Ambiente com pouca luz, não estava lotado, mas a maioria das mesas
estavam ocupadas. A fumaça de cigarro, o jazz tocava o tempo todo e só
era interrompido por Cartola, Tom Jobin ou raramente por Chico Buarque.
Um dos garçons entre as mesas anotando e servindo os pedidos. Do lado
esquerdo da entrada uma máquina de música, para quem quisesse dividir
seu goto musical com os demais no bar. Dentro do balcão o garçon que
servia as bebidas e James, o proprietário do recinto, também ajudava com
as bebidas.
Todo dia ela entrava no bar, tomava uma dose de whisky e uma água.
Pegava uma moeda e colocava uma música do Cartola, A Vida é um Moinho,
sentava-se sozinha e do balcão sem muito interesse olhava para os
clientes do bar e depois parecia ignorar tudo e todos. Tinha um certo ar
de intelectual, mais pelos livros que carregava do que pelo estilo e os
óculos quadrado (moda entre emos, fãs de Los Hermanos e Indies) que
caprichosamente ela guardava após James, trazer seu whisky.
O Bar do James, sempre foi um reduto democrático, jamais ocorreu alguma
briga ou alguém deixou de pagar a conta. Dizem que apenas quando a
seleção irlandesa ganha dos ingleses, James sem fazer alarde nenhum
oferece uma dose por conta da casa. James é filho de irlandeses, viveu
durante vinte anos em Dublin. Mas foi depois de uma passagem por Belfast
que resolveu voltar para o Brasil, seu país de nascimento, após um
incidente com... fogos de artifício digamos.
A garota com jeito intelectual e óculos quadrado, certo dia resolveu
pedir o seu costumeiro whisky, só que desta vez no lugar da água pediu
uma guinness. James que não era de muita conversa, sempre servia e não
se alongava em conversas com os seus clientes, estranhou o pedido da
moça. Elogiou a escolha, ela retribuiu com um sorriso. E nos dias
seguintes acabou subistituindo também o whisky por duas guinness. A
música continuava a mesma, Cartola.
James certo dia se sentiu a vontade e assim que a moça chegou no balcão
trouxe uma guinness e quis puxar conversa como nunca tinha feito com
nenhum(a) outro(a) cliente do bar. Ela sorri e os dois conversam sobre
suas vidas, sobre a Irlanda e outras afinidades. Depois desse dia James
e Eva (nome que substituiu o 'garota com jeito de intelectual') sempre
ficavam jogando conversa fora no balcão ao som de Cartola.
Isso fez o ambiente do bar mudar, com o tempo James foi tratando com
mais cortesia os seus clientes. O lugar parecia até mais iluminado, e os
freqüentadores sabiam o motivo. Desde que James e Eva se tornaram amigos
o lugar mudou. Certo dia James avisou que não iria trabalhar, deixou um
dos garçons como responsável e foi resolver "uma coisa", foi o que
disse. Claro que ele foi ao encontro de Eva.
Os dois foram jantar num restaurante egipcio, depois foram andando até a
casa de Eva, ela o convidou para entrar e os dois "dormiram" juntos.
Após isso começaram um namoro afinal eles tinham algumas qualidades e
defeitos muito parecidos. Mas Eva escondia algo, isso com o tempo foi
deixando James ressabiado. Até que um dia Eva diz que perdeu o pai,
ainda quando era uma garotinha, mas nunca falava quem era o pai dela e
nem como foi a morte dele.
A relação de Eva e James se fortalecia cada vez mais, e com isso James
pode notar que Eva sempre ficava muito deprimida e depois um tanto
raivosa quando lembrava do pai. James falava de seu pai tentando
confortar Eva, o pai dele tinha sido um importante detetive policial em
Dublin. Ele foi chefe do departamento anti-bombas, um departamento
designado também para acabar com o IRA.
Depois de saber disso Eva pediu para ficar sozinha um tempo, disse que
estava tudo bem, que James tinha ajudado bastante. Ele não entendeu
muito e mesmo assim saiu deixando Eva sozinha. No bar James continuou
tratando todos de maneira gentil e atenciosa, mas Eva já não aparecia
por lá com frenqüência. E foi ficando cada vez mais raro ver Eva no bar,
mas o relacionamento de James e Eva continuava a mesma coisa.
Numa noite chuvosa de sábado, um dos garotos de rua que se escondiam
debaixo da marquise de uma mercearia ao lado do bar, entra no bar e
entrega um bilhete para James e sai, era um bilhete da Eva. Do lado de
fora do bilhete estava escrito: 'abra no carro'! Como o bar estava cheio
James colocou o bilhete no bolso e continuou trabalhando. Acabou
esquecendo do bilhete, na hora de ir embora lembrou-se, mas resolveu
fazer o que Eva pediu no bilhete.
James entra no carro, coloca a chave na ignição e antes de dar partida
abre o bilhete, que tinha os seguintes dizeres: /Querido James, foi
maravilhoso conhecer você. Tudo que passamos foi e será inesquecível. É
uma pena não poder viver mais com você, mas isso aqui é o fim.../ antes
que James terminasse de ler, resolve ligar o carro. Num instante uma
explosão acaba com a calma daquela noite chuvosa. O carro de James vai
pelos ares em pedaços.
No dia seguinte foi encontrado um pedaço do bilhete: /Estou fazendo isso
pela honra da minha família. Seu pai foi o responsável pela morte de meu
pai. Ele não soube como provar que não era o perigoso militante do IRA.
Na verdade era eu quem seu pai procurava, só era conhecida apenas por
meu sobrenome. Por isso confundiram e pegaram meu pai, que não tinha
nada com o IRA. Mas agora seu pai deve saber a dor que é perder alguém
amado.../
Depois disso nunca mais se teve notícias de Eva.
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