quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Copa 2014, claro

Está certo. Vamos falar de Copa do Mundo. É assunto obrigatório no dia de hoje em qualquer meio de comunicação. Brasil 2014 – O Retorno.
Deixo as análises macroespaciais para a grande mídia. Se a Copa vai ou não provocar um aumento significativo de meio porcento no PIB do país, não sou eu quem vai dizer. Aliás, fazer previsões é coisa dos maiores mentirosos da face da terra: os economistas.
Quero falar apenas do microespaço, ou seja, minha vida. O quanto uma Copa do Mundo vai afetar meus espaços e relacionamentos? A de 2014, por enquanto, nada. A não ser a poupança que vou abrir para guardar desde já o dinheiro dos ingressos.
Gente, faltam sete anos! Para que esse fuzuê todo? Até lá, muita empreiteira vai lucrar com as obras superfaturadas dos estádios e muita politicagem vai decidir coisas que na verdade são puro entretenimento. Se isso não fosse uma análise macro, divagaria extensamente sobre o assunto.
Para mim o que interessa é que finalmente verei os grandes craques do mundo de perto – isso se a CBF não decidir que o grupo da morte, com Argentina, Itália, Moçambique (sim, até 2014 eles poderão ser uma grande potência) e Vanuatu (idem), vá jogar em Tocantins. Verei Alexandre Pato, Giovani dos Santos, Bojan Krkic e, claro, Lionel Messi esmirilhando no meu Maracanã. Todos no auge da carreira.
Como um dos últimos torcedores daquela máfia chamada Seleção Brasileira, só tenho a temer uma coisa: que a euforia pela Copa no Brasil atrapalhe os planos do hexa na África do Sul. Quero assistir ao heptacampeonato.

Uma pergunta: o que raios fazia Paulo Coelho discursando na sede da FIFA? Eu NUNCA li nada dele sobre futebol. E com aquela cara de bicha passiva que ele tem, só deve assistir futebol para olhar as pernas do homens.
Não sei porque, mas toda vez que olho para o Paulo Coelho acho que ele é estilista.
Antes que me crucifiquem, não tenho nada contra Paulo Coelho e muito menos contra homossexuais. Uma das músicas que mais gosto (Canto Para Minha Morte) foi escrita pela dupla de malucos-beleza Paulo Coelho/Raul Seixas; e as melhores pessoas para contar piadas e, principalmente, comprar roupas decididamente são os gays.
Com essa manada de fundamentalistas que temos no Brasil, é melhor explicar qualquer brincadeira antes que dê tempo de cada um fazer sua própria interpretação. Longe de mim querer intriga com o tal Ferréz.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Solteirão

Era um solteirão convicto. Não que fosse malandro: passava dias, meses sem uma namorada. E nem ligava. Era mesmo um solteirão convicto. Tinha vontade, claro, mas as mulheres lhe enchiam a paciência. "Não tenho saco pra isso", costumava responder secamente a quem perguntasse os motivos de sua solteirice.
Sua mãe temia que fosse homossexual. D. Rosalva era de um preconceito terrível. Dizia que um filho gay era pior do que um filho morto. E sempre que podia, atazanava Mendonça:
- Filho, venha cá. Quando é que você vai me apresentar uma namoradinha, hein?
E ele respondia:
- Quando uma mulher gostar de tomar cerveja e ir ao estádio, mamãe.
Ela se ressentia. Nunca Mendonça acharia uma moça assim.

O próprio Mendonça tinha lá suas dúvidas. "Será que sou bicha?", pensava. Às vezes cogitava entrar numa igreja e pedir para ser padre. Mas não: volta e meia tinha seus acessos e se redescobria macho.
O fato é que ele já estava beirando os 30, e para D. Rosalva era terrível tê-lo ainda em casa, solteiro. Certa vez, falou à mesa:
- Mendonça, meu filho. Eu como sua mãe exijo que você se case. Com uma mulher.
Na hora, ele ignorou, mas sentiu que era um ultimato. Àquela noite saiu decidido a encontrar uma moçoila para juntar os trapos. Fez suas ligações e achou uma pequena para ir ao cinema. Flavinha, o nome dela.

Mendonça escolheu um filme de ação, para de cara testar a menina. Se ela assistisse sem reclamar, já era meio caminho andado. Correndo tudo bem, sairiam dali para um bar, a fim de tomar bons goles de cerveja.
Não deu outra: Flavinha parecia até mais empolgada que Mendonça ao sair da sala de projeção. Falava com entusiasmo da cena do helicóptero e até sugeriu:
- Ei, Mendonça... Vamos no Chinesinho tomar uma gelada?
O rapaz quase sufocou. Aquela menina, além de gostar de tiro e sangue, gostava de cerveja. E ia no Chinesinho, o bar mais fuleiro da cidade. Passou a ver Flavinha com outros olhos.

Perto do amanhecer, os dois estavam aos beijos num canto do Chinesinho. Completamente embriagados, como era de se esperar. Mendonça preparou a cartada final, o grande teste. Disse, cínico:
- Que tal a gente ir lá pra casa? Podemos terminar a noite com chave de ouro, hum?
Se ela aceitasse, era a mulher perfeita: descolada, beberrona e transava no primeiro encontro. O tempo entre a pergunta de Mendonça e a resposta de Flavinha pareceu um eternidade. Ele segurava no encosto com tanta força que as pontas dos dedos estavam vermelhas rubi. Súbito, e com a voz embargada pela bebida, ela respondeu:
- Vou, mas só se você prometer que a gente casa amanhã.
Foram e, para alegria de D. Rosalva, casaram-se no dia seguinte, com direito a véu, grinalda e buquê para as solteironas.

Morte e legado

Já ouviste falar em Casimiro de Abreu? Talvez na escola, naquelas aulas de interpretação de texto. Ele tem um poema muito famoso chamado "Meus oito anos", onde lamenta o tempo em que sua vida era apenas um pequeno mar de rosas.
"Oh! Que saudades que tenho/ da aurora da minha vida,/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais/ Que amor, que sonhos, que flores,/ naquelas tardes fagueiras,/ à sombra das bananeiras,/ debaixo dos laranjais".
Tudo muito bonito, muito poético, mas eu digo: hipócrita.
Morreu aos 21 anos, o canalha.

Já ouviste falar em Álvares de Azevedo? Talvez na escola, naquelas aulas de interpretação de texto. Ele tem um poema muito famoso chamado "O anjinho", onde lamenta a morte precoce de seu irmãozinho Manuel Inácio, como se isso fosse um prenúncio do próprio fim.
"Não chorem! lembro-me ainda/ Como a criança era linda/ No frescor da facezinha!/ Com seus lábios azulados,/ Com os seus olhos vidrados/ Como de morta andorinha".
Tudo muito bonito, muito poético, mas eu digo: hipócrita.
Morreu aos 21 anos, o canalha.

O que quero dizer com toda essa ladainha?
Minha hora pode estar próxima, e o que deixe para a humanidade além de um punhado de escarros e gás metano? Porcaria nenhuma.
Em tempo: Janis Joplin, Jimmy Hendrix e Jim Morrison morreram aos 27 anos. Noel Rosa, aos 26. Castro Alves, aos 24.
Você provavelmente já ouviu falar deles alguma vez na vida.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Regras são regras

Cândido era um cara obstinado. Sempre conseguia as coisas que queria. Sempre ia atrás dos seus sonhos. Estudava, trabalhava e fazia de tudo para chegar onde queria e alcançar seus objetivos. Na faculdade de agronomia era um dos melhores, sabia de muita coisa. O que não sabia, ia atrás para se informar. Para os professores, ele era um talento e quando o talento faltava o esforço compensava.

Cândido adorava acampar, sempre que podia pegava sua mochila, calçava suas botas, o chapéu estilo Indiana Jones e sua barraca que ele chamava de toca do gugu. Para os colegas era muito tranquilo acampar com Cândido, ele buscava e cortava a lenha, fazia a fogueira, preparava a comida e ainda contava histórias sinistras e instigantes. Todo mundo gostava do jeitão que o Cândido encenava suas histórias de terror.

Houve um tempo que Cândido pareceu meio cansado das coisas que gostava. Achava que estava ficando chato. Chegou a perguntar isso para os amigos, mas todos discordavam. O fato é que Cândido era uma figurassa, animava quem estivesse por perto. Mas ele estava de saco cheio e pior, sem saber o porquê. Mas de repente, não mais que de repente, ele teve uma idéia. Iria sair por ai, queria pegar a estrada de moto sem destino.

A partir deste momento toda sua atenção estava voltada para conseguir uma moto. A grana estava curta e teve que ralar. Começou a economizar, onde pudesse ele economizava. Até o papel higiênico que era aquele do cachorro, passou a ser de folha simples com aquele coelhinho. Economizou, economizou e economizou. Cândido era um cara que ia atrás de seus objetivos. Tanto fez que finalmente conseguiu a grana para comprar a sua moto.

Cândido estava radiante naquela manhã ensolarada de sábado, e todos sabiam que ele estava prestes a fazer algo que a muito ele queria. Estava estampado no seu semblante que emanava alegria. Chegou com muita autoridade na loja. Detalhe que fizera questão de juntar o dinheiro para pagar à vista o seu sonho de consumo. Uma vendedora bonitona veio atende-lo, apontou para a moto que iria comprar, assinou os papéis da compra. Pronto, mais uma vez Cândido alcançou mais uma conquista em sua vida.

Na saída da loja Cândido colocou o capacete, montou na sua moto sinistrona, deu partida e saiu feliz da vida. Quando chegava em casa para sua surpresa, havia uma blitz da polícia de trânsito. Ele tenta desviar o cerco policial, mas antes que pensasse em mudar de direção uma viatura para do seu lado. O policial, com certa cortesia, pede os documentos da moto e a carteira de habilitação. Ele mostra só os documentos da moto, o policial verifica o documento e pede a habilitação. Ele diz que ainda não tem habilitação, e tenta argumentar. Porém o policial foi irredutível e apreendeu a moto.

Cândido ficou puto pela terceira vez na vida.

Fim

História venérea

Tudo começou em uma típica noite de verão, lá pelos idos de 1978. Era no deserto do Atacama, no México. Ou seria no Alabama? Não sei direito. Que era um dos dois, tenho certeza. Nessa época eu costumava passar os verões num desses lugares pitorescos. Em 79, por exemplo, lembro-me muito bem: fomos eu e o Garcia (grande Garcia, o "macaco paraguaio") para Kentucky, aproveitar a época de caça aos perus.
Mas voltemos à nossa história. Agora tenho certeza, era mesmo no Alabama, a capital mundial da borracha. Passávamos eu e o Lorca, meu amigo espanhol, pela cidade de Tuscaloosa, famoso território dos índios Cree. Usávamos um daqueles V8 beberrões, típicos da época. Se não me engano era um Ford Thunderbird, alugado na Hertz quando ainda estávamos no Tenesse, um pouco mais ao norte. Nesta cidadezinha, que tinha pouco mais de 40 mil habitantes, presenciamos um crime. E, claro, fomos acusados de sermos os assassinos.
Numa cidade de religião protestante, onde só os homens trabalhavam – e todos na extração de borracha em seringueiras de reflorestamento – enquanto as mulheres cozinhavam e os adolescentes ainda nem tinham ouvido falar de rock'n roll, a gente esperava mais o que? Por lá haviam, no máximo, dois assassinatos por ano: um cometido por marido ciumento que pegou sua senhora na cama com o vizinho e outro por maníaco entupido de whisky contrabandeado até o cérebro. Eis que, de repente, por coincidência, chegam dois estrangeiros e uma família inteira é morta com tiros de 12 cano-curto entre os olhos – em pleno Dia de Ação de Graças.
Fomos caçados ainda no hotel. E olha que foi uma daquelas caçadas implacáveis de cinema, já que era pouco mais de 6h da manhã e tínhamos acabado de chegar da bebedeira da noite anterior. Um bando de marmanjos barbudos vestindo camisas xadrez e segurando tochas bateram na nossa porta. "Aqui é o leiteiro", gritou um deles. Nessa hora tive vontade de matá-lo. Quando abri a porta, quase não tive tempo de vestir a cueca: fomos imediatamente levados para ter uma conversa com o xerife. Numa cidade como Tuscaloosa, um xerife é mais do que um xerife: é juiz, pai de família, lenhador, relações públicas, cicerone e, não raro, prefeito.
No caminho para a delegacia, enquanto éramos ovacionados – e eram, com certeza, ovos de avestruz –, tive idéias de que ia morrer. Pensava na minha família, nos meus amigos no Brasil, no filho que eu tinha deixado na última passagem por El Salvador, no consórcio que tinha comprado para um Gol GTI prata lindíssimo. Enfim, na vida. Era minha vida passando diante dos meus olhos. Mas não durou muito tempo: um dos ovos acertou em cheio minha nuca e cheguei à delegacia desacordado.
O julgamento foi rápido (já que a figura de promotor, testemunha e juiz estavam sendo representados pelo xerife e toda a cidade estava presente, na condição de jurados, pedindo uma solução contra os assassinos): culpados e condenados à forca em praça pública. Sem direito a apelação ou arrego.
Agora vocês devem estar se perguntando: mas como é que esse fanfarrão está agora aqui, contando essa história, se foi condenado com tanta veemência numa terra onde a justiça é na base da lei da selva? Pois é, companheiros. Essa história eu não conto. Me acusariam de parlapatão, corrupto e, acima de tudo, mentiroso; e isso eu não admito. O importante é que estou vivo e sadio. Como, não interessa.
Odeio quando falam que meus causos são histórias de pescador.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Malbec

- Malbec.
O outro, saindo de trás do monitor, pareceu até assustado:
- Que foi? Pirou?
Gomes nem tirou os olhos da tela:
- É Malbec o nome.
- Nome do que, rapaz? - Perguntou Alvarenga, agora ciente de que o colega enlouquecera.
- O perfume que você me perguntou outro dia. É Malbec o nome.
A conversa ficou pra lá de confusa.
- Mas que perfume? Eu ia lá te perguntar de perfume?
- Você sentiu meu perfume esses dias e perguntou qual era. Na hora eu não sabia, agora lembrei. Malbec.
Alvarenga já ia perdendo a razão:
- Escuta aqui, Gomes! Se você está insinuando que eu sou boiola, vamos resolver essa parada aqui mesmo.
Gomes nem se mexeu. Continuou escrevendo qualquer coisa e mandou:
- Eu não to insinuando nada. Você me perguntou o nome do perfume que eu uso e eu respondei. É Malbec. Agora me deixa trabalhar, Tomás.
Alvarenga levantou tão bruscamente que seu teclado foi parar do outro lado da sala. Todos na repartição se viraram para assistir a cena. Ele estava de pé, arfando, com uma caneta numa mão e com a outra desafrouxando a gravata. Gritou, a plenos pulmões, colado à orelha de Gomes:
- Tomás é a puta que te pariu! É a décima-quinta vez que você me chama desse jeito. Meu nome é Alvarenga, porra. Alvarenga!
Gomes, enfim, entendeu. Tomás fora sido substituído há quase dois meses.
Em ofício, prometeu prestar mais atenção numa próxima vez.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A dona do lar

Uma coleção de histórias em quadrinhos do Homem-Aranha, do Spawn (do nº 1 ao 126) e mais alguns especiais de heróis bacanas. Todos os meus discos de vinil, entre eles Cartola, Pixinguinha, Mutantes, Secos e Molhados, Adoniran e até um do Agepê que minha mãe deixou comigo por não ter onde ouvir. Um punhado de fotos, meu autorama que ganhei no meu aniversário de cinco anos. A medalha de bronze que ganhei no judô, quando estava na segunda série. Meu pogobol, como poderia esquecer meu pogobol.

E mais os álbuns de figurinhas do campeonato brasileiro de 1980,1982,1983,1987 e 1992, mais as revistas Placar de cada ano que o Mengão venceu o campeonato brasileiro. Minha mesa de futebol de botão junto com a Selemengo, como eu chamava o meu time de futebol de botão. Meus jogos de tabuleiro, War, Banco Imobiliário, Detetive e todos os outros jogos. Minhas cartas de super trunfo, meu baralho de mágica.

Agora essa ingrata, três dias depois que voltamos da lua de mel, joga todas as minhas coisas fora. Francamente, é ou não é motivo para se divorciar?

Fim

Ópio

Há muito tempo que eu não ia dormir tão feliz por causa de um daquele mafioso jogo chamado futebol. A última vez, se não me engano, foi naquela partida contra o campeoníssimo São Paulo em que nós, os “quase-rebaixados” flamenguistas, goleamos por um a zero. Antes disso, então, acho que só na final do carioca, lá por abril ou maio, quando o Botafogo sucumbiu à força do Rei Obina e seus assessores.
Alguns então se perguntam: “mas e o 3 a 1 sobre o Cruzeiro?”, ou então “e o 4 a 0 contra o Juventude?”. Não é nada disso, pessoal. Não é o placar que me faz sorrir. A graça toda do futebol está na torcida. 70 mil pessoas gritando no Maracanã é que fazem o do esporte um espetáculo.
(Antes que me crucifiquem, um grande parênteses de explicação: conta Fluminense, Atlético-MG, Vasco e Sport também colocamos mais de 50 mil no Maraca. O fato é que eu não assisti a essas partidas)
Vejam que alegria. Futebol é o ópio do povo, certo? Precisa dele (o povo) para ser consumido (o ópio). Futebol precisa lotar estádios para ter espírito. Nenhum jogo - e nisso se encaixa até o maior derby dos derbys, o Fla-Flu - tem graça se qualquer setor das arquibancadas estiver com espaços em branco. Futebol é um carnaval no meio da semana, é um baile à fantasias em plena quarta-feira à noite.
Isso dirigentes e jogadores não percebem, infelizmente. Sem os torcedores o futebol simplesmente não existe. É uma pena que não façam nada para segurá-los.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Um cara descolado

Rotina, assim poderia ser resumida a vida de Glauber. Um sujeito simples, fechado, mas que tinha uma certa simpatia no seu jeito de tratar as pessoas. Não era de falar muito, quem mais ouvia ele falar era o dono da banca de jornais, o Seo Nicolau. As garotas da padaria Lilian e Andréia e sua mãe Nair. Glauber gostava de passar o dia fazendo as mesmas coisas que fizera no dia anterior.

De segunda a sábado era comum que levantasse às sete da manhã, tomasse banho. Em seguida ia até a banca do Seo Nicolau, apanhava o jornal e na volta passava na padaria e ouvia as brincadeiras de Lilian e Andréia. Glauber fazia de conta que não era com ele, as garotas até forçavam a barra no xaveco e ele nada de dar muita pelota para elas. “Um dia ainda te pego de jeito” dizia Andréia. Lilian dizia que um dia ele iria correr atrás dela.

As tardes passava o dia dedicado à suas coleções de selos e de insetos. Ficava atarefado catalogando suas relíquias desde que terminava o almoço até a hora que ia para aula de canto gregoriano. Voltava da aula de canto e ficava até tarde assistindo suas comédias do canal de comédias. Todo dia era assim, anão ser no domingo quando dividia o dia entre comédia e o campeonato australiano de rugby para mulheres. Ele era chegado numa australiana capaz de pegar um canguru a unha.

Não que Glauber fosse um partidão, mas era visto no bairro como bom moço. O que é raro nos dias atuais, mas a vizinhança sempre falava dos bons modos de Glauber. Porém ele nem dava atenção para esse tipo de comentário. O tempo passava e a vidinha do ilustre Glauber continuava da mesma forma. Selos, insetos espetados num alfinete, rugby feminino, o jornal logo cedo, as cantadas das garotas da padaria... Até que um dia ele se cansou. Largou o canto gregoriano, vendeu os selos e os insetos no mercadolivre e deu um pega nas duas garotas da padaria juntas.

Tatuou o simbolo do Mengão do tamanho da suas costas. Entrou para uma torcida organizada, faz parte da bateria e ainda compõe algumas músicas. Dois anos depois formou uma banda de rock, está namorando a Lilian (aquela da padaria) e ainda dá uns tchuplec-tchuplin na Andréia. Mas ainda tem uma velha mania, passa as madrugadas assistindo jogos do campeonato feminino de rugby australiano, que a Dona Nair grava.

Glauber é um cara descolado.


Fim

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Velho sábio javanês

Nos livros, conta-se que era um senhor já com seus oitenta anos que, afora a barba grisalha, não apresentava um pêlo sequer no corpo. Vestia-se apenas uma manta cor-de-areia e umas alpercatas de couro de javali. Seus súditos eram, na maioria, jovens delinqüentes que cometiam ínfimos delitos na pequena província de Yogyakarta, no sul da ilha de Java. Não tinha muito respeito no meio acadêmico, mas seus ensinamentos invariavelmente tiravam tais jovens do mundo do crime. Direto para o manicômio.
Uma de suas parábolas foi ouvida por um transeunte que passava pelas montanhas de Yogykarta no verão de 1726. Sem entender muito do que se tratava, ele resolveu escrevê-la num pergaminho de arroz para uma análise posterior. O fato e que esse pergaminho foi encontrado, centenas de anos depois, enrolando um velho vaso de cerâmica, dentro de uma caixa de bambus. Dizem, quem o leu, que a parábola só será amplamente entendida daqui a alguns anos, numa eventual Semana de Arte Pós-Moderna de 2022.
Para vosso deleite, um trecho selecionado – talvez o único entendivel – da comentada parábola:
"Há, entre vós, senhores, um escolhido. Um que, dentre os tantos outros, viverá para contar história. Do Ser supremo, ganhará o direito de expirar o prazo; viverá além dos planos e, assim, narrará casos com a certeza de quem assistiu. Pode ser tu, ou tu, ou até mesmo tu, ó velho raquítico... O Senhor não dá sinais.
"Espero eu, na minha insignificância de remelgado social, que este escolhido, por mais putrescível que seja, tenha sabedoria de escolher os exemplos corretos. A humanidade precisará de exemplos – o ser humano precisa se refletir em outro, como fez Narciso na lagoa de Eco ou na sua irmã gêmea."
É a sapiência javanesa. O resto é pura enrolação, mas o recado foi dado.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Encontro desencontrado

Márcio era um desses jovens que preferem o anonimato da internet do que ir para uma festa, bar ou outra atividade de cunho social. Não que ele não goste de festas, mas Márcio não sabia como lidar com as garotas. Já na internet, seu habitat virtual, era uma cara mais comunicativo. Tinha vários amigos, cada um de um lugar diferente e que de alguma forma um se enxergava no outro.

Com tanta comunicação virtual, não tardou para que Márcio tivesse um affair virtual. Camila era o nome dela, pelas fotos uma garota muito bonita. Tinha cabelo curto, cortado um pouco acima da altura dos ombros olhos castanhos e um belo sorriso. Márcio e Camila passavam horas em frente ao computador fazendo juras um ao outro. Com o tempo o sambarylove virtual já não os satisfazia. Era chegada a hora de um encontro real.

Camila aceitou sair de Joinville e ir até Ponta Grossa para encontrar seu amado. Tudo estava acertado. Camila passaria um final de semana em Ponta Grossa. Porém ela tinha que apresentar um trabalho na faculdade e só poderia viajar no sábado de manhã. Márcio disse que não tinha problema e que iria esperar por ela. Fez planos, ensaiou o que iria dizer. Ficou nervosíssimo com o que estava por acontecer.

Na véspera do encontro, Márcio foi com os amigos do trabalho no bar do Russo e comentou que finalmente iria encontrar a Camila, de quem tanto falava. A rapaziada num misto de curiosidade e de alegria pelo amigo preguntaram tudo sobre como ele conseguiu convencer a garota a vir até Ponta Grossa para um encontro que começou na internet. Márcio falou tudo nos mínimos detalhes, entre uma cerveja e outra no bar do Russo. Só tinha um problema, como a casa dele vivia cheia não poderia ter a intimidade que gostaria. Mas isso foi resolvido rapidamente, Alex disse que emprestaria o seu apartamento para o encontro.

Sábado cedo Márcio acordou com uma ressaca daquelas, tinha se empolgado demais no bar do Russo. Quando olhou no relógio estava atrasadíssimo, correu para a rodoviária. Quando chegou lá não encontrou Camila. Mau conseguia pensar direito, se sentia culpado por não ter acordado na hora. Ficou nervoso por não saber o paradeiro dela. Resolveu voltar para casa e procurar por ela na internet. Porém não encontrou a Camila “online”.

Na segunda-feira a noite, veio a surpresa. Camila entra no msn com uma foto junto com Alex. Sem entender direito ele pergunta que foto era aquela. Camila respondeu – é de domingo lá no parque, lembra? Adorei conhecer você pessoalmente – essa palavras foram como um punhal sendo cravado lentamente no seu coração. Desligou o computador para nunca mais liga-lo novamente.

Fim

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Eu, uma falácia

Como pode alguém, de um dia para o outro, mudar totalmente? Perder o espírito de aventura, as traquinagens da hora do almoço, a vontade, o tesão? Eu mudei, e para pior. E não sei o motivo dessa mudança.
Há pouco mais de dois meses eu precisava de dois ou três dias para terminar de ler um livro. Há pouco mais de dois meses eu acordava com um texto inteiro pronto na cabeça, só esperando para ser digitado. Há pouco mais de dois meses eu pegava no telefone e discava; não ficava olhando para o dial.
Faço as contas: o que mudei no meu comportamento nesse tempo? Nada demais. Nada de errado. Segui os conselhos das revistas: pratique mais exercícios, sorria mais, abraçe seu vizinho, colha jaboticabas direto do pé. E de nada adiantou! Eu mudei - e piorei.
Fico indignado comigo mesmo. Mais indignado ainda por submeter quem lê esse bendito blog a tamanhas agruras. Se eu por ventura me suicidar qualquer dia desses, lembrem-se de apagar meu Orkut. A senha está salva no meu computador.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Seríssimo

Há pouco me pediram – me imploraram – para voltar a escrever sobre assuntos sérios. Disseram que minhas divagações são completamente vagas,  sem sentido nem objetividade. E que não dizem nada além do que qualquer pessoa comum pensaria.
Aceito as críticas com pesar. Elas são normalmente mais construtivas do que elogios. Fazem doer, mas é só com dor que nasce um novo ciso.
E isso tudo me fez pensar (calma, não é uma divagação): que raios seriam assuntos sérios? Escrever sobre mensalão ou os quarenta ladrões do excelentíssimo presidente do Senado, o funesto Renan Calheiros? Criticar duramente as ações de nosso glutão governador, principalmente aquelas que incidem sobre a magnânima Copel, "patrimônio" dos paranaenses? Ou ainda comentar sobre o síndico assassino, a rainha do crack e a vaca do bacacheri? Não, não; para mim, essas notícias todas não passam de boas piadas.
Não dá para levar a sério um país como esse. Quem se preocupa com tudo de estranho ou escandaloso que acontece fica louco ou estressado. Não existem assuntos sérios para fanfarrões como eu ou o José Simão. É tudo piada. O Brasil é o país da piada pronta. A diferença é que Simão consegue capitalizar seu "Buemba, buemba!", enquanto o Dois Copos vive no ostracismo da blogosfera brasileira.

É sério o rapazinho cheirando cola ao lado da catedral. É sério a menina de doze anos com um bebê no colo – sua filha. É sério a árvore derrubada para a construção de mais um prédio no centro da cidade. É sério o rio Barigüi, o rio Belém, a represa não-sei-das-quantas; vai beber água nesses lugares. É sério amigos do meu irmão com 12 anos pesando quase cem quilos. É sério a vizinha que se joga do 15º andar por motivos, digamos, sem motivo.
É sério, mas não sai no jornal. É sério, mas não é notícia. O que há, então, para se comentar?

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Sem nexo 4

Um dia eu vou morrer e tudo que fiz no mundo não terá servido para nada. Tantos anos de estudo e sofrimento, trabalho, preocupação, relacionamentos. Vai tudo para a terra, ser comida de bactérias. Tudo o que eu escrevi, pintei, bordei ficará para a eternidade (ou não); mas e de que adianta? Para que serve minhas produções insossas sem mim? Eu vou morrer, não existirei. As produções, consequentemente, vão comigo.
Aí você fica pensando: para quê estudar? Para quê trabalhar e ganhar dinheiro? Gastar no parque de diversões? De que adianta? Depois você esquece tudo mesmo. Virará tudo cinzas que serão jogadas no lago do Barigui. Na melhor das hipóteses você vira uma múmia fétida para ser exposta num museu daqui a 4 mil anos.
Pensar na morte é frustrante. As pessoas criam ilusões para amenizar os maus pensamentos. Reencarnação, paraíso, inferno, limbo. Nada disso existe. Você morre e vira pó. Do pó vieste, ao pó retornarás. Acaba, fim. Não é como um computador que desliga com a queda de energia mas volta a funcionar depois. É o fim. É uma coisa que se desliga e já era. Não serve pra mais nada.
Tem algo que eu sempre penso. Não ameniza em nada, mas é um fato pelo menos concreto. Quando você morre, é enterrado, certo? Ou cremado, tanto faz. E aí vai para a terra. Vira nutrientes que alimentam plantinhas. Essas plantas alimentas a cigarra, que alimenta o tamanduá, que alimenta a onça pintada, que alimenta o mosquito, que alimenta o sapo, etc, etc, etc. A tal da cadeia alimentar. É a única forma de reencarnação que eu acredito. É o que dá faltar as missas de domingo e acreditar nas aulas de biologia.
O problema é quando começo a pensar que já não nascem plantinhas como antigamente.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Telefone é uma arma

Outro dia eu estava no bar e recebi uma mensagem sinistra. E para ajudar não conhecia o número. “ E ai tudo bem? Sei que não é a melhor hora, mas estou feliz em poder ver você novamente, mesmo numa situação dessas. Me diz uma coisa, quando chega o corpo e que horas será o enterro. Abraço”
Essa mensagem acabou com a minha noite, a cerveja perdeu o gosto, a conversa não fazia sentido. De repente eu estava perdido em pensamento pensando em quem tinha morrido, quem tinha mandado aquela mensagem e o que eu deveria fazer. Liguei para o número mas ele estava desligado. No dia seguinte fiquei sabendo que era um engano. Vai se enganar assim lá na casa do chapéu.
*****
O primeiro celular a gente nunca esquece. Frase batida, mas tudo bem. Lembro que comprei o meu primeiro numa promoção dessas de fim de ano. O aparelho não era nada demais, fazia ligações, mandava mensagens e ainda tinha um joguinho de moto que era muito chato. Duas coisas aconteceram de engraçado, a primeira é que eu não sabia o número do telefone. Ligava para as pessoas, mas quando alguém ligava para mim atendia uma tal de Morgana. A garota (ruiva) que me vendeu o aparelho passou o número errado, em vez de zero o último dígito era seis. Depois disso tudo se resolveu, e ninguém mais falou com a Morgana perguntando por mim.
O outro causo foi mais engraçado, eu já tinha telefone celular (bonito isso) há uma semana. Numa manhã de sábado o telefone toca. Era um tal de Gérson, que deve ser uma figura, e quando atendi já foi gritando – Dae cara! Beleza meu? Já estamos quase na rodoviária, venha nos buscar – o cara era empolgado. Tentei em vão dizer que era um engano e ele insistiu. E eu resisti e tive que zoar.
Disse que era para ele me esperar fora da rodoviária perto da banca de jornal. Falei que seria mais fácil para encontrar ele lá, pois na rodoviária tinha muita gente lá e seria difícil encontra-lo. Confesso que senti um pouco de culpa, mas passou.

Fim