Lá era gelado, fétido e escuro como toda boa torre medieval. Nada se via que não estivesse sob os teimosos feixes de luz, insistentes em passar pelas frestas do telhado. Vez por outra, pisava-se na cabeça de um rato ou um morcego; matava-se, mas não por maldade. Nem homens, nem ratos e nem mesmo morcegos viam naquela escuridão.
Por isso, não era raro passar a mão sobre os moluscos ou anelídeos que viviam sobre a parede. Para achar o caminho naquela torre de trevas, só se guiando pelo tato. Eram centenas e centenas de degraus ligando infinitos caminhos que levavam do nada ao lugar nenhum – era pelo menos o que se aparentava, já que não havia como saber em que ponto da torre estava. Muito homens morreram por lá, justamente por não acharem o caminho de volta. Somente em dois lugares dava para ter certeza da localização: na entrada da torre, um buraco feito aparentemente à força, e quando se alcançava o topo, já que a cabeça batia no telhado argiloso.
Por lá, ouvidos atentos captavam centenas de tipos de som distintos. Ouvia-se morcegos caçando os ratos para o café da manhã; o piar das dezenas de casais de joão-de-barro que se assentavam sobre as paredes de pedra; as próprias paredes gemendo em seu constante processo de dilatação e retenção; o eco da respiração e da pisada e do soluço e da batida do coração que pareciam ressoar eternamente naquele sem-fim de escuridão e medo; e até um som de martelo que nunca cessava, dando mais ar de terror àquela construção.
Quando se fala em torre, todo mundo pensa num castelo do Séc. XVI, naquelas torres de observação onde ficavam os lanceiros e granadeiros, prontos para anunciar e defender-se de qualquer ataque inimigo. Ou naquelas que serviam de abrigo para feiticeiros de longas barbas brancas, normalmente padrinhos e mentores dos reis. Ou então naqueles calabouços onde se jogavam os presos – até que estes descobrissem uma forma de fugir e virar heróis de conto infantil. Ou mesmo num lugar alto, muito alto, onde uma bruxa aprisionaria uma linda donzela, filha do rei de Happyland, até ela completasse dezoito anos e estivesse apta a casar com um jovem príncipe do reino vizinho, desde que ele descobrisse a charada para tirá-la de lá.
O fato é que a construção em questão é uma torre de quase trinta metros, sem ligação nenhuma com castelos ou contos de fadas, fincada entre dois prédios comerciais no centro da cidade, bem ao estilo daquelas construções abandonadas que serviriam de clubinho para qualquer turma de garotos de até a minha geração, a dos anos 80 – a última que passou a infância morando em casas de madeira e brincando nas ruas.
Mesmo sem castelo, feiticeiros ou donzelas, a torre está lá, com a grama do entorno sempre aparada e impostos rigorosamente em dia. Além disso, o dono do terreno, um velho chamado Malaquias Garfunkel, já recusou centenas de ofertas milionárias pelo terreno. Mas ele não vende, não dá explicações e todo mundo fica sem saber o porquê.
Ano após ano, geração após geração, oferta após oferta, o mistério da torre permanece.
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