Nunca tive problemas com meu pai. A gente se vê tão pouco que nem dá tempo de se criar intrigas.
Ele saiu de casa quando eu era muito pequeno, nem me lembro. Eu devia estar com uns dois anos. De lá pra cá, nos vimos uma, duas vezes por ano, quando muito.
É que ele mora longe, e normalmente não tem dinheiro pra vir pra cá ou pra que eu vá pra lá.
Mas pai é pai. E o fato é que eu o amo. E ele também me ama, eu acho.
Outro dia eu trocava os canais da televisão lá de casa. Fugia das novelas e programas de auditório – tanto que no final só me sobraram reprises de jogos de futebol e mesas-redondas.
Num dos tantos intervalos comerciais, dei aquela famosa zapeada. Bati meu recorde: menos de três segundos em cada canal. De passagem, ouvi uma voz conhecida. Era o pai.
Não era nenhum programa estilo Ratinho ou "Problemas de Família, com Márcia Goldsmith". Era algo como um talk show, um programa de entrevistas bem ao modelo Jô Soares.
Eu pensava: o que raios será que o velho está fazendo lá?
Parei para ver a entrevista. Ainda estava no começo, nas apresentações formais.
Era um canal desconhecido, entre o 70 e o 90. Ninguém vê, mas eu estava assistindo. E não sei por quê sabia que meu pai sabia que eu estava vendo.
Está famoso, o danado! Bem... famoso, famoso, ainda não. Mas estava no caminho.
O apresentador perguntava sobre a sua vida, o que fazia quando era criança, se tinha alguma história engraçada pra contar. Uma hora perguntou sobre sua prole, ó apresentador chato.
Meu pai engasgou. Afinal nem ele sabe onde estão os seus tantos filhos.
Eu ainda não sabia porque ele estava lá, não sabia porque era famoso. Mas estávamos falando sobre mim, de uma forma ou de outra.
Quando o chato do apresentador perguntou ao meu pai sobre seu filho famoso eu senti que ele se atrapalhou inteiro (o pai, não o apresentador). Eu achei que ele não se sentia bem em falar sobre algo que não entende muito, sobre um assunto que não havia estudado com tanto afinco antes da entrevista.
Queriam saber o que ele achava do trabalho do filho, como era ou estava sua relação com ele (ou comigo, como queiram), se ele tinha planos de trabalhar em conjunto. Mas ele não respondia. Estava mudo, o pai.
Surgiu-me aquela angústia. Ora, será que ele vai admitir que nunca foi presente? Será que ele vai explicar, publicamente, os reais motivos de tanto espaçamento entre as visitas? Será que ele vai explicar o que raios estava fazendo naquele maldito programa?
Então o apresentador, o chato, chamou os comerciais.
Como não há angústia que não se cure com um viciozinho inocente, peguei meu controle remoto e tornei a zapear nos canais. Ah, como isso é bom! É como uma fuga da realidade, afinal eu posso escolher a minha fantasia.
"Ó Alberto Marcos, não me deixe!" Deixo, deixo sim sua mexicana mal dublada.
"E não é só isso! Com esse revolucionário produto você..." Revolucionário produto é o controle remoto: zap!
Até que me lembrei que já devia ter começado o segundo tempo daquele clássico de 1981 que estava passando no canal de esportes. Quase perdi aquele gol antológico do mais memorável dos memoráveis pontas esquerda que existiram.
Quando lembrei da entrevista, voltei correndo ao canal (78? 79? Vai saber). A essas alturas já passava um programa sobre pesca, provavelmente gravado durante a segunda guerra mundial.
Enfim, não sei o que meu pai fazia naquele programa. Não sei porque agora era famoso. Não sei o que ele disse – ou se disse – sobre mim. Continuo não sabendo nada sobre a nossa relação, a não ser que ele me liga a cada seis meses dizendo que está na cidade.
Tanto faz. Melhor assim.
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Zapp
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