quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Brasil goleou. E é verdade

Até eu comemorei. Eu, que já tinha largado os betes, apesar de ainda ser um dos poucos torcedores remanescentes dessa descaracterizada Seleção Internacional Brasileira. Estava tratando-a como faz aquele simpatizante do time prestes a cair para a Série D do campeonato brasileiro: com total indiferença. Sim, já não adiantava mais içar banderias ou entoar gritos de incentivo. Não merecia um minuto sequer do meu precioso tempo.

Mas eu sou chato, teimoso. Apesar da desconfiança, preparei o terreno: cobertorzinho, pipoca e um copão de Coca-Cola. Todo o meu aparato para dias de jogo de seleção durante a semana fora do período de férias. Sim, porque se fosse no fim de semana ou no meio de dezembro eu teria pegado uma dúzia de cervejas e assado uma bela duma picanha no lugar da dupla Coca-Pipoca. Enfim, tudo pronto, Pelé dá início aos trabalhos e, dois minutos depois, gol de Porugal.

Perfeito. Tudo o que eu precisava para abandonar de vez o barco verde-e-amarelo. Um lance bobo, de escanteio, que um segundo a mais de atenção poderia ter evitado. Nem o time atual do Coritiba, com sua zaga em forma de peneira de esgoto (aquela que só serve mesmo para evitar que defundos caiam no rio),teria sofrido com tamanha inoperância. Mas parece que foi justo este gol que acendeu a chama da seleção. Acho que se não fosse esse chacoalhão logo no começo, teríamos mais uma apresentação sofrível de nossos estrangeiros tupiniquins.

Aí Robinho resolveu mostrar serviço. Sabe-se lá por quê o neguinho tava com fome de bola. Roubou-a no meio campo (com uma grande ajuda do luso-brasileiro Pepe, claro) e tocou no meio para Luís Fabiano só empurrar. Para falar dele, aliás, merece ser criado um grande parênteses. Ei-lo:

(Luis Fabiano foi magistral. Eu disse para o meu irmão, há uns dois jogos, que o Fabuloso era um dos melhores atacantes do mundo na atualidade. Ele respondeu "que nada; não dá nem para comparar ele com Ibrahimovic ou Nistelrooy". Walace, leia bem o que eu vou escrever: Luis Fabiano é talvez o melhor atacante do mundo hoje. Sim! Ele é aquele cara que faz gol, a expressão máxima do futebol, não se importando como. Chuta de bico, caindo, de costas, com o pé esquerdo, com o pé quebrado, de nuca, com a pélvis... Para ele só o que importa é que a bola entre. Para ele e para todos os que gostam de vencer. A essência do futebol. Como se isso não bastasse, ontem ele também mostrou habilidade: no seu segundo gol, Luis Fabiano cortou, girou e bateu com o pé-ruim. Gol, e isso é o que importa. Melhor que ele, nem o Obina.)

Futebol é isso aí. Vibração, raça, disposição. Foi lindo ver todos os jogadores correndo, buscando jogo, tocando a bola. Elano foi dez; Robinho, 11; Kaka, mesmo sem gol, chegou perto de 12. Mas Luis Fabiano foi 100. Foi a primeira vez que não senti saudades do Romário na seleção. Não precisou: bola na área, Luis Fabiano resolve.

Aliás, ganhamos apesar do Dunga. Basta ver que foi ele quem insistiu em escalar Kléber e Gilberto Silva, apesar do mundo inteiro rir do futebol deles. Como se não bastasse, depois do intervalo nosso técnico sacou Anderson para pôr Josué.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Filho da mãe ou mãe do filho

Não se fala em outro assunto, é dia de decisão do campeonato. A cidade inteira está apreensiva. A favor ou contra estão todos os torcedores ligados na decisão. As crianças jogam bola na calçada, ao mesmo tempo em que jogam bola narram o jogo como se eles fossem o narrador e os jogadores que em instantes decidirão o campeonato. Fogos de artifício estouram no ar, dando um clima de festa na cidade.

As senhoritas já escolheram o goleiro como o mais belo jogador. Os homens apenas levam muita fé na atuação do goleiro e no artilheiro do time, o mexicano Gonzales. O camisa nove tem raízes na cidade, pois seu bisavô foi um dos fundadores e hoje tem até uma praça com o seu nome. Nos botequins todos aguardam ansiosos pelo começo do jogo. Várias apostas e até um bolão valendo uma Brasília ano 85, para quem acertasse o placar e quem faria os gols.

Faltando pouco minutos para o começo do jogo, apenas um tevê sintoniza um canal qualquer que não o do jogo. É a casa da Dona Amélia, que não vai assistir a decisão. Mesmo sendo um momento que pode entrar para a história do futebol e da cidade, ela não quer saber do jogo. Não desse jogo em especial. Dona Amélia ficará assistindo qualquer coisa menos futebol.

Ela resolve ler uma revista e ouvir música, nisso o telefone toca. É a vizinha, que a convida para assistir o jogo, com mais outras vizinhas. Mas Dona Amélia agradece, mas recusa o convite. A amiga insiste, porém ela é irredutível e dispensa o encontro. Algum tempo depois, a amiga insiste em chamá-la novamente. Então ela explica que não gosta de assistir futebol, porque ela é a mãe do juiz e não suportaria ser xingada sem ter feito nada.

Fim

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Espera sentado

Já estava sentado ali há pelo menos 40 minutos. As pernas formigavam, o pescoço coçava e as meias esquentavam-lhe os pés a ponto de fazer qualquer deserto parecer um bom e velho oásis. Costumava dizer que aquilo era coisa que só acontecia com os outros. Mas desta vez não; era ele, ali, sentado, com as pernas ora arqueadas, ora cruzadas. Já decorara quantos azulejos tinha em cada parede, de ponta a ponta, inclusive quantos estavam quebrados e onde. Até a bateria do seu mp3 já havia acabado.

Olhava em volta e não via ninguém. Ou melhor, havia um; mas era ele próprio, refletido no espelho. Um espelho grande, que ocupava quase uma parede inteira e fazia o recinto parecer maior do que realmente era. Uma imensidão azul que lhe pareceu infinita, inatingível. Lembrava a morte, pensou. Sim, o infinito estava além daquelas paredes. Perto, porém fora do alcance das suas enrugadas mãos. Precisava de alguém; alguém que lhe chamasse, gritasse seu nome. Que lhe ajudasse enfim a encontrar uma saída.

O tempo na solidão parece seguir à conta-gotas. Ele sentia no pulso o ritmo do relógio marcando cada segundo, cada minuto. A cada batida dos ponteiros, o coração parecia responder, afoito e agoniado. Então o equipamento completou seu ciclo: uma hora. Uma hora ali, sentado, sem poder sair do lugar ou conversar com outro ser. Nem uma revista sequer disponível para lhe ajudar naquela difícil espera. Nenhuma.

Finalmente, quando já estava prestes a desistir e assassinar a si próprio, ele ouviu um barulho. Algo como uma batida seca, um ruído leve, praticamente imperceptível. Quase não acreditou. Ajeitou-se onde estava, botando reta a coluna que já parecia uma banana. Queria mais – mais barulho, mais movimentação. Precisava sair daquele marasmo que havia tomado conta de sua vida. A imensidão azul diminuiu, já não lhe parecia mais tão infinita assim; a liberdade lhe pareceu cada vez mais próxima.

Fechou os olhos em concentração total. Precisava captar no ar qualquer ruído, qualquer movimentação. Tudo era questão de concentração, pensou. Pensamento positivo. Entrar em sintonia com os astros para que eles mexam os pauzinhos em seu favor. Suava. Suava frio, física e psicologicamente. Fez um esforço tremendo até que mais um pequeno barulho foi ouvido. Ou deuses estavam do seu lado. E de repente mais um. E outro. E mais outro. Foi a maior sensação de liberdade que ele já sentira na vida.

Finalmente o purgante fez efeito.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O Ford Ka

Eu sou, na verdade e ao mesmo tempo, duas pessoas. Na verdade várias, dependendo da ocasião, mas o importa agora são apenas estas duas: dentro e fora do carro. Isso mesmo. No dia-a-dia, fora do carro, nas conversas à beira do balcão ou no trato com a atendente de telemarketing, comporto-me como um nobre, um lorde inglês, suave e compreensivo tal qual um manso filhote de labrador (desde que isso me seja favorável). No trânsito, porém, a coisa muda de figura: vivo estressado, a 200 por hora, xingando até a mãe da prima da vizinha da coitada que atravessa a rua empurrando seu carrinho de feira lotado de abóboras chinesas. Da porta para fora, um; com as mãos no volante, outro.

O culpado disso tudo, acredite, é o fato de eu dirigir um Ford Ka. Tivesse eu um Opala 78 ou um Omega Suprema, as coisas seriam diferentes. O Ford Ka, por si só, independente do motorista, não é respeitado nas ruas, e ser desrespeitado é o que faz qualquer homem perder a cabeça. Explico. Ninguém quer parar atrás de um Ford Ka no sinaleiro. As pessoas preferem trocar de pista a ter um Ford Ka como "puxador" da fila. O que os outros motoristas não imaginam é que atrás daquele volante minúsculo pode ter um apressado motorista pós-moderno ou o próprio Juan Manuel Fangio. Ford Ka será sempre Ford Ka, aqui ou na Rússia, e ele, talvez pelo seu tamanho, parece não merecer qualquer respeito alheio.

Quem o dirige, sabe: não há moto, por mais pequena que seja, que se digne a deixar a frente do Ford Ka livre num sinaleiro. Elas sempre têm a certeza – mesmo que seja a ridícula Jog ou uma potente Biz 100cc – de que sairão antes do Ford Ka quando a luz vermelha do poste se apagar. Não sei, mas não me parece que o Ford Ka seja tão ruim assim. Já dirigi outro carros 1.0 e eles me pareceram a léguas de distância da potência do Ford Ka. O Fox e o Palio, por exemplo, são infinitamente mais fracos e, digamos, feios que o Ford Ka. Fosse meu carro um fusca, ao menos eu poderia me impor por sua história. Mas não. O Ford Ka é desrespeitado, subjugado e admoestado pelos outros automóveis e motoristas.

Fica aqui meu apelo: não julguem um motorista só por causa do seu carro. Não é porque ele está num Ford Ka vermelho com um adesivo da Hello Kitty ocupando toda a janela traseira (não é meu caso) que ele não conseguirá te ultrapassar na curva. Aquele motor Zetec Rocam é muito mais forte do que parece – e ele me da muitas alegrias diárias, sobretudo quando olho a cara de espanto daquele motorista no Golf GTi se apequenando no retrovisor. Antes de julgar um carro, olhe a cara do motorista: só mude pista se ele for mais baixo que o capô ou  mais antigo que a crise de 29.