terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dama da noite

Antes de conhecer Roberta (este é um nome fictício; se eu usasse seu verdadeiro nome, Candy, você não acreditaria nessa história) eu tinha uma opinião muito diferente sobre os trabalhadores da noite. Eu os achava todos muito cínicos, até mesmo arrogantes, e que eles tratavam com respeito e bondade apenas aqueles que tivessem dinheiro nos bolsos. Meu breve encontro com Roberta em uma noite de verão, além de nosso eventual envolvimento mais tarde, foi suficiente para me provar que eu estava completamente errado. Sou grato a ela por isso.

Roberta e eu nos encontramos pela primeira vez em um lugar pouco usual para este tipo de introdução. Eu estava voltando para casa depois de uma hora extra e ela estava no ponto lendo "Madame Bovary" enquanto o ônibus falhava em seu intento de chegar.

"Ah, estou acostumada com isso," disse ela. "É sempre assim nas sextas-feiras. Quem pode culpá-los, certo? É sexta-feira."

Essa forma doce e estóica de falar não me deu nenhuma pista sobre o que eu estava prestes a descobrir. Em vez disso me fez lutar contra a minha própria necessidade de andar sozinho com meus fones de ouvido e me envolver em uma conversa para variar. Em minha defesa ela já tinha fechado o livro e parecia interessada em tudo o que eu tivesse para dizer.

"Então", fiz questão de desapontá-la. "Você sempre pega este ônibus?"

"Sim — sim, toda vez que vou para o trabalho."

Aquele sorriso constante, branquíssimo porém ainda natural, amplo mas apenas o suficiente, era cativante. Parecia não importar o que eu tivesse para dizer que ela não se faria incomodada. Eu não estava acostumado com isso. Na hora isso também não me pareceu que poderia fazer parte do seu trabalho.

"Mas a essa hora do dia?" perguntei.

"Bem", ela respondeu. "É preciso ser feito o que é preciso ser feito, não é mesmo?"

Assumindo a partir disso que ela era uma enfermeira nossa conversa fluiu de maneira incrível. Ela se encarregava da introdução de novos temas e da tarefa de me fazer sentir confortável; eu apenas respondia da forma mais clara possível tentando não parecer desconfortável. Eu não havia tido uma conversa com um desconhecido em um ponto de ônibus em anos, provavelmente desde o colégio, então não fazia idéia do que seria educado dizer e até que ponto tocá-la, uma vez que estivessemos dentro do veículo, seria apropriado. Suas mãos me empurrando em direção a um lugar vazio quando o ônibus chegou praticamente resolveu a questão e me encorajou a perguntar onde eu poderia encontrá-la mais tarde para tomarmos um café.

"Pinewood House", disse ela prontamente. "Estarei lá de agora até as seis da manhã. Você pode ir a qualquer momento que darei um jeito de ficar com você."

Eu não tinha idéia do que era aquele lugar. Pelo nome dele — e pela profissão dela — assumi que fosse uma casa de repouso. Por essa razão decidi aparecer por lá apenas mais tarde, para ter certeza de que os idosos já estariam na cama e Roberta estaria totalmente livre.

Quando procurei o endereço na internet nenhuma informação sobre o lugar veio à tona. Deve ser novo, pensei, por isso nunca ouvi falar. Ou talvez este tipo de lugar nunca tenha chamado a minha atenção antes. De qualquer forma passei uma colônia e saí para ver minha nova amiga. Eu já conseguia imaginá-la na sala de enfermagem e tremi com a idéia de que ela iria me apresentar para os outros empregados da noite. Nunca fui bom com aparições públicas.

Para minha surpresa quando cheguei ao endereço que tinha em mãos o lugar não parecia em nada com uma casa de repouso. Ele estava cercado por bares e casas noturnas, algumas delas de péssimo gosto, e sua decoração externa me lembrou o 461 Ocean Boulevard de Eric Clapton. A placa do Pinewood House era minimalista e pouco iluminada, o que me levou a pensar que ele estivesse fechado e eu nunca iria ver Roberta novamente. Verifiquei novamente no meu celular e não havia nenhuma outra empresa com o mesmo nome na cidade. Senti-me miserável outra vez, e olhei ao redor para decidir onde iria acabar a noite. Sozinho.

Porém logo em seguida da varanda escura veio uma lanterna seguida por uma pessoa usando um quepe policial. Demorei alguns segundos até conseguir reconhecê-la.

"Achei que você não viria mais," Roberta sorriu. "Venha; deixe eu lhe mostrar as dependências do local."

No fim das contas ela não era uma enfermeira. O Pinewood House era uma loja de móveis durante o dia, e minha amiga é quem cuidava do lugar durante a noite. Roberta era vigia, um guarda noturno que lê Flaubert no ponto de ônibus e fala com estranhos em uma maneira agradável. Fiquei realmente surpreso.

Nenhum comentário: