Dá para se explicar o amor com dois pauzinhos, uma corda e uma caixa de papelão. Bem, não diria explicar, mas pelo menos ilustrar. E olha que isso já é grande coisa em se tratando do amor. Milhares de filósofos, dramaturgos, escritores, mendigos e afins já tentaram defini-lo, mas nunca houve uma explicação tão poética quanto a de um antigo sábio, que, no caso, é este que vos escreve. A da arapuca.
Nossa vida conjugal é como uma grande caçada a passarinhos. Não que se queira juntar um grande número de espécimes ou uma infinita quantidade de exemplares – apesar de muitos "caçadores" só buscarem isso a vida toda –, mas porque temos que experimentar. Temos que tentar até que se ache o pássaro único, a espécie ainda não catalogada, o "passarinho verde".
Começamos lá pelos doze anos, com o primeiro amor, digo, estilingue. Este pode ser um quero-quero ou um "ubu-de-bico-largo", não importa: quando filhotes, são todos iguais. Pode-se até tentar, mas é só nos cinemas que esse primeiro exemplar da coleção vira o supra-sumo da coletânea, a "moedinha nº1". Normalmente ele servirá como parâmetro nas próximas buscas. Se o primeiro amor deu certo – "se a arapuca serviu" – todos os outros virão com facilidade, afinal, já se sabe como fazer. Se não deu, paciência: a auto-estima dificilmente será recuperada ao longo da vida.
Só depois é que começa a verdadeira perseguição. Experimenta-se desde "uiraçá-falso" até o bom e velho "sabiá-gongá". Com quinze anos, pelo menos para os homens, o importante é encontrar pela frente uma "galinha-do-mato", mas, infelizmente, encontram-se mais "garrinchas-choronas". Já as mulheres adicionam à coleção aves conhecidas por "gavião-belo", ou um "cabeçudo", ou ainda um que canta o dia todo, de nome "canção-de-peito-amarelo". Prova de que o amor é inexplicável é a existência do chamado "cambada-de-chaves" (e tenha certeza que este encontrará por aí algumas donas).
Próximo aos 18, 20 anos, inicia-se a caça aos animais em extinção. Um dos preferidos é o guará, que antigamente habitava toda a costa do Brasil, mas hoje em dia tonou-se raro encontrá-lo. Estão apenas no pantanal do eixo Rio-São Paulo. Questão de sobrevivência: por causa de sua coloração, normalmente são exportados para confecção de adereços – mas sua carne também é muito apreciada. O "balança-rabo-canela" e o "pica-pau-de-coleira" também são outros pássaros em extinção muito queridos pelos colecionadores.
Depois vem a fase da caça objetiva: homens buscam a "noivinha-branca" e mulheres qualquer um que caiba "coleira" no nome ("sabiá-coleira", "batuíra-de-coleira", "bico-assovelado-de-coleira"). É a fase onde todos querem, sob quaisquer circunstâncias, encontrar o exemplar de exposição. Para a mulher, não importa prender um "nei-nei" qualquer; já os homens fogem das "freirinhas-de-coroa-castanha". Mas, na verdade, o que todos querem é encontrar um ser único, o pássaro mitológico. A fênix.
Segundo a lenda, apenas uma fênix pode viver de cada vez, e dura até os 97.200 anos. Ou seja, você só irá encontrar uma fênix durante a vida. É o mais belo de todos os animais: possui longas penas brilhantes, vermelhas e douradas, da cor do Sol poente. Tem, ainda, o poder da auto-combustão – causando sua própria morte para fugir do fim anunciado –, depois renascendo de suas próprias cinzas. E é aí que está toda a beleza e magia do amor.
Encontrar sua própria fênix é o verdadeiro desafio do ser humano. Arrisco-me a dizer que ela só aparece disfarçada, e por isso é que é preciso tentar tanto. Saber diferenciar a morte de um pardal da "auto-combustão" da fênix é o grande segredo. Elas estão sempre aí, uma para cada um, disfarçadas de urubu ou pintassilgo, cantando com sua voz ao mesmo tempo melódica e triste, apenas esperando reconhecimento. Só depois de adivinhada a charada é que se revelam, se transformam. Eis surge a pergunta: mas por que raios elas próprias não se identificam? Ora, se só existe uma fênix para cada um, e disfarçada, pode ser que nem mesmo elas saibam que o são. Pode ser que seja exatamente esse o feitiço da bruxa. E justamente onde reside toda a graça da busca.
Se fosse tudo fácil, nasceríamos já acompanhados de nossas fênix, e a vida seria apenas esperar para o momento de expô-las ao público. Se elas se identificassem, não conheceríamos os "biguás", os "tiês-galo" ou os "murucututus". A graça está na aventura da caçada; na gincana onde se compete com outros colecionadores; no processo de se cuidar de um filhote de cuco até que cresça para se revelar ou não um ser mitológico; na análise minuciosa de cada pena de uma "viuvinha", até que não restem dúvidas de sua verdadeira identidade.
O gostoso é passar noites e noites pensando na morte da coruja, imaginando se ela era ou não sua fênix.
* Todos os nomes das aves são reais, tirados do sítio Brasil 500 Pássaros, do governo federal ( www.eln.gov.br).
2 comentários:
Eu tenho duas coisas a dizer.
A primeira é que esse layout de blog de vcs me faz ver listrinhas e pontinhos pretos na tela quando passo para outros programas que têm fundo branco. Cheguei a ficar tonta! É só comigo?
A outra é que adorei a história de chorar a morte do pardal! Hahahaha! Mas que coisa, essa fênix disfarçada de pintassilgo só faz a gente sofrer... tsc tsc!
Beijos pros guris!
Amanhã dar-te-ei o seu devido e merecido beijo!!!
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