sexta-feira, 13 de julho de 2007

Vou passar cerol na mão

Eu ainda era um piazinho que usava havaianas azul, calção da seleção e camiseta do Flamengo lá em Curitiba, lembro das muitas brincadeiras que gostava. Jogar bets (o melhor jogo de todos os tempos), buliquinha (bolinha de gude), golzinho (jogado na rua, e os gols eram feito de tijolo ou havaianas), vôlei com a rede pendurada no poste e que só tinha que ser desarmada quando passava um caminhão. Foi uma infância bacana, bons tempos aqueles.

Mas tinha uma parada, que para a rapaziada da rua não era tão brincadeira assim, que nunca fui um às foi raia (pipa, papagaio, pandorga e outros). No começo eu não me atrevia a fazer, mas também não fazia a raia subir. Um tempo depois perdi a vergonha e fui todo meninão para a papelaria da Dona Júlia, a mãe da garotinha ruiva, que ficava na esquina da rua de casa, para comprar papel de seda, cola e um carretel de fio-10. Com toda essa matéria-prima e mais a tesoura de costura (mãe me desculpe, fui eu quem estragou a sua tesoura) era o necessário para a confecção da raia, a minha raia.

Nunca levei jeito para ser engenheiro, tenho uma tendencia à la Picasso, não consigo fazer as coisas retas. Sempre que terminava de fazer uma raia, quando levantava para ver minha obra, percebia que tinha sido em vão. Quase sempre um lado estava maior que o outro. Muitas vezes depois das minhas frustantes tentativas de fazer a minha raia, acabava comprando uma raia do Alex (camarada que sabia fazer raia). O preço era uma pechincha, hoje seria o preço de um doce de amendoim numa banca de jornal.

O tempo passou e certa vez resolvi que não sairia de casa sem fazer uma raia que subisse. Fui até a Papelaria da Dona Júlia, a mãe da garotinha ruiva [2], comprei os lances e fui decidido a fazer a minha raia. Passei a manhã inteira em casa medindo, desenhando e rabiscando o papel de seda, quase meio dia a tia Judite (que me chava de Zico)* me chamou para almoçar, mas só faltava fazer a rabiola. Mau terminei de comer e voltei para meu engenho. Modéstia à parte ficou muito bacana a minha raia. A seda vermelha e preta, retinha tudo no lugar, nem parecia que fui eu quem tinha feito.

Amarrei a rabiola, passei o fio-10 na lata de leite moça e esperei o globo esporte terminar (o Flamengo tinha vencido o Fluminense por 4 a 2) e sai de casa todo cheio de graça. A rapaziada quando viu a minha raia, perguntaram se eu tinha comprado, mas logo viram as marcas da cola e viram que era obra minha mesmo. Fui até o final da rua, esperei os carros passarem e corri contra o vento soltando o fio da lata de leite moça.

Quase não acreditava, era a minha raia que estava subindo. Foram quinze minutos de alegria, otimismo e auto-afirmação. Nunca tinha feito uma raia tão bem feita na vida, e ela lá no alto junto com as raias dos caras da rua de baixo. Mas como alegria de Kibe dura pouco, veio a raia de um puto da rua de baixo e foi nesse dia que descobri o porquê do cerol.

Fim


* Porque a tia Judite me chamava de Zico fica para uma próxima oportunidade.

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