segunda-feira, 30 de julho de 2007

Vende-se Identidade

Nas mundialmente famosas calçadas de Copacabana, uma multidão de jovens acompanha com entusiasmo um pocket show de Cláudia Leitte, cantora da banda Babado Novo. Ao mesmo tempo, no Salão Nobre do Copacabana Palace, Bruce Willis fala sobre seu novo filme – Duro de Matar 4.0 – com jornalistas do mundo inteiro. E, alheio a tudo isso, um jovem argentino, conhecido por Maurício Dalessandro, diverte-se fazendo pose para fotos ao lado da estátua de Carlos Drummond de Andrade, em frente à Rua Rainha Elizabeth.
Tudo muito comum em se tratando de um domingo de sol na Cidade Maravilhosa. Turistas, celebridades, festas: a Princesinha do Mar é o ponto de convergência de todos os grandes eventos ocorridos no Rio de Janeiro. Seria, se Dalessandro não estivesse confortavelmente instalado, de pijamas, no escritório de sua casa, nos arredores de Buenos Aires; se Cláudia Leitte não estivesse deitada na cama, "se operando" através de um notebook; se Bruce Willis não estivesse em Beverly Hills, tomando sorvete com uma fã enquanto seus assessores manejam seu avatar de um escritório em Nova Iorque; e, acima de tudo, se o horário de Brasília fosse mesmo 15h como aparenta, e não 2h30 como o relógio insiste em anunciar. Estranho? Complicado? Pois é, mas isso é real. Ou pelo menos quase-real: isso é Second Life.
Segundo o site oficial do, digamos assim, jogo, cerca de oito milhões de pessoas já criaram seu personagem virtual, conhecidos como avatar. Numa tradução literal do inglês, Second Life quer dizer "segunda vida". Com a diferença que essa é uma vida na qual se pode voar; uma vida na qual se pode viajar para diversos lugares do mundo com apenas um clique. Conhece-se Milão, Nova Iorque, Paris, São Francisco. Tudo exatamente como é, de graça e sem sair de casa.
Visitam-se lojas onde se compra não apenas roupas ou eletrodomésticos – compra-se uma identidade. Nelas são vendidos cores de pele, formato de olhos, grossura das coxas, cortes de cabelo, tamanho dos pés e até, pasmem, expressões faciais. Tudo para soltar a imaginação e viver onde quiser e como quiser, exatamente como a realidade não permite. Mas e que problemas isso causa? Quais serão as conseqüências dessa vida ideal na formação de caráter dos jovens, principais usuários do SL? Difícil questão.
Do alto dos seus 17 anos, Sebastian Fantini arrisca: "No SL você pode fazer coisas que não faria na vida real. Você enfrenta alguns medos reais no mundo virtual, e isso é fantástico". E de certa forma ele está certo. Já faz quase um ano que Fantini comanda o avatar chamado Maurício Dalessandro, citado no começo do texto. Ele já foi loiro, moreno, magro, negro e careca. Há cerca de um mês, comprou um tipo físico chamado "musculoso" e ganha a vida (virtual) dançando num clube de mulheres. Alguma semelhança com a realidade? "Na verdade eu nem saio de casa direito. Prefiro conversar no SL, onde tenho mais tempo para pensar no que escrever", conta Fantini – por e-mail.
O que Sebastian parece não perceber é que seu "eu" virtual é muito diferente do real. Ele apenas escolhe e representa um personagem, talvez colocando nele todas as suas vontades escondidas, talvez não – o que me leva a crer que Freud adoraria ter vivido em tempos de Second Life. Maurício Dalessandro é apenas um espelho de Sebastian Fantini; o mundo virtual é apenas um espelho do mundo real.
Precisamos aprender a filtrar tudo o que se passa no cyberespaço e aplicar apenas as boas influências na realidade. Difícil, considerando que os jovens de hoje em dia, principalmente dos países ricos, onde o Second Life é mais difundido, são extremamente estáveis, digamos assim. Eles não têm as dificuldades que geram motivações. Se sentem pequenos perante a imensidão do mundo. O real.

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