quinta-feira, 10 de abril de 2008

Vou estar transferindo sua ligação

Coitado do gerúndio! Até pouco tempo atrás ele era usado apenas para designar ações correntes: estou jantando, estou escrevendo, estou jogando. Na escola aprendi assim, pelo menos. Mas eis que inventaram o telemarketing e, por conseqüência, seus manuais. Traduzidos mal e porcamente ipsis litteris do inglês, esses roteiros de bom atendimento transformaram I will be transferring em vou estar transferindo. Os tradutores só não levaram em conta que o inglês é uma língua anglo-saxã e o português é latino: a tradução nem sempre pode ser feita palavra por palavra. Bom para nós, os não-atendentes de telemarketing, já que com isso tudo vieram inúmeras piadas.

Enfim, este não é o assunto desta crônica. Ou é, se levarmos em conta que a moda do tal “gerundismo” encobre outra grande mazela da cultura do brasileiro, que atinge especificamente o jornalismo pós-mercantilização-da-notícia: o “futurismo do pretérito”. OK, eu sei que essa expressão nunca foi dita; foi cunhada por mim, agora mesmo. Mas o “gerundismo” também não existia, não é verdade? Aposto que se fosse um bã-bã-bã da notícia tivesse escrito “futurismo do pretérito”, isso logo cairia na boca do povo. Quando essa expressão virar corriqueira, quero meus royalties.

O problema de tudo está nesta guerra sem limites que é a economia de mercado. A notícia hoje é objeto, vendável como um carro ou um pacote de farinha. Ganha quem mostrar as novidades primeiro. Portanto, no afã de querer “furar” os concorrentes, os jornais publicam tudo, inclusive – e acho que principalmente – especulações. E é aí que entra o “futurismo do pretérito”.

Quem nunca leu, principalmente no Terra Gente & TV (anônimos, criticai-me), títulos do tipo “Fulana teria beijado outra na boca”? Pensem: o que quer dizer esse “teria”? Talvez “teria beijado, se fosse verdade”; ou então, e mais provavelmente, “teria beijado, se eu tivesse certeza disso”. Entendem o que isso significa? Estão publicando qualquer suposição, só para dar a notícia antes dos adversários. Se der certo e o fato for confirmado, ótimo: somos melhores que vocês. Se der errado, basta apagar do servidor e nunca mais tocar no assunto. É tão banal que nem desculpas se pede mais.

O futuro do pretérito já vem com um “se” subentendidamente (gostaram dessa?) acoplado. É um verbo que naturalmente precisa de uma explicação; tal coisa só teria acontecido se isso e aquilo tivesse provocado, tal pessoa só teria se matado se o tal pai-de-santo tivesse pedido. Um exemplo concreto é o da Gazeta do Povo, que hoje deu uma notícia sobre a morte da menina Isabella. Assinada Agência O Globo, mas deu. São nada menos que cinco verbos no futuro do pretérito. Cinco! “O buraco na tela de proteção por onde Isabella foi jogada teria sido feito por uma pessoa destra”. Sim, teria, mas por quê? Porque só uma pessoa destra tem força suficiente para cortar os fios? Ou então porque um canhoto nunca alcançaria a posição do buraco? Então escreva isso, raios! “O buraco na tela teria sido feito por um destro, pois os canhotos nunca desenvolveram a habilidade de cortar barbantes”.

Isso estaria menos confuso se eu não estivesse com tanto sono.

Um comentário:

Guylherme Custódio disse...

Esse é o perigo de sempre querer dar antes!