terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Monte Sullivan

Ele esteve por aí desde sempre. Tanto livros de história quanto de geografia lhe fazem menção. Guerras foram travadas em seu entorno, suas várias depressões e vales servindo como trincheiras naturais. É do Monte Sullivan que estou falando. É dele que vem o nome da nossa cidade. Um dia, porém, ele simplesmente acordou.

Além de todas as complicações normais de uma montanha inteira de repente se erguendo do chão é claro que o episódio causou muita angústia entre a população. Uma epidemia de ataques cardíacos ocorreu entre os idosos e os jovens mais suscetíveis (a maioria dos quais de aparência muscular rígida, do tipo que você pensa que seria mais apto para lutar contra aquela coisa), e um monte de gente deixou o lugar apenas com a roupa do corpo. Os que ficaram estavam tão chocados com a visão de uma criatura capaz de espremer árvores como se fossem meras espinhas que todos permaneceram imóveis. Todos foram para a rua e ficaram apenas observando aquele ser pouco gracioso tentando encontrar uma posição mais confortável, provavelmente para matar todos nós.

Quando um esquadrão militar especial foi finalmente reunido a coisa já havia se sentado no que parecia ser uma posição de lótus. Ele falava a nossa língua.

"Não temei," disse solenemente. "Eu não vou falar com vocês como os antigos, não. Eu sei o jeito que vocês conversam hoje em dia — tenho ouvido muito disso em meus sonhos."

Surpresos pelo poder magnânimo daquela voz — e também pelo seu sotaque incrivelmente semelhante àquele dos adolescentes que costumavam se reunir em torno da placa que indicava a nossa "Sullivan City", agora um simples brinco pendurado na, bem, orelha da montanha — o exército persistiu em sua formação defensiva. Pensando bem agora eles estavam era tremendo de medo e por causa do volume daquele som, sendo que este último também afetou todos as outras pessoas e edifícios em uma faixa de pelo menos cinco quilômetros dali.

"Desculpem-me; não tive a intenção de causar qualquer perturbação," a coisa disse agora sussurrando, o que ainda soava como um show de rock and roll. "Eu sei que parece um pouco estranho, mas eu só quero ser amigo de vocês. Bom, eu sei bem o que alguns de vocês têm feito ultimamente, né?" Aqui ele acrescentou um sorriso infantil. "Não é mesmo, Ralf? Stacey? Vocês estavam bem em cima do meu ouvido, galera."

Demorou um pouco para a população aceitar que o nosso Monte Sullivan era agora um ser vivo e mais ainda até que todos conseguíssemos lidar com o fato de que ele sabia tudo sobre todos os que já tivessem ido até a placa, mas uma vez que estas coisas foram resolvidos e uma maneira mais conveniente de se comunicar foi estabelecida Sullivan se tornou parte da paisagem e da cultura da cidade. Ninguém entendia como ele tinha aprendido tantas coisas tendo estado dormindo desde sempre nem que tipo de criatura ele era, no entanto sua maneira cortês de lidar com os cidadãos e a proteção do espaço aéreo que ele fornecia foram suficientes para logo conquistar os corações de todos. Sully era amigo de todo mundo e o guardião da cidade, e com os conselhos precisos de alguém que tude vê de um ponto de vista privilegiado ele certamente acabará por ser proclamado santo um dia.

Isso me lembra a razão pela qual estou contando essa história: nem todas as criaturas estranhas fazem mal para você. Alguns, é claro, fazem — escalam os arranha-céus, devoram aviões em pleno ar e falam sobre assuntos pessoais em uma reunião de negócios —, mas outros definitivamente não o fazem. Você só irá saber com certeza depois do seu pronunciamento introdutório. Se ele não souber como falar, que é geralmente o caso dos seres oriundos do espaço sideral, você deve sempre dar-lhe primeiro o benefício da dúvida. Nunca se sabe quando você está prestes a fazer um amigo novo e gigantesco.

Quanto a Sullivan, a cidade, ela desde o ocorrido tem crescido exponencialmente em população e economia, apesar de muitos países terem deixado de negociar com a gente por causa da "ameaça para a autoestima do homem padrão". Sullivan, o homem, uma ex-montanha, que nada tem a ver com isso, continua seguindo tranquilo com sua vida, ajudando a todos, tratando as mulheres com o maior respeito e usando o seu tempo livre apenas para o crescimento pessoal, incluindo aí atividades como leitura (alguns clássicos foram reimpressos para ele em um tamanho mais conveniente) e cuidado com o meio ambiente (replantando árvores utilizadas na indústria de papel e produzindo grandes quantidades de fertilizante natural).

Vida longa ao Sullivan.

Nenhum comentário: