Sabe a reforma política? Fidelidade partidária, voto em lista aberta ou fechada de partidos, financiamento público de campanhas e afins? Parece tudo uma grande confusão, uma discussão sem fundamento e sem hora para acabar, certo? Certíssimo.
Além do mais, como todo e qualquer assunto sério discutido no congresso pelos excelentíssimos senhores deputados, isso vai acabar em pizza. O povo já sabe disso; o povo já espera isso. Por esse motivo que as arquibancadas para assistir as quentíssimas disputas do pentatlo moderno no Pan do Rio estavam tão lotadas.
Que a política brasileira é um grande arraial, o mundo inteiro já descobriu. O que mais tem por aqui é casamento de brincadeira, delegado que prende o noivo e depois solta, cobra (é mentira!), chuva (é mentira!) e crianças* jogando de bombinhas* pelos cantos. Sem falar na fogueira: a nossa fogueira, com certeza, é a maior do mundo. E há quem queira aumentá-la, colocando mais e mais lenha – na surdina, claro, para que não haja reclamações.
Em fevereiro e em abril deste ano foram apresentadas duas propostas de emenda constitucional (PEC), uma no Senado e outra no Congresso, que prevêem o aumento do mandato dos atuais prefeitos e vereadores em mais dois anos. É isso mesmo, caro leitor desempregado: prefeitos e vereadores com mais dois anos de trabalho – e salários – garantidos. Mas calma; há algo de nobre nesses projetos.
As duas PEC são complementares: enquanto uma propõe o aumento do mandato para seis anos, a outra o restabelece em quatro a partir de 2010. Como assim? É que, afinal, a idéia é criar eleições coincidentes no Brasil inteiro já a partir do pleito de 2010. E é aí que está toda a nobreza da proposta.
Segundo o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), autor da PEC 6/07, eleições coincidentes causariam pelo menos três efeitos imediatos no cenário político brasileiro: a redução dos custos de campanha, o fim da paralisia legislativa a cada dois anos e a verticalização "natural" das correntes partidárias. Ora, se tudo que foi proposto for seguido à risca e os fins justificarem os meios, o Brasil deixará de ser uma terra de ninguém para se tornar um país sério, honesto e trabalhador. Tá certo, eu exagerei. Mas se o ano no Brasil começar antes do carnaval já será um grande avanço.
Dos comentários sobre a "verticalização 'natural' das correntes políticas", prefiro me abster. Dos políticos que temos hoje – que são os mesmos que foram ontem e coincidentemente os mesmos que serão amanhã – muito poucos ou nenhum se salva. Só os trocando por monges tibetanos vigiados pela Madre Teresa para haver uma mudança significativa.
Agora a "redução dos custos de campanha", isso sim é uma beleza. Pior para nós, eleitores, que não teríamos mais camisetas novas de pijama a cada dois anos. Mas isso é irrelevante: tudo belo bem comum. Dino, o deputado da PEC, estima que, só em 2008, o país deixará de gastar, entre despesas de campanha e gastos com a Justiça Federal, R$ 1 bilhão. Claro que ele está só querendo vender seu peixe, mas se apenas metade disso for economizado, uma bela ponte superfaturada poderia ser construída no país.
Também tem a parte do "fim da paralisia legislativa a cada dois anos". Quem não sonha em ver um deputado trabalhando por dois anos seguidos? Eles só trabalham* em anos ímpares, sem eleição. Nos anos de campanha, quando não estão concorrendo a cargo algum– seja para vencer ou apenas para ganhar notoriedade (o que é mais comum) –, estão apoiando algum candidato a prefeito ou vereador – que, se vencer, funcionará como cabo eleitoral dali a dois anos, engessando tudo novamente. Com uma eleição só, a cada quatro anos, os políticos ficariam entediados e inventariam algum projeto.
E repare que eu escrevi "deputados trabalhando por dois anos seguidos" ao invés de três, que seria o tempo entre uma eleição e outra. É que durante um ano eles tirariam umas boas férias, coitados.
Enfim, isso ainda trará grandes discussões. De um lado, há os que dizem que "não se muda a regra do jogo com ele acontecendo", como o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), assumidamente candidato a prefeitura de Porto Alegre no ano que vem; do outro, há os que não suportam mais as maracutaias políticas e os horários eleitorais gratuitos*. Estes são conhecidos também como "povo".
Por fim, uma pergunta que ficou sem resposta: há reforma sem mudanças nas regras? Política não é um jogo, deputado.
*Normalmente aqui caberia aspas, mas prefiro fugir do lugar-comum.
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