sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Solteirão

Era um solteirão convicto. Não que fosse malandro: passava dias, meses sem uma namorada. E nem ligava. Era mesmo um solteirão convicto. Tinha vontade, claro, mas as mulheres lhe enchiam a paciência. "Não tenho saco pra isso", costumava responder secamente a quem perguntasse os motivos de sua solteirice.
Sua mãe temia que fosse homossexual. D. Rosalva era de um preconceito terrível. Dizia que um filho gay era pior do que um filho morto. E sempre que podia, atazanava Mendonça:
- Filho, venha cá. Quando é que você vai me apresentar uma namoradinha, hein?
E ele respondia:
- Quando uma mulher gostar de tomar cerveja e ir ao estádio, mamãe.
Ela se ressentia. Nunca Mendonça acharia uma moça assim.

O próprio Mendonça tinha lá suas dúvidas. "Será que sou bicha?", pensava. Às vezes cogitava entrar numa igreja e pedir para ser padre. Mas não: volta e meia tinha seus acessos e se redescobria macho.
O fato é que ele já estava beirando os 30, e para D. Rosalva era terrível tê-lo ainda em casa, solteiro. Certa vez, falou à mesa:
- Mendonça, meu filho. Eu como sua mãe exijo que você se case. Com uma mulher.
Na hora, ele ignorou, mas sentiu que era um ultimato. Àquela noite saiu decidido a encontrar uma moçoila para juntar os trapos. Fez suas ligações e achou uma pequena para ir ao cinema. Flavinha, o nome dela.

Mendonça escolheu um filme de ação, para de cara testar a menina. Se ela assistisse sem reclamar, já era meio caminho andado. Correndo tudo bem, sairiam dali para um bar, a fim de tomar bons goles de cerveja.
Não deu outra: Flavinha parecia até mais empolgada que Mendonça ao sair da sala de projeção. Falava com entusiasmo da cena do helicóptero e até sugeriu:
- Ei, Mendonça... Vamos no Chinesinho tomar uma gelada?
O rapaz quase sufocou. Aquela menina, além de gostar de tiro e sangue, gostava de cerveja. E ia no Chinesinho, o bar mais fuleiro da cidade. Passou a ver Flavinha com outros olhos.

Perto do amanhecer, os dois estavam aos beijos num canto do Chinesinho. Completamente embriagados, como era de se esperar. Mendonça preparou a cartada final, o grande teste. Disse, cínico:
- Que tal a gente ir lá pra casa? Podemos terminar a noite com chave de ouro, hum?
Se ela aceitasse, era a mulher perfeita: descolada, beberrona e transava no primeiro encontro. O tempo entre a pergunta de Mendonça e a resposta de Flavinha pareceu um eternidade. Ele segurava no encosto com tanta força que as pontas dos dedos estavam vermelhas rubi. Súbito, e com a voz embargada pela bebida, ela respondeu:
- Vou, mas só se você prometer que a gente casa amanhã.
Foram e, para alegria de D. Rosalva, casaram-se no dia seguinte, com direito a véu, grinalda e buquê para as solteironas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu adoro ir no jogo, tomo cerveja e gosto de filme de ação, só falta o Mendonça me encontrar! hehehe