De lá pra cá, nos vimos uma, duas vezes por ano, quando muito.
É que ele mora longe, e normalmente não tem dinheiro pra vir pra cá ou pra que eu vá pra lá.
Mas pai é pai. E o fato é que eu o amo. E ele também me ama, eu acho.

Outro dia eu trocava os canais da televisão lá de casa. Fugia das novelas e programas de auditório – tanto que no final só me sobraram reprises de jogos de futebol e mesas-redondas.
Num dos tantos intervalos comerciais, dei aquela famosa zapeada. Bati meu recorde: menos de três segundos em cada canal. De passagem, ouvi uma voz conhecida. Era o pai.
Não era nenhum programa estilo Ratinho ou "Problemas de Família, com Márcia Goldsmith". Era algo como um talk show, um programa de entrevistas bem ao modelo Jô Soares.
Eu pensava: o que raios será que o velho está fazendo lá?

Parei para ver a entrevista. Ainda estava no começo, nas apresentações formais.
Era um canal desconhecido, entre o 70 e o 90. Ninguém vê, mas eu estava assistindo. E não sei por quê sabia que meu pai sabia que eu estava vendo.
Está famoso, o danado! Bem... famoso, famoso, ainda não. Mas estava no caminho.
O apresentador perguntava sobre a sua vida, o que fazia quando era criança, se tinha alguma história engraçada pra contar. Uma hora perguntou sobre sua prole, ó apresentador chato.
Meu pai engasgou. Afinal nem ele sabe onde estão os seus tantos filhos.

Eu ainda não sabia porque ele estava lá, não sabia porque era famoso. Mas estávamos falando sobre mim, de uma forma ou de outra.
Quando o chato do apresentador perguntou ao meu pai sobre seu filho famoso eu senti que ele se atrapalhou inteiro (o pai, não o apresentador). Eu achei que ele não se sentia bem em falar sobre algo que não entende muito, sobre um assunto que não havia estudado com tanto afinco antes da entrevista.
Queriam saber o que ele achava do trabalho do filho, como era ou estava sua relação com ele (ou comigo, como queiram), se ele tinha planos de trabalhar em conjunto. Mas ele não respondia. Estava mudo, o pai.
Surgiu-me aquela angústia. Ora, será que ele vai admitir que nunca foi presente? Será que ele vai explicar, publicamente, os reais motivos de tanto espaçamento entre as visitas? Será que ele vai explicar o que raios estava fazendo naquele maldito programa?
Então o apresentador, o chato, chamou os comerciais.

Como não há angústia que não se cure com um viciozinho inocente, peguei meu controle remoto e tornei a zapear nos canais. Ah, como isso é bom! É como uma fuga da realidade, afinal eu posso escolher a minha fantasia.
"Ó Alberto Marcos, não me deixe!" Deixo, deixo sim sua mexicana mal dublada.
"E não é só isso! Com esse revolucionário produto você..." Revolucionário produto é o controle remoto: zap!
Até que me lembrei que já devia ter começado o segundo tempo daquele clássico de 1981 que estava passando no canal de esportes. Quase perdi aquele gol antológico do mais memorável dos memoráveis pontas esquerda que existiram.

Quando lembrei da entrevista, voltei correndo ao canal (78? 79? Vai saber). A essas alturas já passava um programa sobre pesca, provavelmente gravado durante a segunda guerra mundial.
Enfim, não sei o que meu pai fazia naquele programa. Não sei porque agora era famoso. Não sei o que ele disse – ou se disse – sobre mim. Continuo não sabendo nada sobre a nossa relação, a não ser que ele me liga a cada seis meses dizendo que está na cidade.
Tanto faz. Melhor assim.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Negatividade

- Vai ser assim então?
- Não.
- Você não vai falar comigo?
- Não.
- Me conte o que aconteceu.
- Não.
- Vai me fala.
- Não.
- Eu estou com fome e você?
- Não.
- Poxa, só quero te agradar. Fala comigo vai.
- Não.
- Você só sabe falar não?
- Não.
- Você sabe que isso me irrita.
- Não.
- Vamos dar uma volta, pra gente conversar?
- Não.
- Você esta sendo chata.
- Não.
- Eu vou embora então!
- Não.
- Então, vai falar comigo?
- Não.
- Me diz, o que eu fiz para você ficar desse jeito?
- Não.
- Você deve estar se divertindo com isso.
- Não.
- Então pare.
- Não.

Prooooooouuuufff! (barulho de uma bufa)

- Seu porco!
- Ahhhhh... agora sei como fazer você falar.

Marcos, o Marcos

Marcos Correia dos Santos e Silva é um rapaz de classe média, nem pobre nem rico, que mora num bairro nos arredores do centro da cidade. Seu apartamento tem três quartos, dois banheiros, uma sala de estar com sacada, uma sala de jantar, uma cozinha e uma lavanderia, onde vivem, além dele, o irmão mais novo, o pai e a madrasta. Sua mãe saiu de casa quando ele ainda era garoto, porém sem brigas nem rancores, e eles se vêem aos fins de semana, de quinze em quinze dias.
Atualmente está desempregado, mas acabou de se formar em direito numa faculdade privada, onde conheceu Julya. Eles namoram há dois anos e fazem juntos o curso preparatório para o exame da OAB. Marcos é fiel, na medida do possível. Nunca chegou às vias de fato, mas sempre que sai sem Julya sente atração por outra mulher. Uma vez a menstruação dela atrasou e eles temeram uma gravidez. Foi apenas um susto, entretanto desde então planejam alguma coisa parecida com casamento.
Todos os sábados, às 4h da tarde, Marcos e os amigos jogam futebol na chácara do Paulo, um filho de promotor de justiça. Sempre que dá eles emendam um churrasco, que normalmente é um fracasso de público. Quando dá, ainda, eles saem juntos na balada, "para manter a união". Ficam bêbados, falam besteiras, tiram rachas de carro, vão em bordéis, mijam na rua. Enfim, tudo o que dá pra fazer entre amigos.
Marcos tem uma vida normal. Não se atola em dívidas, se diverte, estuda, procura emprego, pega ônibus, usa o carro da mãe, viaja com os amigos, joga videogame, come Sucrilhos com leite e assiste filmes. Nem para ouvir músicas ele tem problemas, já que suas músicas preferidas tocam na Jovem Pan. As mais antigas, que já "saíram de linha", ele carrega no seu iPod nano.
Enfim, Marcos não tem história alguma para contar.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Maria

Sem ela não seria a mesma coisa:
- Ó Maria, volte! – Implorava sob a sacada.
- Não enche, Paco. Já falei que não quero mais.
- Ora, o que aconteceu? Porque está fazendo isso?
Como ela não respondeu, Paco catou suas coisas pelo chão e saiu, cabisbaixo. Na pracinha, encontrou Abu, o árabe:
- Oi Abu. Cara, a casa caiu: Maria não quer mais.
- Batata?
- Batata.
- E agora? O que você vai fazer?
- Ah, vou atrás de outra. Acho que a Pati aceita. Vou ligar pra ela.

A Competição
Estavam as seis equipe alinhadas no front. O time de Paco contava com Abu, Tito, Polenta e, finalmente, Pati. Era uma daquelas corridas de aventura, e o juiz deu a largada:
- Equipes: exigimos, acima de tudo, respeito. Em suas marcas... Vão!
Aquela correria. Paco planejou ganhar tempo na primeira etapa, com as bicicletas. Formaram uma fila com Polenta na dianteira, que disse:
- Paco, viu quem tá na equipe do Aloízio?
- Não. Quem?
- Maria.
- Maria? A minha Maria? A nossa Maria?
- Pois é.
Então Paco caiu de sua bicicleta. A partir desse dia, sempre que podia, mandava a dupla Aloízio-Maria aos diabos.

Simba, o Cão Guerreiro

Sabe-se lá de onde, todos os sábados, Teobaldo aparecia, anunciando a plenos pulmões:
- Flhote! Olha o filhote de cão! Não tem raça nem pedigree, mas tem força pra domar um touro! Olha o filhote!
E assim seguia, até que a carroça se esvaziasse por inteiro.
De fato, os cãezinhos tinham uma força sobre-humana (ou sobre-canina, como preferir). Eram criados desde o primeiro dia de vida com vitamina de leite com pêra e muita aveia Quaker. Teobaldo os fazia brincar com singelos mordedores de chumbo, que era pra "mor de eles ganharem mais força nos dentes". Aprendiam a saltar sobre cercas e caçar patos, a montar guarda e render o adversário. Enfim, cresciam preparados para a guerra. Aos seis meses eram soldados formados, prontos para subirem na carroça e serem recrutados para a permanente batalha da cidade grande.
Um dia nasceu um filhote desgarrado, daqueles que nem força tinha para mamar nas tetas da mãe – quanto mais para carregar mordedores de chumbo. Nem com a série especial de treinamentos ele foi capaz de pular uma cerca. Uma vez o viram correndo atrás de um filhotinho de pato mas, suspeita-se, era só brincadeira de criança. Fazia tudo com muito esforço, por obrigação. Teobaldo, seu General, não tolerava corpo mole.
Porém, como nesse mundo capitalista não há trégua pra ninguém, aos seis meses, Simba, como passou a ser chamado, subia na carroça e partiu para a cidade. Teobaldo anunciava:
- Flhote! Olha o filhote de cão! Não tem raça nem pedigree, mas tem força pra domar um touro! Olha o filhote!
E assim seguia, até que a carroça se esvaziasse por inteiro.
Mas nesse dia, claro, um cachorro não foi vendido. Senão seria um dia como outro qualquer e daí não teríamos história. O cão, claro, Simba.

A Batalha
Teobaldo, negociante que era, não desistiu:
- Flhote! Olha o filhote de cão! Não tem raça nem pedigree, mas tem força pra domar um touro! Olha o filhote!
E assim seguiu, até um pouco mais longe do que o habitual, para ver se a carroça se esvaziava por inteiro.
Quando Teobaldo percebeu, já se passavam das onze e o vento gelado lhe cortava o rosto. Estava num lugar distante, com algumas casinhas aqui e acolá, escuro e deserto. Nenhuma pessoa a andar pelas ruas. Aquele caipira grilhão, vestido de couro de jacaré – por ele mesmo curtido – da cabeça aos pés, com as mãos marcadas pelo trabalho e o rosto rijo como pedra, estava com medo. "Medo de gente", pensava. Mas estava. Pela primeira vez Teobaldo teve medo. Pela primeira vez Teobaldo conversou com um dos seus animais:
- Escuta aqui, Simba. Eu treinei você para ser um guerreiro. Você tem que nos tirar daqui. Vamos! Pra casa!
E, como se aquele cachorro tivesse nascido justamente para amolecer o coração do caipira, Simba saltou heroicamente da carroça e tomou a dianteira do cavalo.
Andaram por mais de duas horas. Teobaldo sentia que estavam no caminho certo e foi tomado de orgulho daquele cão sem raça nem pedigree, mas com inteligência suficiente para voltar pra casa, esteja onde estiver. Subiram mais algumas ladeiras, cruzaram montes e vales, fizeram paradas em leitos de córregos, dividiram alguns biscoitos. Simba fazia um caminho diferente, mas era o certo para voltar para casa.
Certa altura, chegaram a um ponto movimentado da cidade, conhecido e iluminado. Alguns remanescentes da noite circulavam por ali. Guardas faziam suas rondas e feirantes começavam a montagem de suas barracas. Teobaldo não se conteve. Saltou da carroça e foi correndo abraçar Simba, seu cachorro salvador. O cão que os levou de volta à segurança. O animal que tinha vindo para salvar os corações rancorosos do mundo.
Quando abaixou para abraçar o cachorro, Teobaldo sentiu algo no pescoço. Foi como se tudo se apagasse de repente, e toda força acumulada por toda aquela vida intensa de batalhas se esvaísse num segundo  O sangue que lhe escorria pelo peito anunciava o fim. Eras os treinados dentes de Simba, o cão guerreiro, o soldado que agora exigia sua liberdade, cravando a mandíbula no pescoço de seu General.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Elas

7 anos

Carolina, por ela eu fazia meus desenhos (helicópteros, carros e bonecos de palito). Ela era a única garota da sala (1ª série) que tinha um estojo tipo do James Bond, com apontador, régua, tesoura e tudo mais tudo acoplado. Foi a primeira garota a andar de mãos dadas comigo. Mesmo que por longos 8 segundos escondidinhos atrás da escola no recreio. Estudamos juntos até a metade da 3ª série, depois ela se mudou. Nunca mais a vi.

10 anos

Ana, a Aninha foi quem me deu o meu primeiro beijo. Adorava os aniversários da minha prima Andréia, melhor amiga da Ana, sempre rolavam umas brincadeiras bacanas. Casamento atrás da porta, verdade ou desfio (na versão ‘for kids’) e outra que inventavam na hora. Mas a Ana foi o primeiro beijo e nunca mais. Dizem que foi para um colégio interno e virou freira. Eu hein!


12 anos

Daniela, o segundo beijo e uma coisa que eu não imaginava que as garotas faziam. A Danizinha, como era chamada, beliscou minha bunda. Hoje ela trabalha como promoter de uma casa noturna e hoje vive com sua namorada em São Paulo.


14 anos

Vanessa, me ajudou a descobrir que a diferença entre meninos e meninas não era só que a garotas não sabem jogar bola e só se preocupam em como ser igual as suas amiguinhas. Vi que meninos e meninas eram diferentes mas por um motivo muito mas nobre. Vanessa foi meu primeiro quase.


16 anos

Mariana, finalmente aprendi o que é bom na vida. Mas também descobri que ainda tinha muito o que aprender. Ah Mariana Mariana... você merecia uma estátua!


17 anos

Cláudia, a professora de química. Com ela aprendi o que é ser usado por uma mulher mais velha e experiente.


18 anos

Camila, a primeira namorada. Tudo nela era uma beleza, até o ciume que ela tinha sua doçura. Como disse o poeta desconhecido: quando o garoto sente o cheiro da brilhantina, depois disso ele nunca mais será o mesmo! E não fui mesmo, foram dois anos de fidelidade e amor eterno, até que acabou. Fiquei sabendo que ela casou com um cara que canta numa banda de forró lá no Piauí.


20 – 27 anos (auge da minha boemia)

Regina, Cláudia (a professora), Marcela, Ana Maria, Ana Tereza, Ana Cláudia, Raquel, Melissa, Tatiana, Flávia, Leila, Francine, Patricia, Luana, Jaqueline, Mara, Alice, Isabela, Isadora, Paula, Bianca, Roberta, Cátia, Simone, Luciane, Laura e mais as que não lembro o nome. Foi um tempo bom, não da para negar.


30 anos

Marília, tinha quase os mesmo gostos que eu, comida, cores, livros, filmes, esportes... Tudo a gente concordava em tudo. Adivinha!? Claro que eu casei com ela, sabe aquela coisa imbecil de sossegar na vida, para de putaria, ser sério e tals... Nós combinávamos até que um ano depois de casados acabou...


68 anos

Márcia, essa mulher cuida de mim. Esta comigo desde a hora que acordo, é ela quem faz minha comida e me põe para dormir. Ela é minha enfermeira. Mas ahhhh se eu tivesse meus 20. Ah se eu tivesse...


Fim

O meu 11 de Setembro

Pâmela a recém-contratada era o assunto do momento, toda a rapaziada comentava seus dotes e curvas. Até as mulheres falavam dela, umas falavam bem e outras mais invejosa ou por despeito mesmo vivam a procurar defeitos na nova designer. A garota não tinha namorado, era muito simpática, nunca negava de ir em alguma festa ou reunião após o trabalho para aquela gelada no bar do Beto. Era sempre boa companhia e logo se enturmou com todos.

Com o tempo fomos ficando mais próximos por causa do trabalho, e ainda mais por termos amigos em comum. Por exemplo eu estudei com a irmão do cunhado dela, e ela trabalhou na mesma agência de publicidade que eu trabelhei. Eramos amigos só isso, nada mais. Até que começaram os comentários pelo corredores. “Ai galera viram o novo casal? Bruno e Pâmela” e assim sem motivo algum, pois eu e Pâmela só trabalhávamos na mesma sala, no mais saiamos com todo o pessoal do trabalho.

E assim foi durante um tempo, até me afastei um pouco dela para não dar muito motivo para as línguas afiadas da galera. Com o tempo só os falávamos por email e a amizade foi esfriando. Certo dia uma amiga minha me avisou que uma garota me perseguia, no mercado. Disse a ela que devia ser um mal entendido e não deveria ser nada. Mas essa mesma amiga avisou que viu a mesma garota me seguindo agora na rua e no bar do Beto. Contou que essa garota ficou do outro lado da rua escondida tirando fotos e anotando alguma coisa numa caderneta.

No dia 11 de setembro de 1998, tudo parecia normal, as pessoas, o trabalho, o trânsito, o vendedor de pipoca, a velhinha da farmácia... o trabalho foi tranquilo, sem nenhum fato que mudasse o rumo da humanidade. Na hora de ir embora o telefone da minha mesa tocou duas vezes e quando eu atendia não diziam uma única palavra. Não dei muita importância. O telefone tocou mais uma vez, atendi aos berros perguntando quem estava fazendo aquela brincadeira, mas dessa vez era a Júlia, aquela amiga que tinha visto a moça me seguindo, peguntando se eu queria tomar uma depois do trabalho. Disse que sim, mas tive que ficar até um pouco mais tarde no trabalho porque um cliente chato pacas, resolveu me aporrinhar logo na sexta feira.

Sai do trabalho e já eram quase oito, liguei para a Júlia e aviso que já estava saindo. Resolvo ir apé pois o bar era ali perto, no caminho percebi que um casal que passava do outro lado da rua, olhava estranhamente para trás de mim como se algo errada estivesse acontecendo. Quando eu olho era Pâmela com uma arma na mão apontando para mim. “Você não devia ter feito aquilo comigo. Como pode sumir da minha vida sem em dar uma chance” dizia ela aos berros. Quando tentei acalma-la um tiro acidental me acertou.

Fim

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Timidez

Estavam, os dois, bebendo no bar:
- Fica de olho que ela está a te paquerar.
- Conversa.
- Que nada! Todo mundo percebe. Vai fundo.
Cristovam, que era muito tímido, ainda tentou desconversar.
- Não mesmo. Ela é muito bonita, não é pro meu bico.
O amigo foi enérgico:
- Que isso, rapaz!? Aproveita!

O Contato
Durante a semana, Cristovam passou a observar as atitudes da moça. Lurdes era uma menina linda, estudiosa, beata, enfim, um tesouro. Não era possível que estivesse lhe dando bola.
Mas, um dia, entraram no mesmo coletivo. Ele, muito envergonhado, ainda ouviu Lurdes pedir licença antes de sentar do seu lado:
- Que coincidência te encontrar aqui, Cristovam.
- Pois é, –  e tomou fôlego (leia-se coragem) – como vai, Lurdes?
- Ah, eu vou bem sim. E você?
E assim seguiu até que ele descesse dois pontos antes do habitual. Lurdes era, além de tudo, simpática e com um papo muito agradável. Ela, de certa forma, conseguiu vencer a timidez de Cristovam

O Encontro
Passadas duas semanas de seguidos encontros no bonde, resolveram marcar de se encontrar:
- Tenho um apartamento assim, assim. É do meu tio Mário. Podes me encontrar lá amanhã à tarde.
- Feito.
- Então até lá.
No dia seguinte, no horário combinado, Lurdes apareceu toda de preto, num vestido emborrachado e colado ao corpo. Sedutora como nunca visto antes. Cristovam surpreendeu-se:
- Que é isso, Lurdes?
- É assim que eu sou, entre quatro paredes.
- Prefiro você lá fora, então.
Saiu deixando a moça sem ação, no apartamento do tio Mário, em plena Nossa Senhora de Copacabana.

terça-feira, 17 de abril de 2007

A avó do Batman

Era uma vez uma senhora muito velha, daquelas bem velhinhas, daquelas
que andam devagar e meio corcundas até. Sempre cortês e gentil, vendia
salgados em uma empresa de laticínios aos funcionários. Todos gostavam
de Dona Armênia, porém um mistério acompanhava aquela mulher. Ninguém
sabia onde ela morava, se ela tinha família e muito menos qual era a
idade dela.

Certo dia Wilson resolveu seguir a Dona Armênia para descobrir seus
segredos, ou pelo menos tentar. Então numa sexta feira logo que Dona
Armênia saiu da fábrica de laticínios, sorrateiramente seguiu a anciã.
Foram quadras e quadras, como aquele velhota andava. E não aparentava
cansaço seguia com seu passo lento mas constante.

Até que em uma quadra algo inexplicável aconteceu. Dona Armênia entrou
num beco sem saída, Wilson foi de fininho para não ser pego no flagra.
Mas quando mansamente colocou os olhos no cantinho do muro para ver para
onde a vendedora de quitutes tinha ido viu Dona Armênia em metamorfose.

Ela foi murchando, murchando, murchando cada vez mais virou um morcego e
nunca mais voltou.

Fim

Be-a-bá: Monsieur Feijão

Atendendo à pedidos, o passo-a-passo da criação de um conto, pelo menos da minha parte:

Primeiro eu imagino um objeto. Pode ser qualquer coisa, grande ou pequena, quente ou fria, sei lá. Vejamos: sal, por exemplo. E é daí que sai todo o processo.
O sal me leva até o tempero da paella, que me leva até a Espanha, que me põe no meio duma arena de tourada.
Ou então, ou então!
O sal me leva até uma salina, que me leva até o mar – ou melhor, que está no mar –, que, por sua vez, me leva até qualquer lugar do mundo. Muito amplo.
Outra chance:
Sal me leva até um saleiro Cisne, que me leva a um mercadinho de esquina, que me leva até o restaurante do Jardel. Agora vai.
Imagino uma área generosa, como se fosse a sala de um casebre antigo. Aliás, o restaurante em si é uma casa velha, daquelas que têm um espaço embaixo para guardar tranqueiras e vermes.
A suíte do casal virou área de fumantes, e o quarto da filha mais nova agora é a sala de espera, com dois velhos cavalinhos de balanço para as crianças. O nome ainda é do tempo que o avô de Jardel tocava o negócio: Lancheria do Tata. Hoje eles servem pratos feitos e buffet, mas isso não vem ao caso.
Ok, o sal. Vamos ao sal.
Eis que certa vez aparece um homem finíssimo na lancheria, daqueles de cartola e fraque. Parece saído de um filme do Carlitos. Marilda é quem o atende:
- Pois não, senhor?
- Bom dia, mademoiselle. Eu queria uma porção de repasto, si vou plé?
- Ih, Sêo França, aqui nós não tem isso aí não. Pasto tem na fazenda do Miranda. Fica a uns dois quilômetros daqui.
- No, no. Creio que mademoiselle compreendeu mal. Eu quero comer alguma coisa. Alimento, comida, entende agora?
- Ah, claro. O senhor vai de P.F. ou bifê?
- Bifê é carrrne?
- Não, não, senhor. Bifê é essas bacia aqui. Hoje tem arroz e feijão, salada de repolho, macarrão na manteiga e batata-doce. E o senhor pode escolher uma carne também.
- No, merci. Quero o outro mesmo.
- Dona Mariiiiia! Salta um P.F. pro francês!
O homem senta numa mesa perto da janela. Nem bem começa a pensar nos motivos que o levaram a entrar naquele restaurante e surge o garçom, Zulu, segurando seu prato com apenas dois dedos.
Zulu é um negrão de quase dois metros de altura, que vive suado, com a camisa aberta até o umbigo e uma corrente dourada escrito “PEGA REX”.
- Me-merci, monsieur.
- É três real.
- M-mas eu tenho que pagar já?
- São normas da casa.
Tremendo, paga.
Quando terminou de engolir a primeira garfada – ta, ta, antes ele temperou a salada com o bendito SAL –, sentiu um fio grosso de cabelo lhe roçando o céu da boca. Mantendo a austeridade, chamou Marilda:
- Pois não, Sêo França?
- Mademoiselle, pardon. Tem um fio de cabelo na minha refeição.
- Ih caraca! Deve ser mais um cabelo do saco do feijão. O senhor me desculpa que eu já vou resolver.
E, virando-se para o balcão, chamou Zulu até próximo da mesa:
- Troca o prato aqui pro moço, Feijão. Quantas vezes eu vou ter que te dizer pra lavar as mão antes de cozinhar?

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Dois – Outra Versão

Releitura feita por Maycon Dimas, numa situação onde o homem já não está sóbrio, porém ainda não está bêbado. Pelo menos no começo:

- Apartamento.
- Uma casa, e no campo! Mas de frente para o mar, meio, assim, híbrido sabe? Imagine aquelas janelas esverdeadas, grandes, com uma rede pra poder deitar e passar o dia só olhando. [gole] Aquelas casas que você vê no morro quando está na areia de Ubatuba, tomando sol. Nunca se sabe de quem são! E a gente fica imaginando: ora, como será que eles chegam até lá?
- Azul.
- Ah... cor é um negócio meio assim, assim. Aqueles dias que eu acordo meio triste, eu gosto de uma roupa preta, porque não quero chamar muita atenção [gole]. Mas quando eu sonho só com coisa boa visto logo aquela jaqueta amarela que é pra todo mundo me ver! É incrível, parece que todo mundo quer conversar com você daí. [gole, babando] Mas a parede do meu quarto é azulzinha, tipo azul-calcinha.
- Salada.
- Ah, sai fora. Bom é porcaria [gole]. Sempre que dá, eu vou no mequi, peço uns dois números de cara e mando ver [gole]! Mas pra domingo não tem nada melhor do que aquele churrascão na casa do tio Mário. Todo mundo tem um tio Mário. É sempre aquele tio que conta as piadas, que se suja todo fazendo a carne. Aquele tio que todo mundo queria ser mas não tem coragem [gole]. Mas vamos combinar, hein?: nada melhor que aquele arrozinho com feijão da vó, hummmm! [gole]
- Frango grelhado.
- Ah não! Bom mesmo é aquela costela bem gorda [gole]. Garçom, outra gelada aqui! Aquela costelinha de porco, costela borboleta. Você já comeu no Tobias? Nossa, lá é maravilhoso! Se você pede costela gorda ela vem com aqueeeela capa branca...
- Credo.
- [gole] Haha[engasgo]hahaha...
- Balada.
- Obrigado, chefia. Quê? Balada? Bah, que nada. Bom mesmo é bar, olha isso [gole]. Olhe em volta, veja as pessoas felizes. Não tem nada mais sociável do que a cerveja [gole]. Você vem aqui e faz amigos, muito amigos. O cara do balcão, o garçom, os malucos da mesa do lado. [gole, O gole] Ah, isso sim que é vida.
- Gato.
- Ui, odeio gato [gole]. Na verdade eu tenho medo. Uma vez um primo me jogou um gato que me arranhou a cara; Daqui até aqui, ó [sobre a mesa], tá vendo? Foi sinistro, quase pegou no meu olho [gole]. Mas animal? Deixa eu ver [gole pra pensar]. Acho que eu gosto dos tubarões. Pensa comigo: aqueles bichos não dormem, são sanguinários e sociáveis. De certa forma eles têm um charme [gole]. Sabia que os tubarões não podem parar porque senão falta ar? É, eles respiram com a pele, têm que ficar sempre se mexendo [vira o copo, enche o copo, deixa vazar, tira o rótulo].
- Gatos são espertos e charmosos.
- Tubarões comem gatos. E os donos dos gatos se estiverem juntos.
- É, e correm atrás do próprio rabo. Hahaha...
- [gole, baba] Que nada. É só uma forma pitoresca de nadar.
- Ok, não muda de assunto. Caipirinha.
- Sai fora, cerveja é o canal [vira o copo, outra vez].
- Chocolate.
- X-qualquer-coisa, bem gordurento [gole, arroto contido]. Bem porco, tipo aquele da lanchonete Xiang perto da faculdade. Chocolate só se for branco, e olhe lá. Isso é coisa pra meninhas [vira o copo, mais uma vez]. Ô colega! traz mais uma aí.
- Wolverine.
- Wolverine é massa. Mas quando eu era criança eu era o Jaspion [hic, opa!]. Sei lá porque, ele parecia mais forte [gole]. Ele crescia, lutava contra robôs [faz robô, derruba garrafa]. Sei lá. Mas dos X-man? deixa ver... Aquele das cartas, como é que é nome dele mesmo? [gole, arroto] Desculpa. Eu não lembro, como é que é o nome? Sei lá, desisto. Segue o baile.
- Cordel do Fogo Encantado.
- Você é estranha [gole]. Esses caras dessa banda são uns macumbeiros. Aquele nomes estranhos que eles dão pra músicas: O Teclado Escondido da Maria Joaquina OU [exclamação, mão nas costas do garçom, não, não é nada, acertei sem querer], OU A Silhueta Perfeita do Fantasminha Camarada. Eles são sinistros! [gole] Presta atenção: quem é que dá dois nomes pra uma mesma música e ainda escreve no encarte dos cds?! E esses nomes ainda, fala sério [enche o copo]. Garçom, traz mais uma. Como acabou? Que bar é esse que acaba a cerveja?! Cacete. Então me vê um conhaque. Mas me manda um bom, tipo um Hennessey. E com gelo [vira o copo, põe na bandeja]. Do que a gente falava mesmo? Ah, banda né? Então... Eu gosto de uma pegada mais ácida, umas bandas gringas, sabe? Sei lá, Foo Fighters, sei lá. É, Foo Fighters mesmo.
- Friends.
- Puuutz, Friends é ótimo! Obrigado garçom [mexe o gelo]. Lembra aquele episódio que a Phoebe recebe aquele irmão estranho dela? "Eu gosto das coisas que derretem – e não gosta do que? – das coisas que não derretem", hahahaha! [golão no conhaque] Tsc, ahhhh, esse é dos bão! O verdadeiro uísque brasileiro.
- Tv e novela.
- Nuuunca [gole, soluço]. Eu jogo video game, computador. Sou descolado [gole, gole, soluço, gole]. Mais um desses, garçom. Agora eu to viciado naqueles poquer de internet. Nossa, é muito bom. Pena que fica difícil de blefar, mas eu to muito bom. Sabe que blefar é como um arte, né? Você tem que passar toda a confiança de quem tá falando a verdade, mas na real tá mentindo! Eu sempre jogo lá em casa – obrigado, xará – com a minha mãe e tal. Eu fico com pena de blefar com eles, mas jogo é jogo. Eu minto mesmo [gole].
- Mário Bro's.
- Haha... Velhos tempos! Hoje em dia é só Winning Eleven, mulher [gole]. Esse jogo é animal. Eu sei de uma história que os caras que inventaram são tipo deus lá no Japão. Tá, não sei se e verdade isso, mas se eu conhecesse os caras eu ia criar uma igreja pra eles [gole]. A Igreja Quadrangular do Triângulo Redondo, hahahaha!
- Por que você riu?
- Do Mário Bro's, vai, continua.
- Seu bobo. Orkut.
- Olha que coisa mais fútil. Orkut é coisa de quem não tem o que fazer, que fica mandando recadinhos [gole]. E odeio quem fala "scraps". Ai, te mandei um "scrap" e você não respondeu. Ai, ai, "scrap", "scrap". Isso é uma putaria. É recado, tá escrito recado lá e pronto, cacete [golão]. Caraca, vou mijar.
Minutos depois...
- Publicidade.
- [com outro copo] Publicidade é coisa de capitalistas mercenários! Sou socialista, marxista, revolucionário! Sou do time de Jornalismo [gole]. Lá no banheiro tinha um negócio escrito, muito engraçado. Tipo assim, Jesus cagou aqui. Muito mal gosto, mas foi engraçado na hora. To com fome, garçom! Ô garçom! Ei, chefia! Manda aquela batatinha caprichada lá pra nós? Valeu, meu chapa.
- Revista.
- Gibi. Qualquer gibi. Eu leio Mônica, Cebolinha, Tio Patinhas, Urtigão, Pelezinho – haha desenterrei essa – eu leio até Tex [gole]. Tex é muito engraçado porque parece mais aqueles livros de quinta categoria que vende nas banquinhas de jornal. Aqueles livros que são de uma histórinha de aventura, sempre com um autor de nome americano – que eu acho que deve ser um brasileiro frustrado –, onde o mocinho sempre fica com a mocinha lá pela página 64 e vence o vilão perto da 90 e poucos [gole]. Muito previsível. Não que eu costume ler, claro. Mas eu li um uma vez, e deve ser todos iguais. O que que a gente tava falando mesmo?
- Último Romance do los Hermanos.
- Los Hermanos, você? Justo você, publicidade.. Mal contada essa história aí. Los Hermanos é tipo banda cult. Já virou até adjetivo: olha lá o cara vestido como quem escuta Los Hermanos, olha esse óculos estilo de quem escuta Los Hermanos [gole]. Você vai no show dos caras e todo mundo usa camisa xadrez lá. O engraçado é que os homens e as mulheres usam a mesma camisa [gole]. Vou pedir outro conhaquinho [gesto mais-um]. Agora música eu não tenho nenhuma especial. Eu gosto daquela Johnny be Good, do Chuck Norris – ! – hahahaha Chuck Norris! É Chuck Berry, hahahaha.
- Corinthians.
- Ihhh, vem falar de futebol? Eu te esmirilho aqui. Olha a batata, beleza. Valeu companheiro. Nem quero te desmoralizar, sabe? Você já torce pro Corinthians e isso é um castigo. Eu sou Flamengo e só isso já me dá um ar de superioridade [gole, tosse, gole].
- Beijo.
- Acho que eu to passando mal... Hum? Beijo? Hummm, beijo! Claro, adoro. Ainda mais que sempre acaba na cama. Acho que vou no banheiro.
- Você.
- [de pé] Ãhn? Você. Você também. Dá licença que eu vou vomitar.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Dois

- Apartamento.
- Casa.
- Azul.
- Vermelho.
- Salada.
- Batata frita.
- Frango grelhado.
- Picanha sangrando com aquela capinha de gordura.
- Credo.
- Hahaha...
- Balada.
- Bar.
- Gato.
- Cachorro, odeio gato.
- Gatos são espertos e chamosos.
- Cachorros comem gatos.
- É e correm atrás do próprio rabo. Hahaha...
- Gatos não prestam!
- Ok, não muda de assunto.
- Caipirinha.
- Cerveja.
- Chocolate.
- X-bacon! Nhaaaaam...
- Wolverine.
- Homem-Aranha.
- Cordel do Fogo Encantado.
- Monobloco.
- Friends.
- Os Simpsons.
- Tv e novela.
- Video game e internet.
- Mário Bro's.
- Haha... Winning Eleven.
- Por que você riu?
- Do Mário Bro's, vai continua.
- Seu bobo. Orkut.
- Messenger.
- Publicidade.
- Jornalismo.
- Revista.
- Gibi.
- Último Romance do los Hermanos.
- Cara Estranho deles também.
- Corinthians.
- Flamengo.
- Beijo.
- Beijo.
- Você.
- Você.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Última Chance

- Compensados DeMartin, bom dia?
- Oi, sou eu. Pode falar?
- Cinco minutos.
- Então me diz... Porque você está fazendo isso comigo?
- Não tem como evitar – é meu jeito.
- Como seu jeito? Pára com isso!
- Sossega, é a vida.
- Nada disso! Você tem que me dar uma chance.
- Se enxerga, Maurício. Aceite as coisas como elas são.
- Como assim aceite? Você diz "aceite" e é tudo?
- É, ué. Simples assim.
- Simples assim? Eu estou desesperado! Faz três dias que eu não durmo direito! To perigando perder o emprego!
- Ora, vá! Se acalme que tudo logo volta ao normal. E pare de fazer tempestade em copo d'água.
- Não é tempestade em copo d'água. Eu realmente estou sofrendo com essa situação.
- Não fala assim... Não fala assim que eu não resisto...
- Não resiste? Como assim?! Ta me estranhando?!
- Não resisto e rio! Hahahaha... Que otário, você, Juca!
- Otário nada! Vamos marcar outro jogo pra hoje à noite então.
- Sai fora, rapaz. Você é um asno jogando Winning.
- Uma revanche. Eu tenho direito a uma revanche.
- Mais uma?
- E quantas for! Eu ainda vou ganhar de você, Maurício.
- Que seja. Na minha casa ou na sua?

O mundo da voltas

- Oi!
- Oi, tudo bem?
- É!
- É?
- É!
- Aconteceu algo?
- Sempre acontece algo. Você sabe.
- Mas dessa vez o que foi?
- Depressão, já ouviu falar?
- Já, claro. Mas quem está deprimido?
- A tua mãe, aquela vaca!
- Porra Maurinho, por que me tratas assim?
- Oras Rubens, porque você me faz perguntas estupidas!
- Foi mal, não quis irritar. Posso te ajudar?
- Pode.
- Como? É só falar, se estiver ao meu alcance.
- Me empresta sua arma.
- Pra quê?
- Eu te mostro.
- Tudo bem, mas olha lá hein. Isso pode sobrar para mim.

Pow, pow, pow!!! Três tiros bem no meio da cara do sujeito, Maurinho
passou Rubens, o ex-amigo, sem pestanejar. Entrou no carro, colocou uma
música tranqüila e seguiu para a estrada com direção ao litoral. Quando
está quase chegando ao fim da serra liga para sua namorada.

- Alô.
- Oi Bia sou eu.
- E ai onde você esta?
- Estou indo.
- Pra onde?
- Logo eu chego lá.
- Lá onde?
- Onde eu quero chegar.
- Lá vem você com esse papo.
- Já sei de tudo.
- Tudo o quê?
- De você e daquele filho da puta.
- Do que você esta falando.Eu e quem? Você está louco?
- Não se faça de idiota, você é bem espertinha na hora de fazer planos.
- Planos?
- Escuta aqui sua piranha imbecil, já sei tudo sobre seu plano de matar
a mulher do Rubens. E depois se mudar com ele para a casa da praia.
- Onde você está?

Maurinho desliga o telefone. Chega na rua da casa onde Bia morava perto
do porto. Liga novamente e avisa Bia que está chegando. Ela sem pensar
direito pensa num jeito de sair dali. Pega uma mochila com algumas
roupas, uma garrafa de água, os cigarros e a bolsa. Escreve um bilhete e
deixa em cima da mesa de centro em frente a tv.
Nisso Maurinho para o carro duas quadras da casa de Bia e segue a pé até
um bar na esquina de onde observa quando Bia entra no carro dela. Antes
dela dar partida liga de novo.

- Estou com problemas no carro. Me espere um pouco, já chego e quero
falar com você.
- Ah é!? Pois fique sabendo que já estou indo embora. Estou na estrada e
nunca mais você vai me ver.
- Não vai me esperar?
- Você é muito burro mesmo. Um derrotado, saiba que desde o começo eu
saia com o Rubens. Nunca gostei de você, nosso namoro foi só um
passatempo. Pelo menos me rendeu alguma coisa. A casa na praia, este
carro, algumas viagens...Você foi usado amorzinho.
- É uma pena. Sabe que eu gostava de você de verdade.
- Pena é o que eu sinto de você. Otário, perdedor, mauricinho de merda.
- Você é bem burrinha mesmo! Achou que um plano idiota desses daria
certo. Mas ainda vou fazer mais um favor. O último.
- O quê?
- Eu fui uma vítima de um erro médico. No meu acidente devido à pressa e
imprudência do hospital, fizeram a tranfusão de sangue sem fazer os
devidos testes de hepatite e HIV. Sugiro que você faça um teste.
- O quê?
- É mocinha, pensei em contar isso antes, mas foi na época que descobri
sobre você e o Rubens. Dei uma chance de você me falar sobre isso
comigo. Mas você não se manifestou. Continou sendo falsa como sempre.
- O quê?
- Fiquei muito mal por isso, perdi o chão. Mas agora é tarde, está tudo
se encaminhando para o fim.

Bia desliga o telefone e no momento em que gira a chave do carro, ele
vai pelos ares. Maurinho vê de longe o clarão provocado pela explosão,
paga a cerveja e volta para o carro com lágrimas no olhos. Volta para a
estrada em altíssima volocidade e enfia o carro em um poste.

Fim

domingo, 8 de abril de 2007

A Surpresa

Quando entrou em casa e se deparou com aquela cena, D. Altiva foi abaixo:
- Jesus! Que coisa horrível!
O rapaz, mesmo com todo seu porte atlético, ficou na defensiva.
- Não é nada disso que a senhora está pensando!
Mas a Dona, tapando os olhos, não podia acreditar no que acabara de ver.
- Ponha-se daqui pra fora, seu desaforado! E não me apareça mais nem pintado de ouro!
- Mas, mamãe...
- Nada de mas. Fora. Fora!
E saiu Dagoberto, escorraçado de casa, sem ter para onde ir.

Perdão
Passaram dois dias sem que o garoto aparecesse pela vila. D. Altiva, de cabeça fresca, achou por bem perdoar o filho. Deu a ordem ao criado:
- Ache Dagoberto e mande que ele volte para casa.
Sabe-se que horas depois ele apareceu, sem camisa e desesperado.
- Soube que mandou me procurar, mamãe.
Ela ainda foi ríspida:
-Sabes que teu erro foi gravíssimo. Não terás vida fácil daqui pra frente.
- Então eu posso voltar para casa?
D Altiva impôs a condição:
- Contanto que nunca mais apareça na minha frente usando aquela camisa do Vasco.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Encontro Forçado

Carlos Demóstenes, o Carlinhos, fez 18 anos e, de presente, foi contratado como diretor de assuntos extraordinários na multinacional do pai. Ganhou uma ampla sala de frente pra Paulista, uma cadeira giratória feita do macio couro de rã e um frigobar 122L com porta de vidro - a vaga na garagem e o Audi 0km ficaram por conta do padrinho.
A família Demóstenes era muito rica. Muito rica. Esnobe e esbanjador - e com um nariz típico dos armênios -, Carlinhos tinha muitas namoradas, todas apaixonadas pela beleza da sua carteira de couro jamaicano. Ele era amigo de Juan, filho da empregada guatemalteca da família, que era quem lhe conseguia as moçoilas. Sua segunda ação com diretor, depois de enfeitar a sala com um tema havaiano de muito mal gosto, foi contratar Juan como seu assessor direto.
Na primeira reunião daquele novo gabiente, a dupla fez uma lista de todas as meninas que poderiam ser contratadas como secretárias. E Carlinho queria muitas secretárias.

A Equipe
Depois de muita discussão, essa não porque é feia, mas é gostosa, então tá, decidiram-se por Paula, Ana e Tássia. E elas nada tinham pra fazer. Passavam o dia escutando Juan falando do chefe, sai fora, olha aquele nariz, nunca que eu vou ficar com ele. Ana foi a primeira a ser demitida por justa causa, e as outras acabaram cedendo aos encantos do caçula Demóstenes.
E assim se foi por oito meses, pra trabalhar aqui você tem que passar pela aprovação do chefe. Foram Marianas, Lúcias, Joanas. Até duas Cremildas foram sabujadas. Juan nunca falhava.
Eis que, subitamente, Carlinhos deu piti, enjoei, não quero mais, já tenho 19 anos e preciso de carinho. E iniciou a quarentena.
Um dia, pelos corredores da empresa, viu Silvinha. Olha-essa-boca! Que olhos. Que cabelos. É ela, Juan. É ela que eu quero. Mas chefe, é a Sílvia, mulher do Sandoval, do financeiro. Não importa, é ela que eu quero, e te pago pra isso. Mas chefe, nada de mas! Ofereça dinheiro se for preciso. Silvinha, é ela que eu quero.

Flerte Fatal
Juan tentou, tentou, tentou e nada. Não quero, não quero, não quero. Amo meu marido. Sílvia, é Carlinhos, filho do presidente. Não!
Juan, que sempre foi pobre, oferecia dinheiro, 50 reais, 100 reais. Necas. Chefe, eu desisto, essa menina é mais acre que a Madre Tereza. Negativo, Juan. Traga-a aqui. Mas chefe, na de mais! Traga.
E logo estava lá, Sílvia, linda, entrando assustada na sala de Carlinhos, o abatedouro, a cova. Meio forçada, claro, mas era ela, Sílvia, no ninho do amor. Bom dia, senhor. Quero você, Silvinha. Mas, senhor, eu amo meu marido. Não importa, eu quero. Nada feito. Eu pago, Sílvia, quanto você quer? 50 mil? 100? 200? Isso, 200 mil, uma vez só. Amanhã, aqui, as 20h00.
No dia seguinte, Sílvia se arrumou. Se perfumou. Se maquiou. A própria fêmea fatal. Na hora em ponto estava lá, meu dinheiro, senhor. Depois. Eu quero agora. Primeiro o sexo. Agora! Sílvia pegou o cheque com a mão direita enquanto a esquerda segurava a faca. Dois segundos depois ela estava no pescoço de Carlinhos. Sílvia, não a faca.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Sobre a crise aérea

(não que eu use aviões)

"Basta de realidade! Queremos promessas!"

Série NR – Quando não é para ser...

Hermes era um garoto prodígio, o aluno número um. O cara! O gênio! O
ícone! Todos imaginavam um futuro brilhante para ele. Agia como se o
mundo fosse dele, que de certa forma era mesmo. Tudo que ele fazia
virava sucesso, o garoto era um espécie de rei Midas. O tempo foi
passando e o sucesso era questão de tempo. Hermes inventou um motor
movido à som, isso acabaria com a luta pelo petróleo e ainda ajudaria o
meio-ambiente. Mas que só seria concluído e apresentado na feira de
ciências. Todos esperavam o grande dia no colégio Guachupé de Monte
Castelo, em Piraporanga do Sudoeste. A feira começou e todos só
esperavam hora de ver o engenho de Hermes. As pessoas não queriam saber
do gato de duas cabeças, que cantava Benito de Paula, que Aninha levou,
ou do vulcão de suco de laranja que Astolfinho fizera e muito menos da
chinchila-rinoceronte que o Teodoro comprou numa loja de antigüidades.

É chegada a hora, Hermes entra na sala com a certeza de que tudo daria
certo, como de fato aconteceu até aquele momento. Mas o mundo é um
moinho, já disse Cartola, e como na canção não o mundo, mas sim um
ventilador de teto se desprendeu do alto da sala e destruiu o projeto de
Hermes. Como um moinho triturou o trabalho de um ano e que brinde ainda
deixou Hermes com síndrome do pânico e com pavor de ventiladores de teto.
Aninha venceu o primeiro prêmio com o gato de duas cabeças. Astolfinho
ficou em segundo e Teodoro em terceiro. Hoje, dez anos depois, Hermes
faz um bico como chapeiro numa barraquinha de hamburguers, que ele mesmo
prepara e tenta a vida como cantor brega em bailes de terceira idade.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Irish Pub

Ambiente com pouca luz, não estava lotado, mas a maioria das mesas
estavam ocupadas. A fumaça de cigarro, o jazz tocava o tempo todo e só
era interrompido por Cartola, Tom Jobin ou raramente por Chico Buarque.
Um dos garçons entre as mesas anotando e servindo os pedidos. Do lado
esquerdo da entrada uma máquina de música, para quem quisesse dividir
seu goto musical com os demais no bar. Dentro do balcão o garçon que
servia as bebidas e James, o proprietário do recinto, também ajudava com
as bebidas.
Todo dia ela entrava no bar, tomava uma dose de whisky e uma água.
Pegava uma moeda e colocava uma música do Cartola, A Vida é um Moinho,
sentava-se sozinha e do balcão sem muito interesse olhava para os
clientes do bar e depois parecia ignorar tudo e todos. Tinha um certo ar
de intelectual, mais pelos livros que carregava do que pelo estilo e os
óculos quadrado (moda entre emos, fãs de Los Hermanos e Indies) que
caprichosamente ela guardava após James, trazer seu whisky.
O Bar do James, sempre foi um reduto democrático, jamais ocorreu alguma
briga ou alguém deixou de pagar a conta. Dizem que apenas quando a
seleção irlandesa ganha dos ingleses, James sem fazer alarde nenhum
oferece uma dose por conta da casa. James é filho de irlandeses, viveu
durante vinte anos em Dublin. Mas foi depois de uma passagem por Belfast
que resolveu voltar para o Brasil, seu país de nascimento, após um
incidente com... fogos de artifício digamos.
A garota com jeito intelectual e óculos quadrado, certo dia resolveu
pedir o seu costumeiro whisky, só que desta vez no lugar da água pediu
uma guinness. James que não era de muita conversa, sempre servia e não
se alongava em conversas com os seus clientes, estranhou o pedido da
moça. Elogiou a escolha, ela retribuiu com um sorriso. E nos dias
seguintes acabou subistituindo também o whisky por duas guinness. A
música continuava a mesma, Cartola.
James certo dia se sentiu a vontade e assim que a moça chegou no balcão
trouxe uma guinness e quis puxar conversa como nunca tinha feito com
nenhum(a) outro(a) cliente do bar. Ela sorri e os dois conversam sobre
suas vidas, sobre a Irlanda e outras afinidades. Depois desse dia James
e Eva (nome que substituiu o 'garota com jeito de intelectual') sempre
ficavam jogando conversa fora no balcão ao som de Cartola.
Isso fez o ambiente do bar mudar, com o tempo James foi tratando com
mais cortesia os seus clientes. O lugar parecia até mais iluminado, e os
freqüentadores sabiam o motivo. Desde que James e Eva se tornaram amigos
o lugar mudou. Certo dia James avisou que não iria trabalhar, deixou um
dos garçons como responsável e foi resolver "uma coisa", foi o que
disse. Claro que ele foi ao encontro de Eva.
Os dois foram jantar num restaurante egipcio, depois foram andando até a
casa de Eva, ela o convidou para entrar e os dois "dormiram" juntos.
Após isso começaram um namoro afinal eles tinham algumas qualidades e
defeitos muito parecidos. Mas Eva escondia algo, isso com o tempo foi
deixando James ressabiado. Até que um dia Eva diz que perdeu o pai,
ainda quando era uma garotinha, mas nunca falava quem era o pai dela e
nem como foi a morte dele.
A relação de Eva e James se fortalecia cada vez mais, e com isso James
pode notar que Eva sempre ficava muito deprimida e depois um tanto
raivosa quando lembrava do pai. James falava de seu pai tentando
confortar Eva, o pai dele tinha sido um importante detetive policial em
Dublin. Ele foi chefe do departamento anti-bombas, um departamento
designado também para acabar com o IRA.
Depois de saber disso Eva pediu para ficar sozinha um tempo, disse que
estava tudo bem, que James tinha ajudado bastante. Ele não entendeu
muito e mesmo assim saiu deixando Eva sozinha. No bar James continuou
tratando todos de maneira gentil e atenciosa, mas Eva já não aparecia
por lá com frenqüência. E foi ficando cada vez mais raro ver Eva no bar,
mas o relacionamento de James e Eva continuava a mesma coisa.
Numa noite chuvosa de sábado, um dos garotos de rua que se escondiam
debaixo da marquise de uma mercearia ao lado do bar, entra no bar e
entrega um bilhete para James e sai, era um bilhete da Eva. Do lado de
fora do bilhete estava escrito: 'abra no carro'! Como o bar estava cheio
James colocou o bilhete no bolso e continuou trabalhando. Acabou
esquecendo do bilhete, na hora de ir embora lembrou-se, mas resolveu
fazer o que Eva pediu no bilhete.
James entra no carro, coloca a chave na ignição e antes de dar partida
abre o bilhete, que tinha os seguintes dizeres: /Querido James, foi
maravilhoso conhecer você. Tudo que passamos foi e será inesquecível. É
uma pena não poder viver mais com você, mas isso aqui é o fim.../ antes
que James terminasse de ler, resolve ligar o carro. Num instante uma
explosão acaba com a calma daquela noite chuvosa. O carro de James vai
pelos ares em pedaços.
No dia seguinte foi encontrado um pedaço do bilhete: /Estou fazendo isso
pela honra da minha família. Seu pai foi o responsável pela morte de meu
pai. Ele não soube como provar que não era o perigoso militante do IRA.
Na verdade era eu quem seu pai procurava, só era conhecida apenas por
meu sobrenome. Por isso confundiram e pegaram meu pai, que não tinha
nada com o IRA. Mas agora seu pai deve saber a dor que é perder alguém
amado.../
Depois disso nunca mais se teve notícias de Eva.