Outra manhã o Velho me ligou. Reconheci-o imediatamente por causa da voz rouca, que ele diz ser resultado de tanto uso nos bares e esportes radicais da vida. Não tenho outros amigos velhos, só parentes, e a eles reconheço por causa da convivência mesmo. Imaginei meu amigo num daqueles antigos telefones beges, com disco, gancho e cadeado. Qual minha surpresa quando ele disse para falarmos rápido porque a bateria do celular estava acabando? Sempre esqueço que meu Velho não é tão velho assim.
Ele ligou porque queria me convidar para um programa de velho, conforme ele mesmo disse. Fiquei esperando que me chamasse para jogar xadrez na praça ou para ir dançar polca no baile do SESC, mas não. Disse que ia levar o neto na lan-house, para ensinar o garoto a jogar CS. Achei aquilo muito estranho e perguntei por que levar o neto na lan-house era um programa de velho. E ele, calmo como sempre, respondeu "ora, meu Jovem, por acaso você já viu algum jovem levar o neto em algum lugar?"
Adoro sair com o Velho. Ele tem uma experiência verdadeira em tudo. Não é daqueles que sabem muitas coisas porque leram em livro. Sabe porque esteve lá e viu as coisas com olhos que a terra há de comer (em breve). Certa vez fomos fazer o passeio de trem pela serra e ele foi daqui até lá contando como era o caminho na época que ainda não havia poluição. "A viagem até Morretes durava mais de duas horas, mas ninguém se importava. Tínhamos que ir devagar porque havia muitos animais no percurso. O maquinista não queria atropelar nenhum bicho. Além disso, o trem parava quando a paisagem era bonita; ou seja, toda hora". Sempre que o Velho pára para contar suas histórias, uma multidão se aglomera em volta.
Chegamos na lan-house e dezenas de rostos viraram para nós. Note que é quase impossível tirar a atenção de um gamer em plena atividade, mas o Velho era realmente uma atração. Além do mais, ele chegou botando banca: "quer ver algum piazão ganhar de mim nesse joguinho". Nenhuma risada, talvez por respeito a idade do desafiante, talvez por causa dos imensos fones de ouvido certamente no último volume que cada cabeça ostentava. Sentamo-nos nas duas últimas máquinas do recinto, o velho com o neto em uma, eu em outra. Quando finalmente consegui conectar ao servidor do jogo (nunca havia jogado o tal de CS), já ouvia o Velho gritando "toma, papudo" lá do outro lado do salão.
Não há moral da história nesta crônica. O único fato pitoresco é que o neto acabou passando a manhã inteira assistindo o avô jogar CS na tela do computador. Ensinar que é bom, nada. Ah, e eu, que levei uma bronca memorável por atirar sem querer na cabeça do personagem do Velho no jogo, que por acaso era meu aliado. "Head shot!"
Um comentário:
Essa crônica me fez lembrar as vindas a Porto Alegre de meu avô, que enfrentava 3 horas de ônibus para nos ver. Nunca me esqueço das imagem, quando íamos pega-lo na rodoviária, sua aparência cansada, mãos calejadas de trabalho, o rosto talhado mas feliz.....boa maycon, vou escrever uma crônica sobre isso
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