sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Guerra insípida

Era uma quinta-feira, mas isso não é importante. Tanto faz o dia ou a hora.

Estávamos em dois, Neide e eu. Neide era a garota com quem eu tinha viajado para um congresso na Bolívia. Namorávamos. Não era muito bonita, a Neide, mas nos dávamos bem. Muito divertida, ela.

Enfim, estávamos nós andando pelo centro da cidade. Tudo estava escuro, exceto pelos faróis dos automóveis que cruzavam a avenida logo em frente. Estávamos no Centro Histórico, e desde 1984 era proibido o tráfego de carros e motocicletas por ali. Somente carroças à boi e bicicletas eram permitidas.

Quando nos preparávamos, eu e Neide, para entrar num boteco de esquina, deu-se a explosão. Não uma explosão qualquer: fora um estrondo que certamente ecoaria por muitos quilômetros antes de se dissipar. Olhamos em volta à procura de uma origem para aquele barulho, mas não havia nada. Nem um clarão, nem um fumacê. Fora um barulhão e pronto.

As pessoas saíram rapidamente às janelas, preocupadas. Muitas luzes se acendiam e o murmurinho só aumentava. Alguns moradores dos pequenos edifícios da região saíam às ruas de pantufas e pijamas, procurando em vão a origem daquele som ensurdecedor. Um respeitado comerciante tomou para si as rédeas da situação: "precisamos descobrir de onde veio este som – isso certamente é uma bomba, e das grandes; pode vir a ser perigoso para nós, minha gente". E completou dizendo "pode até ser uma guerra".

Aquela palavra ecoou pelas estreitas vielas do Centro Histórico como um foguete. Guerra – ouvia-se aqui e ali as pessoas comentando que os venezuelanos ou os americanos finalmente atacaram. Uma senhora entrou em pânico ao saber da situação. Lamuriava, com desespero, que seu filho há pouco havia voltado do exército e que uma guerra certamente o tiraria dos seus braços para todo o sempre. Eu e Neide nos olhamos sem saber bem o que pensar, estupefatos com a dimensão que aquele caso tinha atingido em tão pouco tempo. Nem a notícia da morte do Ayrton Senna tinha se espalhado com tanta rapidez.

Antes que pudéssemos ter qualquer reação, o povo já se amontoava ao nosso redor. Todos queriam ver de perto o respeitável comerciante, que agora parlamentava com alguns colegas de cima de um muro. Pedia a eles caixas de som e microfone, além de que avisassem sua esposa para que lhe mandasse o terno. Passado um tepo, virou-se para a platéia, que agora já era multidão e se amontoava sobre as bancas de jornal, e disse: "povo da minha terra, vocês querem sair derrotados deste combate?" E a galera respondia, uníssono e vibrante: "não!" A guerra estava declarada, sem nem antes se saber contra quem.

As caixas de som chegaram. A estrutura fora montada ali mesmo, às pressas, puxando a luz da peixaria e acomodando o microfone sobre umas caixas de madeira que jaziam num canto qualquer da rua de baixo. Dois capangas seguravam as caixas de som na mão porque o fio não era comprido o suficiente. Quando o comerciante apareceu, já de terno, a platéia silenciou. Ele se postou diante do microfone, ajeitou a gravata e disse: "antes de tudo, minha gente, precisamos definir batalhões. Você vai para lá; você vem para cá..."

Ficamos separados, eu e Neide. Ela foi designada para o Pelotão da Casa Rosa, comandado pelo experiente Mário do açougue. Eles tinham a dura missão de vistoriar a Rua da Piedade, longínquas três quadras dali. A mim restou seguir a comandante Joana Cruz, autodenominada Cacique Jaci, na varredura pela região norte do Centro Histórico. Seguiríamos esgueirados sob os toldos, seguindo as ordens da Cacique Jaci.

Estávamos cruzando a rua Baraçal quando se deu a surpresa: num canto, próximo do lixo, três crianças agachadas riam e mexiam em alguma coisa. Todo pelotão parou para ver o que aconteceria. Então os três garotos correram, recostaram à parede e taparam os ouvidos. Bum! Uma bomba acabava de explodir um lata.

O eco produzido ali, com aqueles pequenos prédios muito colados um ao outro, tornou o barulho completamente ensurdecedor. O mesmo barulho ouvido havia pouco menos de quinze minutos.

O exército se dissipou e todos voltaram às suas casas, cabisbaixos. Eu e Neide inclusive.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O campeão

Foi do interior de Minas Gerais – Alfenas, para ser mais específico – que trouxeram o grande campeão. Ninguém duvidara, desde seu nascimento, da sua pinta de vencedor. Já nasceu alto e forte, com uns braços afilados, porém torneados, e peitoral desenvolvido. Tinha desde cedo como marca registrada a grande facilidade com que criava e mantinha músculos e, apesar disso, também apresentava surpreendente agilidade.

Antes que completasse três anos, já tinha um completo programa de treinos: corrida pela manhã e natação ao final de cada tarde. E os melhores treinadores, aliás. Nada muito intenso; mais para criar-lhe uma rotina e acostumá-lo ao cotidiano de campeão desde pequeno. Sua alimentação também era especial, com alguns dos mais bem tratados cereais do país servidos logo ao amanhecer. Mimavam-no, por certo, mas com o único objetivo de fazer dele o maior vencedor de todos os tempos.

Quando seu porte se tornou condizente, deram-lhe o carinhoso apelido de Tyson, uma visível "homenagem" ao histórico lutador. Sim, o campeão cresceu e se tornou tão agressivo quanto o boxeador americano – e isso, ao mesmo tempo que animava, preocupava os treinadores. Tyson, o brasileiro, não seria um papa-títulos se continuasse nervoso daquele jeito, apesar de aquilo lhe dar uma competitividade nunca antes vista. Foi preciso enviá-lo para um tratamento específico contra essa agressividade.

Foram cinco longos meses de psicologia. Uma eternidade, considerando que Tyson já estava em tempos de competir. Fizeram-no uma lavagem cerebral completa. Enviaram-no para os mais floridos e silenciosos campos de recuperação do país, a fim de que finalmente encontrasse a paz de espírito. Para ajudar, mandaram-no junto as mais belas e pacíficas fêmeas que se tinha notícia – tudo para livrar-lhe da mente quaisquer preocupações. Ao fim do tratamento, Tyson se tornou um ser mais calmo de que qualquer monge tibetano.

Tempos depois, enfim, chegou o grande dia: uma final Olímpica. Tyson já havia vencido toda competição que entrara até então, mas uma final olímpica é a consagração para qualquer um. Perante as 93 mil presentes no estádio e outros tantos bilhões de telespectadores, Tyson não se abalou. Não piscava nem demonstrava qualquer nervosismo – dir-se-ia relaxando, não fosse as dancinhas que fazia para chamar a atenção do público. Tinha certeza de que venceria. Os outros competidores, todos consagrados e quase tão excelentes quanto, olhavam-no como um grande ídolo, o imperador bizantino a ser batido, aquele que já havia faturado tudo nos últimos três anos e que certamente levaria aquela também. Os outros se limitavam a lutar pelo segundo lugar, policiando-se para não se distraírem durante a prova com a presença do multicampeão.

Antes da prova, Tyson curtia sua glória. Sorria, coisa que nenhum outro concorrente ousava fazer. A vitória e a consagração completa eram questão de tempo. Então ouviu-se o tiro. Da largada ao fim, tudo como tinha de ser: Tyson dominou a prova do começo à linha de chegada, e terminou em primeiro lugar muito a frente dos outros competidores, num tempo jamais imaginado por qualquer profissional do esporte. Seus treinadores finalmente caíram em lágrimas, satisfeitos com o trabalho que fizeram; o estádio inteiro se tomou em aplausos, em pé; as câmeras do mundo inteiro não lhe tiravam o foco. Tyson, aos sete anos de idade e no auge da forma física, tornou-se o maior campeão da história olímpica na prova de Eventing individual. Um verdadeiro fenômeno.

Tyson, agora o maior cavalo da história. O maior vencedor da provas de salto, dressage e eventing de todos os tempos. Não havia prêmio eqüestre que ele não levasse.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Sobre duelos e camaradagem

João era o sarrista da turma, tudo era motivo para suas piadas de duplo sentido. Raramente alguém ficava do seu lado sem dar risada com suas histórias e situações engraçadas em que se metia. Era querido por todos. Seu companheiro Roberto era tão ou mais fanfarrão que João. Este sim o capeta em forma de guri, ia além das piadas. Tinha em João seu fiel companheiro para pregar suas peças.

Qualquer um da turma era um alvo em potencial, desde piadinhas sobre a falta de cabelo do Marcos, das bochechas salientes do Regis ou dos porres que a galera tomava nas festas e churrascos. Os dois tinham uma competição engraçada entre eles, que rendia risadas aos amigos. Quando saiam juntos, quem desse um beijo na garota mais feia, ganhava um lanche (geralmente um cachorro quente na volta da festa) do “perdedor”.

Mesmo quando João se mudou para um bairro do outro lado da cidade, era comum ele visitar a galera. Vez ou outra dormia na casa de alguém, mas nunca perdeu o contato. A amizade entre João e Roberto era forte e fazia bem para os demais. Sempre se ajudavam com os problemas de faculdade, amores, angustias e essas coisas. Porém essa amizade um dia foi colocada a prova. Roberto começou a namorar. Jéssica a ruivinha que morava no mesmo bairro, mas nunca se “misturou” com a galera.

Jéssica era de longe a mais bonita do bairro, ruiva, cabelo curto, rostinho bonito, sorriso cativante e um jeito de andar que parecia flutuar. Ninguém sabia como e nem Roberto também não disse como começaram a namorar. Mas o fato é que o fanfarrão da turma estava ficando ausente dos encontros da galera. Na churrasco de aniversário de João, o casal estava lá, mas Roberto agia como se estivesse recém conhecendo a galera, com quem ele cresceu.

A galera toda sabia que era coisa da ruiva malvada. Não demorou muito Roberto se afastara da turma, só se via ele com a namorada. Nem no futebol de quinta ele ia mais. Ele até foi umas duas vezes, a ruiva maligna conseguiu privar ele do esporte bretão. Todos diziam que Roberto tinha virado um mané. E de fato ele mudou muito. Mas para a tristeza de Roberto e alívio da galera, depois de quatro meses de afastamento, o namoro acabou. Roberto voltou a fazer parte da turma, era tudo como antes. Mas João não aceitava o fato de o amigo ter mudado tanto quando estava namorando a ruiva destruidora de amizades.

Até que, numa festa estavam lá a turma toda e a ruiva Jéssica com suas amigas. Não houve clima de hostilidades, mas Roberto e a turma não se sentiam a vontade quando se aproximavam de Jéssica. A festa foi rolando e quando ninguém esperava, a ruiva foi até João e deu um beijo, sem que ele conseguisse reagir ou evitar. Roberto e a turma viram aquilo e ficaram bolados, ainda mais quando Jéssica disse: - Me liga a noite.- era um blefe, mas Roberto não engoliu aquilo. Era o fim da amizade deles.

Anos se passaram e o orgulho de João, que não aceitava culpa daquilo e ainda mais por seu amigo Roberto não acreditar nele. E a raiva que Roberto sentiu do seu amigo, em não evitar a bitoca da ruiva. A verdade é que João já tinha dado uns tchuplec-tchuplins na Jéssica, mas antes do namoro dela com Roberto. E esse segredo corroia Roberto por dentro. Os anos se passaram e os dois nunca mais se falaram, a turma teve que se acostumar a sair com um ou com outro.

Muito tempo depois, o tempo curou as feridas e quis o destino que eles se encontrassem num balcão de bar. Roberto fez questão de mostrar que tinha superado o segredo do amigo com a ruiva e disse alto, para que todos no bar ouvissem:
- João seu viado! Escolha as armas.
- Conhaque!- respondeu o velho amigo.
E beberam até cair e João levou Roberto arrastado para casa.

Fim

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Carta aos poucos leitores

Caríssimos,

Venho, por meio desta, avisá-los do meu afastamento deste famigerado blog por tempo indeterminado. Só não garanto minha ausência por inteiro porque nada na minha vida é muito concreto; o que mais gosto de fazer é contrariar minhas próprias convicções. Volto em breve, provavelmente mais consciente da minha condição de quase-formado.

Parto para uma dura missão: terminar o maldito TCC. Preciso fazer crônicas e mais crônica para meu livro, e é fundamental que elas sejam completamente inéditas – fato que me impede de postá-las no blog. Sei que é uma decisão duríssima, cruel até, mas é só assim que eu funciono. Sem pressão não consigo ir em frente. Tive o ano inteiro para fazer isso, mas só agora, faltando pouco menos de três semanas para o fim do prazo, que decidi levar a sério esta empreitada.

Ok, nem tão a sério assim, mas juro que farei um esforço para tirar pelo menos 7 pontos e passar por média.

Quem é leitor assíduo, que não são muitos mas são fiéis, pode continuar a freqüentar o Dois Copos: além do Kibe (quem sabe ele volte a escrever em breve), pode ser que eu bote um conto ou outro para distrair o pessoal. Aos visitantes rotativos só peço que voltem depois do dia 12 de outubro que já estarei na ativa novamente.

Um beijo, um abraço e um aperto de mão. E me desejem sorte.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A inutilidade das placas de aviso

Existem algumas coisas em ambiente públicos que são tão inúteis que servem mais como objeto de decoração do que como informação propriamente dita. E por essa decoração entenda não como aquela coisa feita para deixar um espaço mais bonito – até porque isso seria de extremo mal gosto –, mas sim um adorno criado para caracterizar determinado local. Algo até certo ponto desnecessários, mas por outro lado também indispensáveis.

Explico: imagine uma praça sem as indefectíveis placas de "não pise na grama"? Seria loucura, insensatez. Toda praça precisa de uma placa de avisando aos seus freqüentadores que eles não devem pisar na grama, senão ela não é uma praça. Pode ser considerado um jardim no meio da cidade, se for pequena, ou até um parque, se for maior, mas nunca uma praça. Uma praça precisa de placas dizendo para ninguém pisar na grama.

E agora pense: que diferença faz aquela placa a não ser pelo fato de transformar um jardinete qualquer numa praça pública? Para aquelas pessoas que ainda mantém sentimentos cívicos, éticos e morais ela chega a ser constrangedora, já que eles jamais pisariam numa grama de praça – nem para buscar o frisbee que o labrador não pegou. Já para os que deixam os escrúpulos em casa na hora de passear a placa vira um simples encosto para praticar a siesta. Eles pisariam naquela grama mesmo se ela fosse propriedade do governo norte-americano.

Outra coisa absurda são aquelas placas de banheiro. "Não jogue papel no vaso", "puxe a descarga", "duas folhas são suficientes para deixar a mão seca". Desnecessário. Tudo retórica, palavreado solto que não atinge ninguém. Pessoas educadas não deixam de puxar a descarga nunca, de jeito nenhum E para os mal-educados isso tanto fez como tanto faz. Eles urinam onde querem, abaixam a tampa se bem entenderem e o escambau. Só que um banheiro público nunca será um banheiro público se não tiverem esses avisos.

Dizem que no Congresso Nacional também tem algumas placas, entre elas uma que diz "não roubarás". Mas sabe como é... Espaço público, retórica pura. Ninguém segue os mandamentos.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Os donos da lua

Sou de uma geração que teve a sorte de crescer lendo os gibis da Turma da Mônica. Eles já existem desde os anos 70, é verdade, mas é inegável que o auge da turminha foi no começo da década de 90. Foi nessa época que todas as melhores histórias da trupe foram criadas, tanto que os almanaques de hoje em dia são meras reedições das revistas desse tempo. Quem com seus 20 anos que não se lembra daquela vez em que o Rolo virou dark? Ou então quando a Mônica viajou para a casa dos avós com e o Cebolinha, depois de ter gozado os louros de assumir a "gerência" da rua, se viu inconsolável sem a presença da amiguinha (e maior inimiga)? Maurício de Souza e suas confusões psicanalíticas.

O fato é que a Turma da Mônica é uma marcante influência para quem foi viu o tetra vestido de seleção da cabeça aos pés (os adultos fazem isso com as crianças). O sonho de todo guri curitibano naquela época era visitar a casa do Louco, no Parque da Mônica, e se perder nos labirintos daqueles brinquedos. Até criaram uma filial aqui, no saudoso Estação Plaza Show, mas não era a mesma coisa. Nas revistinhas tinha aquele robô que até hoje tenho vontade de conhecer. Só que o maior exemplo da influência da Turma nos adultos de hoje está no trânsito. Sim, pasme!, no trânsito..

Basta fazer as contas: todos os filhos dos anos 80 são os adultos de hoje. Aqueles mesmos, que cresceram lendo Cascão, Cebolinha, Magali e Chico Bento, estão todos em idade de dirigir e, portanto, infestando os logradouros públicos com seus malditos carros poluidores. Mas o que as bondosas e inofensivas revistinhas têm que ver com isso? É que tal como a Mônica, aquele baixinha, dentuça e golducha, esses neo-motoristas se sentem os verdadeiros donos da rua – e ai de quem disser o contrário.

Explico. Imagine-se numa via rápida. Tudo flui normalmente – e normalmente, aqui, é os carros andando a 50 km/h. Eis que lá na frente um ônibus escolar dá sinais de que vai parar. E ônibus escolar já sabe: não importa se é BR, Marechal Floriano ou beco sem saída; eles param mesmo. Você, esperto que é, dá uma de pró-ativo e sai logo para a pista da esquerda. Centenas de metros antes, diga-se de passagem. Aí entra em ação o dono da rua. Ele, certamente entretido com sua tela de DVD, não percebe a sinalização do busão e precisa parar atrás. Aí, como quem não quer nada, ele simplesmente bate o dedo mínimo na manopla de seta e anuncia que vai entrar à esquerda, como se isso fosse fazer a via toda parar para apreciar sua magnífica ultrapassagem. O motorista que vem de trás na pista da esquerda – você, no caso, que foi pró-ativo – fica numa tensão danada sem saber o que o dono da rua vai fazer, até porque ele já embicou quase metade do seu carro rebaixado na pista em que você se encontra.

E aí, de repente, o Escolar avança e ele, o dono da rua, desiste da ultrapassagem, faz uma cara de enfado e volta para sua pista original, como se nada tivesse acontecido.

Tem também o dono da rua saindo de casa. Você vê, de longe, o carro aparecendo num portão qualquer e pensa "será que esse maldito cara vai sair na minha frente?" Ainda não. Ele espera você chegar mais perto, a uns 30 metros mais ou menos, e sai. Contorna pela pista ao lado (porque dono da rua não precisa se preocupar com quem vem de lá) e fica exatamente na sua faixa, a no máximo 50% da velocidade que você está. Como se não bastasse, assim ele segue até o próximo sinaleiro, quando irá parar para finalmente pôr o cinto de segurança e escolher o CD que vai ouvir. E isso, claro, o faz atrasar em pelo menos 20 segundo a arrancada no sinal verde.

Teríamos muitos outros exemplos, como o dono da rua que pára sem mais nem menos para deixar a namorada (ou prostituta, vai saber) no tubo do Santa Quitéria, mas não é para isso que estou aqui. Só queria ilustrar como um fenômeno editorial pode afetar uma geração inteira. Essa de hoje em dia, por exemplo, irá ser plenamente atingida pelas ações do bruxo Harry Potter. Ainda não se sabe onde nem com o que, mas pode ter certeza de que será algo tão emblemático quanto os nossos donos da rua.

E antes que alguém diga que eu também era leitor da Turma da Mônica na infância e que, portanto, devo cometer as mesmas atrocidades que os donos da rua, vou me defender. Toda vida fui meio bobo como hoje, então minhas influências eram outras, bem mais relaxadas (em todos os sentido): Seu Boneco e Patropi, No trânsito, a única coisa que faço é "ir pra galera" e dizer que os outros, para mim, são problema deles. Que loucura, meu.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Alexandre em crise: Promessa

Já vi muita gente fazendo promessa, também já vi muita gente pagando e quebrando promessa. Fico pensando o que leva alguém a se privar de alguma coisa que gosta, para obter outra coisa que gosta. E o mais estranho é que muitas dessas promessas são feitas para o além ou o sobrenatural. Não conta aquelas que a criançada faz para os pais, de que se ganharem um joguinho novo, comerão salada e estudarão mais. Falo daquelas promessas mais elaboradas, aquelas que de gente grande.

A pouco tempo a onda lá no meu trabalho, pelo menos entre as mulheres, era comer o tal bolo de Santo Antônio. Por quê? Explico, Santo Antônio é o santo casamenteiro. Diz a lenda que a moçoila que está a procura de um bem querer, deve comer um pedaço do tal bolo e encontrar nele uma imagem do santo. Ai é meio caminho andado rumo ao altar, a outra metade do caminho é um misto de seqüestro e promessa. A senhorita a procura da batida perfeita, deve colocar a imagem do santinho de ponta cabeça em algum lugar (algumas mais afobadas colocam o famigerado santinho de cabeça para baixo num copo d’água) e só soltar quando a solteira desencalhar. Eu hein!

Tem um sujeito lá do trabalho, que sempre que joga na loteria num ato de nobreza e altruísmo, diz que se ganhar vai doar metade para uma instituição de caridade. Ou caso o prêmio estiver acumulado, promete uma grana para seus colegas de trabalho (ai é bonito). Suspeito que esse cara já tentou convencer a sorte, de que ele é um cara bom e que vai usar a grana da loteria para o bem da humanidade. Talvez isso de certo, talvez não. Fato é que se ele conseguir, convencer a sorte de alguma forma, terá descoberto a fórmula do sucesso total.

As promessas surgem quando não tem mais saída. Quando se está na beira do abismo, sem pai nem mãe. É o último recurso, a última ficha, o último suspiro... Imagine uma final de campeonato na disputa de pênaltis. Se existisse um 0800 para receber as promessas dos torcedores nesse momento, as linhas ficariam congestionadas rapidamente. E as promessas devem aumentar conforme os pênaltis fossem batidos. No final, enquanto muita gente comemora com a graça alcançada, a outra galera que fez suas promessas em vão, fica com aquele sentimento de que ofereceu pouco. Como se fosse um leilão, onde o sacrifício e a privação são moeda corrente.

Nunca fui muito de promessa, mas com a atual conjuntura dos acontecimentos, prometi que só vou tomar uma birita quando o Flamengo e vergonha na cara e ganhar um jogo.

Fim

Cantada

O diálogo a seguir foi descaradamente copiado da vida real.


- Ei. Prometa que não vai deixar eu fazer isso quando a gente se casar.

- Como assim a gente se casar?

- Ora, a gente pode vir a ser casar um dia, não?

- Sim, mas a gente nem namora. A gente nunca nem se beijou.

- Eu sei. Só que somos dois jovens, com interessem em comum e que um dia podem vir a se casar, não é verdade?

- Claro, mas...

- Mas não é essa a questão. Só me diga que não vai mais me deixar fazer isso quando formos marido e mulher.

- Eu prometo, mas me diga uma coisa: você já andou pensando nisso?

- Nisso o que?

- Em a gente se casar e tal.

- Ah! Sim, claro. E quem não pensaria?

- E porque nunca me falou nada?

- Ué!? Não posso pensar minhas coisas em segredo? Além do mais, nunca daria certo.

- Porque não daria certo?

- A gente nem combina tanto assim... E se um dia a gente por acaso ficar juntos, esse dia vai ser lembrado como o dia da redenção do homem com “h” maiúsculo.

- Êh; por que isso agora?

- O quê? A redenção?

- É. E esse negócio de homem com “h” maiúsculo...

- É que se eu ficar com você, será uma negação de princípios. Se não os meus, ao menos os da lei universal do homem como gênero – bonito isso, né?

- Seus princípios dizem para você não ficar comigo?

- Não, não é isso. Jamais! É que os homens têm uma espécie de lei – pelo menos os homens que se consideram homens, os machos de verdade, os com “h” maiúsculo – que institui o orgulho como uma condição essencial para exercer o papel de macho.

- E o que o orgulho tem a ver com isso agora?

- É que o orgulho nunca deixaria um homem de verdade fazer coisas vergonhosas para conquistar alguém, mesmo que esse alguém seja o amor da vida dele. Aliás, o orgulho nem deixaria o homem admitir que tem um “amor da vida”.

- Você está dizendo que eu sou o amor da sua vida?

- Bem... Não exatamente. Quer dizer... Ah, você entende né?

- Acho que sim. Talvez. Não sei.

- Então. Aí é que está. Se você entender e a gente vier a ficar juntos, será a redenção do homem macho-sim-senhor. Talvez nem uma redenção, mas um contra-senso danado para com as mais antigas leis do universo.

-... Você só falou tudo isso para dizer que gosta de mim, né?

- Pss! Fala baixo!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Deixa o homem relaxar

Jon estava deitado no tapete da sala com os olhos semicerrados, como quem busca enxergar mais longe no horizonte. Não pensava em nada. Saindo do trabalho, elegera aquele momento para esvaziar a mente, para livrar seus pensamentos de toda maldade que havia lhe acompanhado a semana inteira. Estava tudo escuro, as cortinas fechadas, a luz apagada. De som, somente a televisão do vizinho de cima que assistia à novela das oito. Mas nem isso desconcentrava Jon.

Estava cansado. Tinha sido uma semana duríssima aquela. Jon sofrera todo tipo de pressão no trabalho e tudo o que queria naquela hora era dormir. Dormir sossegado, de preferência sem sonhar. Planejou acordar somente dali a 13 ou 14 horas, sem mais nenhuma maldade na cabeça ou qualquer espécie de aflição. Chegara na sexta-feira com o sentimento de vingança lhe torturando a cabeça. Queria porque queria açoitar alguém, quem quer que fosse e com os piores instrumentos. Qualquer coisa de satânico, até.

De repente Jon ouve um barulho se aproximando pelo corredor do prédio. Era alguém que provavelmente subiu todos os 14 andares até sua porta de escada – e correndo. Ouvia-se uma respiração ofegante, ao mesmo tempo forte e ritmada. Dir-se-ia que era alguém que jamais havia praticado qualquer esporte antes, ou até um velho tendo uma espécie de ataque de asma. Do nada a pessoa toca a campainha. "Pééé!" E prontamente Jon pensou: "a esta hora, sem avisar nem ser anunciado pelo porteiro, só pode ser o Ted". Jon sabia que Ted não era pródigo em educação. Além disso o considerava sinônimo de confusão.

Antes de se levantar, lembrou-se da última vez que estiveram juntos. Faria três meses no dia seguinte, e desde então os dois não se falavam. Era um sábado, e sabe-se lá como Jon foi convencido por Ted a sair e tomar cerveja por aí. Foram a um boteco próximo da catedral com uma turma da academia do Ted. Muitas cervejas depois, Ted falou em alto e bom tom:

- Meu amigo aqui é campeão sul-brasileiro de queda de braço. Quero ver alguém derrotar ele.

Jon suou frio. Nunca havia disputado qualquer campeonato de queda de braço na vida, nem nos churrascos onde seus tios completamente bêbados o desafiavam a fim de comprovar sua masculinidade. De repente se viu frente a frente com quatro brutamontes sedentos por vencê-lo numa disputa provavelmente sangrenta. Sem pensar direito, olhou bem para seus dois braços raquíticos, deu um potente soco na mesa e gritou:

- Aaai!

Tinha acabado de quebrar seus dois dedos mínimos.

Culpou Ted por aquela babaquice e foi embora. Como se não bastasse, ao voltar para o carro encontrou uma multa no pára-brisas: estacionamento em local proibido. Fora Ted quem o convenceu que não tinha perigo nenhum parar sobre a calçada.

Até o ocorrido, Jon considerava Ted no máximo como um mero colega. Um colega folgado, diga-se de passagem. Depois de ter dois dedos quebrados e menos cinco pontos na carteira de motorista, rebaixou-o a quase-inimigo. E isso, na concepção de Jon, era motivo para ignorá-lo publicamente  num eventual encontro no shopping (Jon nunca foi violento). Lembrando-se de que era Ted batendo à porta, pensou: "quem esse desgraçado pensa que é para tocar minha campainha a essa hora sem nem avisar que vinha?" Não que Jon abriria se Ted o tivesse avisado, mas aquele foi o único pensamento que lhe ocorreu na hora.

Levantou-se em silêncio, imaginando o que falaria se decidisse abrir a porta. Lá fora o visitante já havia desistido da campainha e começado a bater na porta. Socar a porta, aliás. Isso irritou profundamente Jon. Aí ele parou e pensou: se abrisse a porta, seria capaz de falar algumas besteiras para Ted – ou até cometer uma atrocidade, afinal estava com a ira ainda presa no corpo. Não gostava mais de Ted, é verdade, porém não o queria vê-lo morto (e seria mesmo capaz de fazer isso se ele batesse mais uma vez na porta daquele jeito). Decidiu virar as costas e ir para o quarto. Com a porta fechada e o telefone fora do gancho dormiria como um anjo, conforme planejado.

E foi o que fez. Jon se deitou como estava, sem nem tirar o sapato, e só acordou no dia seguinte com o sol a pino. Não pensava mais na semana que havia passado nem nos seus planos diabólicos de torturar o próprio chefe. Esquecera-se até do maldito Ted, que quase atrapalhou seu momento especial de meditação e busca pela paz. Teve pena do garoto, inclusive. Cogitou telefonar-lhe para saber o que queria, mas desistiu a tempo. Escovou os dentes, tomou um banho e resolveu, para comemorar, tomar café da manhã na panificadora da rua de baixo – a melhor da região.

Ao sair de casa, a surpresa: na frente da sua porta tinha um velho de joelhos, parecendo um muçulmano rezando na direção de Meca, com as duas mãos como que escorrendo pelo trinco. Morto.