Flamengo, cerveja, mulher e literatura. Necessariamente fora dessa ordem.
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Desilusão
Tudo o que ele queria era conhecer a filha do Anacleto. Morena, lábios carnudos e com os negros cabelos tocando-lhe a cintura, Paulinha era o exemplo clássico de beleza suburbana. Sozinha ela já havia causado todo tipo de rebuliço nos arredores da Vila Santa Helena -- e Valdo pensou que decididamente chegara a sua vez.
O primeiro passo para se aproximar da pequena foi se envolver mais nos assuntos da comunidade. Anacleto tinha um quê de representante popular, e na visão do desabastado Valdo só através do velho seria possível chegar mais perto da Paulinha. Para ela não havia distinção entre pobre e rico: um ela ignorava; o outro, namorava.
Na primeira reunião que teve Valdo chegou cedinho, cedinho. Figura rara por ali, logo chamou a atenção de Roberto Carlos, o puxador de samba oficial da vila e representante comercial de uma marca de calcinhas. "Veio fazer o quê aqui, Valdo?", perguntou. No que não obteve resposta, insistiu: "Alguém roubou a sua casa?" Era só para exigir segurança que um novato passava a frequentar aqueles encontros.
Valdo olhou torto para o inquisidor. Eram amigos, mas Roberto Carlos já havia se engraçado para cima de Paulinha e, portanto, tornou-se inimigo mortal. Quando lhe virou as costas chegou a ouvir um insulto, mas preferiu ignorar. Sua missão era clara: procurar Anacleto e perto dele permanecer até o fim da reunião. Se conseguisse ser convidado para formar par no jogo de truco que fatalmente ocorria na confraternização logo em seguida estaria com a faca e o queijo na mão.
Quando Anacleto entrou ofegante no salão todo mundo imediatamente se virou. Ele estava com o paletó inteiro ensanguentado, mostrando com um corte profundo bem no meio da testa e um dos braços aparentemente torto, como que quebrado. Gritava: "eu mato aquele lazarento. Se ele aparecer na minha frente de novo, eu mato aquele desgraçado filho de uma égua".
Apesar da comoção generalizada ninguém quis dirigir a palavra ao moribundo. Sem a vaga ideia do que havia acontecido e com seu objetivo em mente, Valdo foi ao encontro do velho. "Que se passou, Anacleto?", perguntou-lhe com o rosto consternado. "Tentaram assaltar sua mercearia, é?" Eis que o outro, aflito, respondeu-lhe: "qual o quê! Isso foi um maldito que tentou cortejar a minha filha. Não admito Paulinha de conversinha com outro cara por aí".
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