quarta-feira, 6 de junho de 2007

Rebeliões

Dias desses eu fui preso. Sim, preso! Mas não se assuste, não foi tão ruim assim.
Passei umas poucas noites numa prisão estadual comum, onde come-se mal, bebe-se mal, veste-se mal, dorme-se mal e até urina-se mal – mas é um ótimo lugar para os relações públicas.
Eu era inocente, claro; fora preso por engano. Eu e todos os meus 114 companheiros de cela. Na cadeia todo mundo é inocente, não sabe de nada e qualquer informação sobre os crimes só falando com os respectivos advogados.
Numa tarde, ainda, tive a sorte de pegar uma rebelião. Sorte mesmo, afinal isso é tão raro. Fiquei lá só três dias e presenciei uma rebelião! Quanta honra.
Eram quase uma centena de presos, todos encapuzados para não aparecer na televisão, com as armas em punho e dando gritos de guerra. Os policiais e carcereiros – cidadãos comuns, coitados – ficaram amedrontados do lado de fora das grades, pedindo calma, calma prisioneiros. "Não se preocupem. O diretor Clóvis Barbosa está vindo e tudo irá se resolver".
Com o anúncio, veio o silêncio geral. Lá todos conheciam o Dr. Clóvis. Todo mundo já estivera um dia na sala do diretor, seja para pagar um adiantamento de droga, seja para pegar um adiantamento de droga. Todo mundo sabia que o diretor nada iria resolver, mas ficaram felizes que ele estivesse ali, afinal fazia quase um mês que não aparecia. Os viciados já estavam na "neura".

No dia em que fui solto, corri até Brasília para reclamar ao STF. Tudo bem por lá, já que fui o primeiro a chegar ao tribunal. Ainda era terça-feira à tarde, início dos trabalhos na capital federal, e todos me atenderam com simpatia, apesar da ressaca.
Caso resolvido – era apenas um problema de homônimos –, hora de voltar para casa. Brasília, quinta-feira, 14h, Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Kubitschek: só mesmo os muito inocentes para pegar um avião nesse horário. Em plena quinta à tarde, bem no horário de pico! Ainda mais com essa crise toda atingindo a área (da aviação, e não em Brasília: na cidade todo mundo é inocente, não sabe de nada e qualquer informação sobre os crimes, digo, assuntos políticos, só falando com os respectivos advogados, digo, assessores).
É bom ressaltar que, em Brasília, as quintas-feiras depois do almoço funcionam como seis da tarde das sextas-feiras no resto do Brasil: terminam os expediente e todos querem voltar para casa, curtir um belo fim-de-semana ao lado da família. Por isso todo mundo tem pressa.
Como não poderia deixar de ser, falhas no Cindacta 1 causaram atrasos nos vôos. Bem, atrasos não: "conexão tardia" é o que as companhias aéreas preferem anunciar. É como engarrafamento na Visconde de Guarapuava em dia de chuva, quando ficam todos irritados e os xingamentos surgem naturalmente.
A cena que se seguiu foi um perfeito déjà vu:
Eram quase uma centena de políticos, todos mascarados para aparecer na televisão, com as pastas em punho e dando seus gritos de campanha. Os controladores de vôo e funcionários das companhias aéreas – cidadãos comuns, coitados – ficaram amedrontados do lado de dentro das grades, pedindo calma, calma Excelências. "Não se preocupem. O ministro Waldir Pires está vindo e tudo irá se resolver".
Com o anúncio, veio o silêncio geral. Lá todos conheciam o Dr. Pires. Todo mundo já estivera um dia na sala do ministro, seja para pagar um adiantamento de verba, seja para pegar um adiantamento de verba. Todo mundo sabia que o ministro nada iria resolver, mas ficaram felizes que ele estivesse ali, afinal fazia quase um mês que não aparecia. Os viciados já estavam na "neura".
Enfim, qualquer semelhança não é mera coincidência.

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