quarta-feira, 28 de março de 2007

A Cabeleira

Deodato Orleans de Silva e Bragança tinha uma cabeleira de dar inveja a qualquer sansão. Era algo comprido, brilhoso, bem cuidado. A maior da sua cidade e, com certeza, entre as TOP 10 do Brasil. Deodato gostava disso. Gostava e sabia como usar.
Na adolescência era um rapaz de comportamento medíocre. Não respeitava ninguém, tratava todos com rispidez e acerbo. Mas mesmo assim tinha tudo que queria. Usava seu cabelo para, de alguma forma, conquistar a todos e satisfazer seus anseios.
Teve muitos amigos e namoradas, todos, claro, interessados em seu lindo cabelo. Mas Deodato não ligava. Sabia que qualquer um que o virasse as costas poderia facilmente ser trocado por outro, bastava que balançasse a cabeleira. A usava sem economia, ostentando aos quatro cantos aquilo que, como poucos, possuía.
Certa vez, lá pelos seus vinte e tantos anos, Deodato estava muito bem instalado na vida pública, graças ao sábio uso de suas características capilares. De repente algumas notas brotaram na imprensa questionando a autenticidade daquela cabeleira. Instalou-se, afinal, no Congresso Nacional, uma CPI com o intuito de apurar todas essas denúncias.
A "CPI da Barbearia", como ficou conhecida, procurou qualquer tratamento químico na cabeça de Deodato. Chapinha, escova, bobis, mega-hair, alisamento japonês, dread-locks. Nada. Cogitaram até escova de chocolate, mas o cabelo do réu era mais limpo que carteira de brasileiro. "Isso tudo veio do meu pai", dizia.

A Revelação
Deodato ficou velho e velho, sabe como é, começa pensar na vida. Ele passava as tardes na varanda pensando no que tinha feito durante a sua. Pensado se valeu a pena te usado a cabeleira para conseguir o que queria, se valia a pena as tantas namoradas que teve, mesmo sabendo que era só interesse no cabelo. Numa dessas tarde chegou a conclusão: sim, valeu.
Ele aproveitou tanto a vida que isso já bastava. Foram tantas festas, tantas viagens, tantos romances televisionados. Deodato era um sucesso. E ainda colecionava uma porção de amigos, acreditava. Para provar isso resolveu dar mais uma festa, de arromba, talvez a última de sua vida.
E convidou todo mundo que um dia tinha passado pela sua agenda. Milhares de pessoas compareceram. Artistas, militares, políticos, esportistas, enfim, todos. Alguns jornais até botaram uma foto da festa na capa. Não havia mais dúvida: Deodato era mesmo um sucesso. Por ironia, caiu doente no dia seguinte.
Perto do fim, Deodato chamou a enfermeira para perguntar onde estavam suas visitas, seus amigos. Tinha recebido, até então, dois ou três filhos e um ex-funcionário, talvez seu único verdadeiro amigo durante toda a vida. Já Júlio, "o careca do lado", tinha ganhado até coroa de flores da comunidade onde morava.
Ao ouvir a conversa, Júlio interpelou: "Olha, amigo. Percebi que aproveitaste bem tua vida. Mas existe um velho ditado que te cabes direitinho agora: 'Se queres saber quantos amigos tens, dê uma festa. Se queres descobrir a qualidade deles, fiques doente'". Dito isto, morreu.
Deodato, enfim, entendeu: o cabelo não é tudo nessa vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cade o Alexandre??? Não vai mais escrever...estamos com saudades...até mais...