terça-feira, 29 de abril de 2008

Outono

Rubem Braga, o cronista-mentor de boa parte dos cronistas brasileiros, uma vez escreveu, sem deixar qualquer brecha para questionamentos: "o outono do ano de 1935 começou ontem, 15 de março, exatamente às 15h48". Não tenho muita certeza nem do ano e nem do dia, quem dirá da hora, mas foi mais ou menos assim. Quando vi isso, pensei com meus culhões: "como pode esse tom tão profético, tão intrépido?" Pois bem, acreditai; vos afirmo, sem sombra de dúvida, que o outono de 2008, pelo menos em Curitiba, começou ontem, 28 de abril, exatamente às 17h46.

Para quem tem memória fraca, permita-me a lembrança. Ontem fazia sol, muito sol. Aquele sol de verão que ainda insistia em queimar nossas cacholas. É certo que ele foi suplantado recentemente durante alguns dias por uma chuva ruim, uma chuva má, que inclusive foi muito comentada por aqui, mas ela durou pouco. Era apenas uma chuva de verão, tanto que o calor propriamente dito não passou. Só que ontem foi diferente, ontem foi o dia da mudança. Eu vi o equinócio de outono. O atraso em relação ao de 1935 é de mais de um mês, mas isso é culpa tão somente da poluição (que foi causada pelos seres humanos que são blá blá blá).

Estava eu voltando para casa depois de um longo dia de intensos afazeres burocráticos segunda-feirais (que bonito isso). O sol já tocava a linha do horizonte, quase vermelho, e na rua em que eu estava ele dava sua graça exatamente na altura e direção dos olhos do motorista. Até aí tudo bem, um pôr do sol normal num dia de verão qualquer como quase todos os outros que estávamos tendo até agora. Porém ontem era dia de mudança, e nada seria completamente igual. Nada poderia ser como dos outros dias.

No rádio tocava – e não me importo se isso é relevante ou não – I've got to see you again, da Norah Jones, e o display acusava 17h46. A rua era uma alameda, cheia de árvores de todas as espécies, mas, principalmente, ipês. E aí bateu o vento. Voaram papéis de bala e outros tipos de lixo para todos os lados; as saias das moças levantaram, mostrando-lhes as pernocas envoltas nas mais belas cintas-liga; os chapéus do velhos, dos intelectuais e dos jornalistas caíram, indo parar quase do outro lado da rua; e, na minha direção, velozes e furiosas como os carros nos filmes, milhares de folhas e flores voaram. Quando eu falo muitas, caro leitor, são muitas mesmo. Tanto que, por puro reflexo, eu me abaixei e pus a cabeça entre as pernas, como ensinam as aeromoças. Sabe-se lá por que, mas foi esse meu primeiro instinto. Passado o susto, pensei "vai chover", e essa foi a senha para a chegada do outono austral.

Não deu outra. Menos de meia hora depois, o que parecia ter chegado era o fim dos tempos. Para dar uma idéia, meu irmão foi afobadamente correndo até mim e falou: "olha para fora, Maycon, está chovendo granito". Definitivamente, pensei, aquele deveria ser mesmo o apocalipse. Raios, trovões, temporal destruidor e granizo: a combinação perfeita para colocar minha mãe encolhida debaixo do edredom, tremendo feito vara de pescar e prestes a começar a chorar.

De repente, de um minuto para o outro, como se fosse mágica, a bonança se instalou novamente. Fez até calor, eu acho. Quando saí de casa para ir à aula, parecia que não havia chovido uma gota de água sequer. Pensei, e tenho certeza de não ter sido o único, que tínhamos visto apenas mais uma chuvinha de verão. Mas não. Fora de casa, a atmosfera era diferente. A forma de se respirar havia mudado, tinham mais plantas nas ruas e as pessoas já não sorriam tanto quanto algumas horas antes. O verão havia acabado, finalmente. O outono chegara àquele minuto em que a primeira rajada de vento levantou a saia da moça. Com ele vieram a melancolia, o frio, a solidão.

O outono chegou. Entristecei, portanto.

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