Trecho do depoimento (fictício) que o ex-baixista Tales de Mileto (fictício), da banda Sonoma (fictício) , deu para o documentário (fictício) sobre os irmão Polaco e Marcelinho (fictícios), líderes da banda, mortos durante o combate entre policiais e manifestante pró-aborto na capital da Mauritânia, em setembro de 1976 (fictício).
"Tinha outras coisas que os dois faziam bem. O teatro deles, por exemplo, era divertidíssimo. Aquilo que eles faziam com as mãos... que coisa magnífica! Cada um pegava uma bola e faziam-nas parecer flutuar. Seguravam na mão, na altura do peito, e de lá ela não saía, independente do movimento do corpo. Tinha um truque onde eles seguravam uma mesma bola, um pouco maior do que as outras, suspensa no ar. Aí, como se fosse um treinamento de boxe, socavam-na, mas sem deixá-la sair do lugar. Um era o sparring, o outro o pugilista. Dois artistas, com certeza.
Mas não era disso que falávamos, era? A música, certo. Pois é, um melhor do que o outro. Aquele baixinho, o Polaco, quando pegava na guitarra parecia se elevar ao Olimpo, ao lado de Hendrix e companhia limitada. Ficava ele e só ele na sala, mesmo que auditório estivesse lotado até os lustres. Seus dedos pareciam se mover sozinhos, como que controlados por máquinas. Não erravam uma nota, aquelas mãos. E o outro, o mais novo, não se igualava a ninguém no batuque. Qualquer coisa para ele dava som. Caixinha de fósforo, balde de lixo, pote de plástico... tanto faz, tudo virava uma imensa bateria. Lembro-me de uma vez, quando estávamos no sul (não me recordo exatamente a cidade), e ele pegou um chapéu de um velho que estava na platéia. A princípio ninguém entendeu nada, mas logo perceberam que só os gênios conseguiriam nos proporcionar aquela magia: o chapéu era de um material duro, provavelmente xepa prensada, e então Marcelinho percebeu que devido ao seu tamanho ressoaria como um velho surdo indiano. Não haverá percussionista igual a ele, definitivamente. Jamais.
Na verdade eles tinham um grande problema, que com certeza atingia mais a nós do que a eles: eram muito diferentes na personalidade. Tornava-se insuportável qualquer turnê país afora. As discussões começavam ainda no palco, durante o show, quando um ou outro entrava errado na música, e se seguiam noite afora, atingindo os garçons, as mesas vizinhas e o escambau. Se um não gostava de Martini, por exemplo, não admitia que o outro tomasse. Alguma coisa de ciúme, proteção, sei lá. Mas no fundo se davam bem, a gente percebia. Era como se precisassem das discussões para conviver, para funcionar. Quando ficavam muito tempo afastados – e consequentemente sem discutir – não conseguiam criar nada de novo. As brigas lhes faziam ferver alguma coisa, elas lhes acendiam algum canto criativo no cérebro.
Quando o Marcelinho começou com esse negócio de fumar e tal a gente alertava: 'para com isso menino, fumar não vai levar você a lugar nenhum'. Mas sabe como são os jovens, né? Ele dizia que se sentia o próprio John Bonhan quando ficava de cabeça feita. Não vou mentir: de fato ele alcançava novas percepções depois de fumar unzinho. Mas os chapados são foda. Eles precisam fumar o tempo todo pra não ficarem com sono. E o cara na bateria não poderia dormir, claro. No final das contas, a banda toda ficava chapadona com os cigarrinhos dele".
Um comentário:
clap clap clap!
e disso que estou falando!
coisa boa de ler.
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