Ninguém sabia ao certo como nem quando Yordanov fora contratado. A família Silveira, há várias gerações abastada, tinha o costume de manter seus criados por décadas, até a morte ou a aposentadoria – nem o atual patriarca da família, porém, sabia dizer quando o africano com ascendência iugoslava entrara para o quadro funcional. Registros, não havia; fotos ou pinturas com familiares mais antigos, tampouco.
Isso passara desapercebido por anos e anos a fio, até que no último fim de semana, durante o chá das cinco, a pequena Clarissa fez a pergunta: “Mamá, quando foi que o Titio Yorda entrou para a família?”
O desconforto foi geral. Apesar de jamais comentado, a longevidade do funcionário era um assunto que intrigava a todos. A fim de despistar a infante, Mamá disse que Yordanov fora contratado garoto, ainda no tempo do Papá Justino, mesmo sabendo que isso não tinha qualquer possibilidade de ser real: Papá Justino havia morrido há cerca de 15 anos, e em suas memórias existe várias citações sobre os aconselhamentos do “sábio Yorda”.
Foi convocado uma reunião geral para discutir o assunto. Todos os Silveira deveriam estar presente, do mais velho ao mais jovem, do mais próximo até aquele que havia anos exilara-se no Turcomenistão tocando o braço asiático dos negócios da família. Partindo do pressuposto que todos os familiares possuíam seus aviões particulares, o encontro fora marcado para dali a apenas dois dias.
O local escolhido foi o Palácio Tenório Silveira II, também conhecido como Palácio Real, só usado para velórios, recepções de famílias reais e reuniões acerca de crises econômicas mundiais (notadamente o crack da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929). O casarão era tão pouco usado que Marco Aurélio Silveira, recém-ingressado na faculdade de Economia da USP e exímio tocador de Bandolim, jamais havia adentrado o local.
No dia do evento até a Polícia Militar foi mobilizada. A quantidade de Silveiras presente era tanta que o tráfego na Avenida Paulista, único caminho por terra para o Palácio Real, teve que ser alterado. Todas as pistas foram liberadas e os sinaleiros cuidadosamente programados para que se mantivessem verdes durante a passagem das centenas de limusines que chegavam para o grande encontro. Pelo ar, dezenas de helicópteros faziam fila para pousar num dos quatro heliportos do Palácio.
Quando todos estava devidamente instalados em suas cadeiras no salão principal (onde, aliás, fora enterrado o próprio Tenório Silveira II), deu-se início de fato o encontro. Após o discurso de abertura, proferido por Tito Silveira, prolífico e barítono, Garvásio Silveira pediu a palavra. Ele era o responsável pelos Recursos Humanos da família. Enquanto ele se punha no púlpito e se preparava para discursar, entretanto, um estrondo veio da porta e chamou a atenção de todos. Era Yordanov:
– Desculpa a intromissão, senhor, mas eu só queria servir suco a todos os presentes.
O suco de Yordanov era famoso por acalmar os nervos, dar disposição e limpar o organismo, além de ajudar no emagrecimento e dar mais capacidade mental. Assim que todos estavam munidos de seus copos, um grande brinde foi proposto e a reunião rapidamente se dispersou. Ninguém se importava de não saber como nem desde quando Yordanov estava na família, desde que ele continuasse sempre servindo seu suco em toda e qualquer circunstância.
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