quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Sem nexo 5

Olá, moça, tudo bem? Não! Não se assuste... Eu não vou te fazer mal. Só quero conversar um pouco. Posso me sentar? Calma, eu não sou nenhum bandido ou estuprador. Eu vi que você aqui sozinha, contemplando o mar, e me deu vontade de te conhecer. Calma, já disse. Pode se sentar. Permita me apresentar: sou um rapaz metido a macho, durão, que finalmente admitiu que sente falta de carinho. Isso resolve muita coisa, não?
Você quer tomar alguma coisa? Minha casa é nessa rua. Eu posso pegar um suco se você estiver com sede.
É incrível como o mar parece entender o que a gente sente né? A maresia está sempre de acordo com meus pensamentos. Fica agitado quando estou nervoso, e bem tranqüilo quando estou sossegado. Mas sabe o que é pior? Já não vejo mais as cores do mar. Eu sei que ele está ali, azul ou verde como sempre, mas só vejo uma imensidão de cores monocromáticas. O mar, o céu, a areia. Meu mundo está cinza, você me entende? As cores foram se apagando com o tempo; chegou a um ponto que parece não haver mais como recuperar o amarelo do pôr-do-sol.
Sei que pareço jovem para pensar assim. Aliás, eu sempre disse que seria uma eterna criança. Mas não dá! O mundo não deixa que você se acomode. É preciso estar sempre em mutação, sempre se adaptando nos níveis condizentes aos "oito-sete". Isso me faz mal, eu acho. Não queria essas responsabilidades. Estão me dando sem ter perguntado primeiro. "Você precisa trabalhar", dizem. Mas por que? Para que? Trabalhar para ganhar o dinheiro que será usado nos momentos de lazer – que, por acaso, servem para ESQUECER do trabalho? Quer dizer que a gente trabalha para esquecer que trabalha?
Como já havia lhe dito, eu preciso é de carinho, sabe? Preciso ter alguém para pensar quando toca aquela música brega no rádio. Alguém pra ir de mãos dadas comigo ao cinema e depois tomar suco de acerola de canudinho no mesmo copo. Até de um irmão mais velho, chato, que implica comigo. Sou muito casca-grossa pra aprender a amar agora. Meu cachorro morreu e sabe o que eu senti? Nada. Pensei "e daí? Todo mundo morre mesmo".
Tá certo, eu sei que foi uma péssima comparação. Mas você entende o que isso significa? É um bicho, certo... Mas passou oito anos ao meu lado, puxa vida! Era meu companheiro nos momentos de solidão, meu chamariz de garotas nos passeios no parque. Será que eu não me apeguei a ele nem um pouco? Não sinto sua falta nem o suficiente para ficar triste?
...!
Dizem que eu não sinto saudades. Mas pra que eu sentiria? As pessoas sempre voltam, de um jeito ou de outro voltam. A gente sempre vai se encontrar, nem que seja no limbo, nem que seja no purgatório. Sempre dizem "me liga", e eu esqueço. Acho que na verdade eu odeio as pessoas. Viveria tranqüilamente num monte tibetano, careca e meditando sobre a origem e o futuro do universo. Sem ninguém, apenas eu e a natureza. O sol, mesmo cinza como está agora, é mais atencioso do que algumas pessoas. Não, não... Não estou falando de você. Ninguém nunca me ouviu assim, abertamente, no meio da temporada. Você está sendo muito legal.
As vezes eu me sinto impotente perante meus objetivos. Não sei se é porque são tantos e tão diferentes, mas tenho certeza de que nenhum deles será efetivamente concretizado. Dizem que a única forma de chegar ao fim do caminho é dando o primeiro passo. Mas é justamente esse o problema! Dar o primeiro passo... Qualquer que seja o objetivo eleito para ser dado o primeiro passo, dá a impressão de que todos os outros serão relegados a segundo plano. Todas as estratégias traçadas para obter o êxito em todas as áreas serão jogadas fora. Já tenho todas as estratégias, o que me falta é conseguir conciliar tudo. Não quero deixar planos e objetivos órfãos. Se eu assumir um, todos os outros ficarão sem propósito e, então, para quê foram criados, certo?
O problema é que, assim, quem fica órfão sou eu. Não há caminho algum para canalizar minhas atuações.
...!
Bem... Já está ficando tarde, não é? Se você me disser onde é sua casa talvez a gente possa tomar um sorvete mais tarde. Aí a gente continua essa conversa e, quem sabe, você possa falar um pouco. Fico muito agradecido pela sua atenção, moça. Como é seu nome mesmo?

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