Tudo começou em uma típica noite de verão, lá pelos idos de 1978. Era no deserto do Atacama, no México. Ou seria no Alabama? Não sei direito. Que era um dos dois, tenho certeza. Nessa época eu costumava passar os verões num desses lugares pitorescos. Em 79, por exemplo, lembro-me muito bem: fomos eu e o Garcia (grande Garcia, o "macaco paraguaio") para Kentucky, aproveitar a época de caça aos perus.
Mas voltemos à nossa história. Agora tenho certeza, era mesmo no Alabama, a capital mundial da borracha. Passávamos eu e o Lorca, meu amigo espanhol, pela cidade de Tuscaloosa, famoso território dos índios Cree. Usávamos um daqueles V8 beberrões, típicos da época. Se não me engano era um Ford Thunderbird, alugado na Hertz quando ainda estávamos no Tenesse, um pouco mais ao norte. Nesta cidadezinha, que tinha pouco mais de 40 mil habitantes, presenciamos um crime. E, claro, fomos acusados de sermos os assassinos.
Numa cidade de religião protestante, onde só os homens trabalhavam – e todos na extração de borracha em seringueiras de reflorestamento – enquanto as mulheres cozinhavam e os adolescentes ainda nem tinham ouvido falar de rock'n roll, a gente esperava mais o que? Por lá haviam, no máximo, dois assassinatos por ano: um cometido por marido ciumento que pegou sua senhora na cama com o vizinho e outro por maníaco entupido de whisky contrabandeado até o cérebro. Eis que, de repente, por coincidência, chegam dois estrangeiros e uma família inteira é morta com tiros de 12 cano-curto entre os olhos – em pleno Dia de Ação de Graças.
Fomos caçados ainda no hotel. E olha que foi uma daquelas caçadas implacáveis de cinema, já que era pouco mais de 6h da manhã e tínhamos acabado de chegar da bebedeira da noite anterior. Um bando de marmanjos barbudos vestindo camisas xadrez e segurando tochas bateram na nossa porta. "Aqui é o leiteiro", gritou um deles. Nessa hora tive vontade de matá-lo. Quando abri a porta, quase não tive tempo de vestir a cueca: fomos imediatamente levados para ter uma conversa com o xerife. Numa cidade como Tuscaloosa, um xerife é mais do que um xerife: é juiz, pai de família, lenhador, relações públicas, cicerone e, não raro, prefeito.
No caminho para a delegacia, enquanto éramos ovacionados – e eram, com certeza, ovos de avestruz –, tive idéias de que ia morrer. Pensava na minha família, nos meus amigos no Brasil, no filho que eu tinha deixado na última passagem por El Salvador, no consórcio que tinha comprado para um Gol GTI prata lindíssimo. Enfim, na vida. Era minha vida passando diante dos meus olhos. Mas não durou muito tempo: um dos ovos acertou em cheio minha nuca e cheguei à delegacia desacordado.
O julgamento foi rápido (já que a figura de promotor, testemunha e juiz estavam sendo representados pelo xerife e toda a cidade estava presente, na condição de jurados, pedindo uma solução contra os assassinos): culpados e condenados à forca em praça pública. Sem direito a apelação ou arrego.
Agora vocês devem estar se perguntando: mas como é que esse fanfarrão está agora aqui, contando essa história, se foi condenado com tanta veemência numa terra onde a justiça é na base da lei da selva? Pois é, companheiros. Essa história eu não conto. Me acusariam de parlapatão, corrupto e, acima de tudo, mentiroso; e isso eu não admito. O importante é que estou vivo e sadio. Como, não interessa.
Odeio quando falam que meus causos são histórias de pescador.
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