Quem olhava de fora via um trabalhador concentrado no serviço, mas a verdade é que ele passara a manhã inteira olhando para a tela de seu computador pensando nela. Via naquela profusão de cores e formas (sua proteção de tela chamava-se "psicodelia") o próprio vulto da mulher amada. Os cabelos esvoaçantes , os olhos cor de mel; dir-se-ia até que escutava sua voz delicada falando-lhe asneiras no ouvido. Ela, só ela.
Tinham brigado na noite anterior. Não uma briga qualquer, mas uma daquelas que culminam no fim de um relacionamento. Daquelas em que verdades que são ditas sem pensar, que machucam profundamente e causam uma ira incontrolável. Durante uma briga dessas, o amor, por mais antigo e sólido que pareça ser, simplesmente desaparece. Só o que fica é ódio e rancor. No dia seguinte tudo volta, claro, e para ambos, principalmente se é um amor verdadeiro – não se deixa de amar uma pessoa de um minuto para o outro. Esquece-se, sim, do amor por alguns instantes durante a briga, mas jamais para toda a vida. Aliás, quando se ama de verdade, ama-se para todo o sempre, mesmo que estejam cada qual do seu lado do globo e com seus respectivos (e novos) cônjuges. O amor é o mais puro e irracional dos sentimentos.
Ele foi expulso da casa dela sob os gritos de "vá; vá e não volte nunca mais, seu grande canalha", e nem teve tempo de se defender. Ou melhor: teve, mas não o fez. Arrependia-se, agora, de não ter respondido a ela no mesmo tom. Fora humilhado, escorraçado, botado para escanteio – e nada conseguiu fazer para evitar. Nem um grito, nem uma batida de porta. Deveria ter-lhe dito ao menos que a ama e que nada para ele é mais importante do que ela. "Mas um homem é extremamente vulnerável", completava em pensamento. "O instinto é mais forte do que qualquer caráter. O ser humano é, acima de tudo, um animal. Sua racionalidade está justamente em conseguir controlar alguns instintos". Alguns.
"Vou ligar para ela", disse de si para si. Mas ligar a essa hora, conjeturou, era rebaixar-se á mais ultrajante humildade a que um homem pode chegar. Ela tinha razão de fazer o que fez, apesar de tudo. Ele errou e, por mais que não fosse totalmente culpado, deveria manter-se firme para não dar a razão de mão beijada a uma fêmea. A um homem que deseja ter uma mulher jamais é concedido o direto da humildade. Ele precisa ser convicto, durão, senão elas tomam conta. Não que isso seja totalmente ruim, mas uma mulher que tem o controle da situação logo perde o interesse. Balzac disse que a duração da paixão de um homem é proporcional à resistência oferecida pela mulher, então o contrário também deveria valer.
Voltou para casa confuso. Queria lhe telefonar, mas a conhecia muito bem para saber que certamente ainda estaria de cabeça quente. Seria novamente humilhado, ao gritos, e mais uma vez sequer conseguiria se fazer ouvir. Pensou, acendendo um charuto, que é preciso saber a hora certa de interpelar uma mulher ofendida. "Há um momento exato entre a ira quase nuclear e a resignação, que bem pode durar milésimos de segundo como décadas – só depende apenas do amor que um sente pelo outro", concluiu. Sentou-se, anda fumando, e decidiu esperar. Esperaria o tempo que fosse preciso. Tinha tempo.
Tinham brigado na noite anterior. Não uma briga qualquer, mas uma daquelas que culminam no fim de um relacionamento. Daquelas em que verdades que são ditas sem pensar, que machucam profundamente e causam uma ira incontrolável. Durante uma briga dessas, o amor, por mais antigo e sólido que pareça ser, simplesmente desaparece. Só o que fica é ódio e rancor. No dia seguinte tudo volta, claro, e para ambos, principalmente se é um amor verdadeiro – não se deixa de amar uma pessoa de um minuto para o outro. Esquece-se, sim, do amor por alguns instantes durante a briga, mas jamais para toda a vida. Aliás, quando se ama de verdade, ama-se para todo o sempre, mesmo que estejam cada qual do seu lado do globo e com seus respectivos (e novos) cônjuges. O amor é o mais puro e irracional dos sentimentos.
Ele foi expulso da casa dela sob os gritos de "vá; vá e não volte nunca mais, seu grande canalha", e nem teve tempo de se defender. Ou melhor: teve, mas não o fez. Arrependia-se, agora, de não ter respondido a ela no mesmo tom. Fora humilhado, escorraçado, botado para escanteio – e nada conseguiu fazer para evitar. Nem um grito, nem uma batida de porta. Deveria ter-lhe dito ao menos que a ama e que nada para ele é mais importante do que ela. "Mas um homem é extremamente vulnerável", completava em pensamento. "O instinto é mais forte do que qualquer caráter. O ser humano é, acima de tudo, um animal. Sua racionalidade está justamente em conseguir controlar alguns instintos". Alguns.
"Vou ligar para ela", disse de si para si. Mas ligar a essa hora, conjeturou, era rebaixar-se á mais ultrajante humildade a que um homem pode chegar. Ela tinha razão de fazer o que fez, apesar de tudo. Ele errou e, por mais que não fosse totalmente culpado, deveria manter-se firme para não dar a razão de mão beijada a uma fêmea. A um homem que deseja ter uma mulher jamais é concedido o direto da humildade. Ele precisa ser convicto, durão, senão elas tomam conta. Não que isso seja totalmente ruim, mas uma mulher que tem o controle da situação logo perde o interesse. Balzac disse que a duração da paixão de um homem é proporcional à resistência oferecida pela mulher, então o contrário também deveria valer.
Voltou para casa confuso. Queria lhe telefonar, mas a conhecia muito bem para saber que certamente ainda estaria de cabeça quente. Seria novamente humilhado, ao gritos, e mais uma vez sequer conseguiria se fazer ouvir. Pensou, acendendo um charuto, que é preciso saber a hora certa de interpelar uma mulher ofendida. "Há um momento exato entre a ira quase nuclear e a resignação, que bem pode durar milésimos de segundo como décadas – só depende apenas do amor que um sente pelo outro", concluiu. Sentou-se, anda fumando, e decidiu esperar. Esperaria o tempo que fosse preciso. Tinha tempo.
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