Chamava de baitola todo e qualquer pretendente da filha Lurdinha. Não que quisesse afastá-los da menina; pelo contrário: adorava crianças e não via a hora de ter seu primeiro neto. O fato é que só casaria a filha com primeiro cabra macho arretado que ousasse desafiá-lo. Os anos iam passando e ninguém se atrevia a discordar daquele velho cangaceiro.
O engraçado é que de cangaceiro Seu Manoel não tinha nada. Isso foi uma "profissão" que ele escolheu ter depois de aposentado. Se vestia mais à moda cowntry do que à la matador nordestino: botinas com esporas, calças de couro com franjas nas laterais, camisa xadrez enfiada por dentro da calça, colete de couro com infinitos bolsos, chapéu de boiadeiro e, claro, cinto com uma fivela imensa. Na cintura carregava um coldre vazio "que é pra mor de não fazer besteira". Mas ai de quem duvidasse que ele era mesmo um cangaceiro.
Certo dia, quando Seu Manoel já andava com o destino da filha, apareceu um novo pretendente para Lurdinha. Ela, que há muito já passava dos 30, andava pela cidade toda empolgada dizendo "agora vai, agora vai". O namoradinho, Tonhão, era grande e forte como um touro, e tão ou mais agressivo que um cruzamento de Victor Belford com Alexandre Frota. No primeiro almoço na casa da moça – o famoso almoço de reconhecimento promovido por Seu Manoel a cada novo caso da filhinha – Tonhão foi o mais ríspido que pode:
- E ai, velho? É tu que é o pai da garota?
- Olha lá como fala comigo, rapaz – respondeu o cangaceiro Manoel, com a voz de dublagem de filme de bague-bague que usava para intimidar os adversários.
- Falo como quiser, seu velho frangudo. Se eu quiser, te deixo num canto com os braços amarrados nas pernas.
A essa altura, Seu Manoel já estava de pé com a mão no coldre, mesmo que vazio – uma velha tática do seu herói Virgulino Lampião para assustar os inimigos. Puxou a aba do chapéu um pouco mais para baixo e desafiou:
- Tu é baitola, rapá. Com essa pampa toda, esses músculos todos, aposto que tu fica se ensaboando com as outras bichas da academia. Tu não me engana não, bichinha.
Agora sim Tonhão parecia um touro. Bufava e gemia de raiva. Sua têmpora parecia que ia explodir a qualquer momento. O rosto quente e vermelho suava sem parar. Já estava com uma faca na mão quando, aos prantos, falou:
- Seu velho preconceituoso! Agora entendo porque sua filha queria tanto sair dessa casa. Racista! Você é todo preconceituoso e nem sabe que sua filha é a rainha gay lá da "comunidadi". Sou bicha sim, só vim aqui porque ela insistiu e...
Como todo bom cangaceiro, Seu Manoel era prevenido. Sob a mesa guardava um três-oitão carregado com munição de fabricação própria. Com um rápido movimento, acertou uma bala no meio da testa da bicha esganiçada. Matou também Lurdinha, de desgosto.
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