Era uma quinta-feira, mas isso não é importante. Tanto faz o dia ou a hora.
Estávamos em dois, Neide e eu. Neide era a garota com quem eu tinha viajado para um congresso na Bolívia. Namorávamos. Não era muito bonita, a Neide, mas nos dávamos bem. Muito divertida, ela.
Enfim, estávamos nós andando pelo centro da cidade. Tudo estava escuro, exceto pelos faróis dos automóveis que cruzavam a avenida logo em frente. Estávamos no Centro Histórico, e desde 1984 era proibido o tráfego de carros e motocicletas por ali. Somente carroças à boi e bicicletas eram permitidas.
Quando nos preparávamos, eu e Neide, para entrar num boteco de esquina, deu-se a explosão. Não uma explosão qualquer: fora um estrondo que certamente ecoaria por muitos quilômetros antes de se dissipar. Olhamos em volta à procura de uma origem para aquele barulho, mas não havia nada. Nem um clarão, nem um fumacê. Fora um barulhão e pronto.
As pessoas saíram rapidamente às janelas, preocupadas. Muitas luzes se acendiam e o murmurinho só aumentava. Alguns moradores dos pequenos edifícios da região saíam às ruas de pantufas e pijamas, procurando em vão a origem daquele som ensurdecedor. Um respeitado comerciante tomou para si as rédeas da situação: "precisamos descobrir de onde veio este som – isso certamente é uma bomba, e das grandes; pode vir a ser perigoso para nós, minha gente". E completou dizendo "pode até ser uma guerra".
Aquela palavra ecoou pelas estreitas vielas do Centro Histórico como um foguete. Guerra – ouvia-se aqui e ali as pessoas comentando que os venezuelanos ou os americanos finalmente atacaram. Uma senhora entrou em pânico ao saber da situação. Lamuriava, com desespero, que seu filho há pouco havia voltado do exército e que uma guerra certamente o tiraria dos seus braços para todo o sempre. Eu e Neide nos olhamos sem saber bem o que pensar, estupefatos com a dimensão que aquele caso tinha atingido em tão pouco tempo. Nem a notícia da morte do Ayrton Senna tinha se espalhado com tanta rapidez.
Antes que pudéssemos ter qualquer reação, o povo já se amontoava ao nosso redor. Todos queriam ver de perto o respeitável comerciante, que agora parlamentava com alguns colegas de cima de um muro. Pedia a eles caixas de som e microfone, além de que avisassem sua esposa para que lhe mandasse o terno. Passado um tepo, virou-se para a platéia, que agora já era multidão e se amontoava sobre as bancas de jornal, e disse: "povo da minha terra, vocês querem sair derrotados deste combate?" E a galera respondia, uníssono e vibrante: "não!" A guerra estava declarada, sem nem antes se saber contra quem.
As caixas de som chegaram. A estrutura fora montada ali mesmo, às pressas, puxando a luz da peixaria e acomodando o microfone sobre umas caixas de madeira que jaziam num canto qualquer da rua de baixo. Dois capangas seguravam as caixas de som na mão porque o fio não era comprido o suficiente. Quando o comerciante apareceu, já de terno, a platéia silenciou. Ele se postou diante do microfone, ajeitou a gravata e disse: "antes de tudo, minha gente, precisamos definir batalhões. Você vai para lá; você vem para cá..."
Ficamos separados, eu e Neide. Ela foi designada para o Pelotão da Casa Rosa, comandado pelo experiente Mário do açougue. Eles tinham a dura missão de vistoriar a Rua da Piedade, longínquas três quadras dali. A mim restou seguir a comandante Joana Cruz, autodenominada Cacique Jaci, na varredura pela região norte do Centro Histórico. Seguiríamos esgueirados sob os toldos, seguindo as ordens da Cacique Jaci.
Estávamos cruzando a rua Baraçal quando se deu a surpresa: num canto, próximo do lixo, três crianças agachadas riam e mexiam em alguma coisa. Todo pelotão parou para ver o que aconteceria. Então os três garotos correram, recostaram à parede e taparam os ouvidos. Bum! Uma bomba acabava de explodir um lata.
O eco produzido ali, com aqueles pequenos prédios muito colados um ao outro, tornou o barulho completamente ensurdecedor. O mesmo barulho ouvido havia pouco menos de quinze minutos.
O exército se dissipou e todos voltaram às suas casas, cabisbaixos. Eu e Neide inclusive.
Estávamos em dois, Neide e eu. Neide era a garota com quem eu tinha viajado para um congresso na Bolívia. Namorávamos. Não era muito bonita, a Neide, mas nos dávamos bem. Muito divertida, ela.
Enfim, estávamos nós andando pelo centro da cidade. Tudo estava escuro, exceto pelos faróis dos automóveis que cruzavam a avenida logo em frente. Estávamos no Centro Histórico, e desde 1984 era proibido o tráfego de carros e motocicletas por ali. Somente carroças à boi e bicicletas eram permitidas.
Quando nos preparávamos, eu e Neide, para entrar num boteco de esquina, deu-se a explosão. Não uma explosão qualquer: fora um estrondo que certamente ecoaria por muitos quilômetros antes de se dissipar. Olhamos em volta à procura de uma origem para aquele barulho, mas não havia nada. Nem um clarão, nem um fumacê. Fora um barulhão e pronto.
As pessoas saíram rapidamente às janelas, preocupadas. Muitas luzes se acendiam e o murmurinho só aumentava. Alguns moradores dos pequenos edifícios da região saíam às ruas de pantufas e pijamas, procurando em vão a origem daquele som ensurdecedor. Um respeitado comerciante tomou para si as rédeas da situação: "precisamos descobrir de onde veio este som – isso certamente é uma bomba, e das grandes; pode vir a ser perigoso para nós, minha gente". E completou dizendo "pode até ser uma guerra".
Aquela palavra ecoou pelas estreitas vielas do Centro Histórico como um foguete. Guerra – ouvia-se aqui e ali as pessoas comentando que os venezuelanos ou os americanos finalmente atacaram. Uma senhora entrou em pânico ao saber da situação. Lamuriava, com desespero, que seu filho há pouco havia voltado do exército e que uma guerra certamente o tiraria dos seus braços para todo o sempre. Eu e Neide nos olhamos sem saber bem o que pensar, estupefatos com a dimensão que aquele caso tinha atingido em tão pouco tempo. Nem a notícia da morte do Ayrton Senna tinha se espalhado com tanta rapidez.
Antes que pudéssemos ter qualquer reação, o povo já se amontoava ao nosso redor. Todos queriam ver de perto o respeitável comerciante, que agora parlamentava com alguns colegas de cima de um muro. Pedia a eles caixas de som e microfone, além de que avisassem sua esposa para que lhe mandasse o terno. Passado um tepo, virou-se para a platéia, que agora já era multidão e se amontoava sobre as bancas de jornal, e disse: "povo da minha terra, vocês querem sair derrotados deste combate?" E a galera respondia, uníssono e vibrante: "não!" A guerra estava declarada, sem nem antes se saber contra quem.
As caixas de som chegaram. A estrutura fora montada ali mesmo, às pressas, puxando a luz da peixaria e acomodando o microfone sobre umas caixas de madeira que jaziam num canto qualquer da rua de baixo. Dois capangas seguravam as caixas de som na mão porque o fio não era comprido o suficiente. Quando o comerciante apareceu, já de terno, a platéia silenciou. Ele se postou diante do microfone, ajeitou a gravata e disse: "antes de tudo, minha gente, precisamos definir batalhões. Você vai para lá; você vem para cá..."
Ficamos separados, eu e Neide. Ela foi designada para o Pelotão da Casa Rosa, comandado pelo experiente Mário do açougue. Eles tinham a dura missão de vistoriar a Rua da Piedade, longínquas três quadras dali. A mim restou seguir a comandante Joana Cruz, autodenominada Cacique Jaci, na varredura pela região norte do Centro Histórico. Seguiríamos esgueirados sob os toldos, seguindo as ordens da Cacique Jaci.
Estávamos cruzando a rua Baraçal quando se deu a surpresa: num canto, próximo do lixo, três crianças agachadas riam e mexiam em alguma coisa. Todo pelotão parou para ver o que aconteceria. Então os três garotos correram, recostaram à parede e taparam os ouvidos. Bum! Uma bomba acabava de explodir um lata.
O eco produzido ali, com aqueles pequenos prédios muito colados um ao outro, tornou o barulho completamente ensurdecedor. O mesmo barulho ouvido havia pouco menos de quinze minutos.
O exército se dissipou e todos voltaram às suas casas, cabisbaixos. Eu e Neide inclusive.
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