terça-feira, 29 de maio de 2007

Carta ao amigo francês

Caro Pierre,
Lamento muito sua decisão de não vir mais morar no Brasil. Fiquei até desapontado quando sua mãe me contou da cara de susto que você fez ao ler o noticiário daqui. Logo você, um rapaz tão esclarecido, tão lúcido. Pois saiba que tudo o que você leu é mentira, tudo invenção da mídia.
Todos esses escândalos, maracutaias, balas perdidas e afins são pura ficção, são simplesmente história da carochinha para entreter o povo. No Brasil as coisas funcionam tão perfeitamente que é preciso inventar problemas para quebrar a monotonia. A gente cria essas parábolas para ter o que discutir no bar, depois do expediente.
Aposto que aquele seu jornal preferido, o Le Monde, noticiou há algumas semanas que um grupo de franceses foi assaltado logo que chegou no Rio de Janeiro, certo? É mentira, Pierre. Eles apenas participaram de uma pegadinha. O problema é que não esperaram até o momento dos atores anunciarem, rindo, a piada para as câmeras de TV.
Isso é tradição no Brasil: os turistas chegam, são abordados por uma equipe de profissionais armados e ouvem que estão sendo assaltados – e olha que isso é tão comum que as emissoras, acredite, travam uma verdadeira "guerra" para ver quem chega primeiro aos visitantes. Infelizmente eles ficam assustados e entregam tudo o que têm aos atores. Depois correm de volta ao seus países sem nem conversar com o apresentador do programa.
Se apenas um destes estrangeiros voltasse, qualquer dia que fosse, viraria celebridade instantânea por aqui. Daria centenas de entrevistas, participaria de almoços beneficentes, festas badaladas, jogaria futebol com os artistas e até mesmo namoraria com algum famoso. Se fosse bonito, então, teria grandes chances de ganhar um bom dinheiro posando nu. Sem falar na tarde de autógrafos que viria depois, com certeza super concorrida.
É uma pena que vocês, estrangeiros, não entendam a cultura do Brasil. Somos um povo criativo por natureza. Basta ver o título das nossas mais recentes histórias: Sanguessugas, Vampiros, Mensalão, Condor, Tridente. Outro dia até saiu uma em língua estrangeira, matéria de exportação mesmo. O título foi Huricane.
Enfim, espero que com isso você reveja seus conceitos sobre meu país e reconsidere sua mudança para cá. Eu até poderia citar outros exemplos da nossa criatividade, só não o faço por falta de espaço e, principalmente, de tempo – afinal estou atrasadíssimo para conferir a gravação de mais uma de nossas historinhas, que dessa vez estão chamando de "Operação Navalha".
Um abraço, Maycon.
P.S.: Se você decidir vir, não se esqueça da pegadinha. É só entrar no jogo dos atores que tudo acabará bem.

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