segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Falácia

No escritório não se falava de outra coisa, só sobre a festa em comemoração ao aniversário da empresa. A maioria das conversas eram sobre quem iriam levar e sobre as festas dos anos anteriores. Era um misto de euforia e nostalgia, a festa seria no dia seguinte e o tempo se arrastava. O único que não demonstrava entusiasmado era Gerson, o cara do RH. Quando alguém falava da festa e só dizia que seria mais uma grande festa.

Rita, a secretária, assim como todos do escritório, não sabia muito sobre a vida particular de Gerson. Ele nunca foi de falar muito na família, nunca recebia ligações particulares, a não ser aquelas ligações para confirmar o horário da consulta no dentista. Isso deixou Rita curiosa, que achava que tinha algo de errado com Gerson, que apesar do jeito atencioso com todos os colegas do trabalho, tinha um semblante meio triste. Os dois se encontraram por acaso na mesa do café, e ela perguntou da festa e Gerson, com certa irritação e para a surpresa da moça, disse que ia com a mulher e os dois filhos.

Quando voltou para sua sala, percebeu que tinha dito besteira. Levantou-se e foi procurar Rita e avisá-la que não iria levar ninguém. Porém, os outros colegas já sabiam da novidade. Eles diziam estar felizes, pois finalmente iriam conhecer sua família. Quando Gerson pensou em desmentir, mas viu que iria frustrar os colegas e voltou para sua sala. Ficou sem saber o que fazer e passou o resto do dia pensando em como cumprir sua palavra.

Cinco e meia da tarde, quando todos saindo do escritório, mas Gerson continua lá sem dizer uma palavra. Põe os pés em cima da mesa e fica olhando para o teto com um olhar distante, até parecia não estar ali. Depois de algum tempo, pega o telefone liga marca um horário e sai. Parece estar aliviado, entra no carro assobiando e sai. Nem parecia mais a mesma pessoa, estava cantando e até esboçava um sorriso.

No dia seguinte a festa seguia normalmente, mas Gerson não tinha dado as caras ainda. As pessoas iam chegando e nada dele aparecer. Quando todos já estavam bem a vontade na festa, o pálio cinza aparece no estacionamento, inconscientemente quase todo mundo olha esperando a mesma coisa, esperando para ver o outro lado da vida de Gerson.

Quando o carro para, saem um casal de crianças aparentemente dez e doze anos. Gerson aparece em seguida, ele sai do carro e abre a porta do carona de onde sai uma bela mulher sorridente. Ele chama as crianças para conhecerem os colegas do trabalho, apresenta a esposa e vai para a churrasqueira. Lá ele conta piadas, fala sobre futebol, música, televisão e outras coisas do cotidiano. Nada que surpreendesse, mas as pessoas acharam ele mais humano na festa. Já não parecia aquele cara atarefado do escritório. Rita se deu muito bem com Glória, a esposa de Gerson, até trocaram telefone.

Na segunda feira pós-festa, como de costume, ele é o primeiro a chegar. Parece cansado, está com olheiras como se tivesse passado a noite em claro. O assunto da segunda feira foi a festa e a família do Gerson, todos gostaram das crianças educadas e da mulher que além de bonita era inteligente e atenciosa com as crianças. Gerson desconversava, não queria falar nisso. Rita percebeu e foi perguntar o que estava acontecendo. Gerson, irritadíssimo, contou o segredo: aquelas pessoas não são da minha família, eu não tenho família. Eu paguei para aquelas pessoas se passarem por meus familiares.

Fim

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