Devo contar que tenho uma ligeira queda por literatura. E que se lixem as convenções: literatura é literatura, não importa o livro. Tendo letras que formam palavras que formam frases que formam idéias, é literatura. Leio o que jogam na minha frente, desde um sorridente livro de auto-ajuda até uma pesadíssima filosofia em alemão arcaico.
Leio, inclusive, romances policiais baratos, vendidos em bancas de jornal. Daqueles em que há um assassinato absurdo e misterioso por volta da página 10, uma torrencial cena de sexo entre o mocinho e a garota sexy (que, na verdade, é namorada do bandido e só sai com o mocinho para atrapalhar as investigações) na página 90 e, afinal, a solução – incrível – do crime nas últimas oito páginas.
A última folha é reservada para contar a merecida viagem do agente secreto para uma praia paradisíaca na América Central, onde ele recebe, bebendo um dry-martini (" stirred, not shaken"), a correspondência para a missão seguinte – que será tratada, claro, no próximo livro do autor.
As fórmulas são sempre as mesmas, só mudam o tipo dos crimes, os nomes dos personagens e dos países – que costumam variar entre os do leste europeu e do oriente médio – e a cor do cabelo da garota sedutora. Mas, não sei por quê, essas histórias são interessantes. Talvez porque contam exatamente aquilo que as pessoas querem ler, e de forma tão simples que não é nem preciso pensar. Elas divertem quem precisa de diversão.
Acho que todos os que lêem estes romances de 5ª categoria esperam um dia solucionar um crime, tal como fazem seus heróis dos livros. Analisar mensagens cifradas, impressões digitais, pegadas, sinais das estrelas, marca do charuto. Seria a glória para o caboclo. Ele cogita, até, em abrir um escritório, no 13º andar de um antigo prédio comercial do centro da cidade (daqueles bem sujos e mal freqüentados), com seu o nome na porta .Depois anunciaria no jornal "Detetive particular. Soluciono crimes. Discrição total. Fone 555-5555". Falo por mim.
Cada vez que termino um livros desses, fico pensando nisso: eu, usando uma calça xadrez de lã marrom, suspensórios e chapéu de boiadeiro, sentado com as pernas cruzadas sobre a mesa abarrotada de papéis inúteis e livros sujos; na ante-sala, uma secretária inocente e míope, vestida de macacão roxo, faz as unhas enquanto espera as ligações; no imenso armário de arquivos, transbordam falsos casos solucionados por mim, para dar a impressão de eficiência; na parede ao fundo, fotos minhas com a mão no queixo olhando os contornos que os policiais fazem em torno de onde caíra o cadáver; segurando a lupa, mando o cliente esperar por um instante enquanto analiso um velho jornal a procura de provas; por fim, meu charuto empestando todo o gabinete com sua fumaça densa de fumo barato (eu, com certeza, deixaria as janelas fechadas. Só para dar o clima).
Pensar, imaginar, sonhar. Isso é a mágica da literatura.
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