quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Festa no Paulo

Suzana entrou na sala escura e foi logo se abancando. Puxou para si um bloquinho e pôs-se a anotar. Era seu maior defeito, o de escrever compulsivamente. Não podia ficar um instante sequer sentada sem que estivesse rabiscando alguma coisa. Coisas sem sentido, palavras apenas, às vezes desenhos; só pelo prazer de rabiscar. Tinha uma coleção de canetas vazias em casa (especula-se que seja esse o seu vício, e não o de escrever por escrever).

Num palco improvisado mais à frente um palestrante falava. "Devemos cuidar da nossa mata ciliar! Sem ela nossos rios irão secar, faltará alimentos e...", bradava ele ao microfone. Era um homem alto, pesado, e suava muito enquanto percorria de um lado a outro da sala. Tudo o que falava, Suzana ia anotando. Não perdia uma palavra. Tal era seu costume que conseguia conversar enquanto transcrevia as falas do orador:

- Você vai hoje na festa do Paulo? – Perguntou à amiga que estava sentada na fileira da frente.
- O quê? – A outra respondeu, aturdida, parando de anotar o que ouvia.
- Eu perguntei se você vai na festa do Paulo, hoje à noite.
- Eu sei que você perguntou isso, Suzana. Só que saber se isso lá é coisa que se deva perguntar...

Suzana ficou sem entender. Até parou de escrever. "O que será que eu falei de errado", pensava. Tentou se lembrar se a amiga por acaso tinha tido um caso com Paulo e não queria mais vê-lo, mas nada lhe ocorreu. Suzana imaginou que a amiga devia estar ofendida e se arrependeu de ter perguntado, só não sabia ainda por que motivo. Meio constrangida, perguntou:

- O que é que tem eu perguntar se você vai na festa do Paulo?

A outra se virou irada e, antes de levantar e sair correndo sem pedir licenças, praticamente gritou:

- Você é uma besta. Uma besta!

A sala inteira se virou para ver o que tinha acontecido. Suzana apenas observou a amiga sair e se encolheu na cadeira. Todos a observavam, e ela não sabia o que fazer. Apertou contra si o bloquinho, envergonhada. Juntou suas coisas e levantou lentamente, como se aquilo a fizesse desaparecer. Tirou o cabelo de trás das orelhas de modo que lhe cobrissem o rosto e saiu. Do palco, o palestrante, que tinha se calado como todos na sala, seguiu com o seu falatório.

Já no claro do corredor, Suzana correu os olhos em volta procurando a amiga. Dizia, num sibilo quase inaudível, "Rô! Roberta! Rô, cadê você, Rô?", mas ninguém respondeu. Seguiu resignada até o toalete – tinha um princípio de lágrima saindo dos olhos e imaginou ter borrado a maquiagem. Pensava, de si para si, enquanto empurrava a porta do banheiro: "mas o que foi que eu fiz de errado? Eu nem sabia que ela e o Paulo se conheciam". Então entrou.

Quando ouviu a porta bater atrás de si e o sensor da luz finalmente captar sua movimentação, Suzana percebeu um vulto correndo em sua direção. Pensava ser Roberta, a amiga ofendida, deixando transparecer um acesso de fúria. Ia arrancar-lhe os cabelos. Cairiam no chão, emaranhadas, uma arranhando a outra onde desse. Gritou o mais alto que pôde:

- Socorro! Alguém me ajude, tem uma louca no banheiro.

Então ela caiu no chão. A outra tapou-lhe a boca e olhou fixo em seus olhos. Suzana viu o ódio impregnado naquele rosto febril. Imaginou-se morta, com a cabeça rachada de pancadas que a outra lhe daria – ou que pelo menos sairia dali com uma unha quebrada e uma saia rasgada. Roberta finalmente falou:

- Que bom que você chegou lá, amiga! Já não agüentava mais aquele palestrante chato. Queria sair daquela sala a todo custa. Não podia sair de fininho, porque ele tira sarro de quem faz isso. Uma outra moça saiu e ele a chamou lá na frente, no palco.

As duas então se abraçaram, chorando. Uma de nervoso, a outra de felicidade. Acharam graça daquilo tudo e de noite foram à casa do Paulo, juntas.

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