quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Capítulo 01

E foi quando ela partiu, sem dizer uma palavra nem olhar para trás. Aquela tarde seca e ensolarada, típica do verão texano, ficou fria e cinzenta de repente. Não lembro o que foi que eu disse que a irritou, mas aquele momento, os ponteiros da igreja apontando 14h25, a barulhenta excursão de crianças a caminho do Museu de Arte Natural, a discussão do alemão da livraria com o bêbado dormindo no chão, tudo isso ficou gravado na minha mente. Nosso trem partiria dali a pouco, as 15 horas, e ainda decidíamos o que almoçar. Era sempre assim nas refeições: brigávamos por duas opções mas no final sempre pedíamos uma terceira, que, por acordo firmado na primeira ida juntos a um restaurante, nenhum dos dois podia gostar. Acho que a discussão estava entre steak beef ou crispy chicken, mesmo sabendo que acabaríamos comendo a tal germain saussage. Naquele dia fiquei parado no meio da calçada, esperando que ela voltasse. Ela ia voltar, sempre fazia aquilo.
O ano era 1978 e estávamos de férias no sul dos Estados Unidos. Férias é modo de dizer. Éramos dois desempregados cheios de idéias na cabeça e nenhum dinheiro no bolso. Só queríamos diversão e era somente o que conseguíamos. Apenas com a cara e a coragem, tínhamos passado por Forth Worth e Dallas. Compravamos as passagens com o dinheiro dos bicos em lava-carros, sex-shops e lanchonetes. De carona em um Ford F400 1966, o caminhão de Barry Bouani (ou Big Bear, como se apresentava), chegamos até a metade da Route 45. "BB" nos deixou na estação que, dizia ele, passava um trem velho em direção ao México, com parada nos arredores de Houston. Feito para imigrantes, custava meros 13 dólares. Clarissa e eu nos empolgamos com a possibilidade de mudar de ares. A sede do Condado de Harris tinha o maior aeroporto da região, e os 400 dólares que tínhamos guardados dava pra voar até Iowa ou Wisconsin.

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