sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Enrolar-te-ei

O que fazer quando já se tentou começar a escrever cerca de dez vezes um texto – e com assuntos diferentes – mas nada deu certo? Suicídio seria uma boa opção; quebrar o computador também. Desistir? Nunca. É por isso que vou lhes mostrar aqui uma arte milenar subliminarmente ensinada nos cursos de jornalismo: a enrolação.

Sim, porque na faculdade eu precisava fazer provas. E muitas provas, aliás; não dava tempo de estudar para todas. E as provas de jornalismo, meus caros, nada têm a ver com essas de engenharia que se vê por aí, não. Quando a questão envolve números é psicologicamente mais fácil: é ou não é, ou você sabe ou você não sabe. Não existe meio certo, quase certo; simplesmente existe ou não existe, ou você acerta ou vai pra lama. No jornalismo, e imagino que nas cadeiras humanas em geral, a sua nota depende de muito mais fatores do que a sua incrível capacidade de reter 200 fórmulas diferentes na cabeça.

Vamos a um exemplo prático. Certo dia estava eu todo serelepe respondendo as questões de uma prova aparentemente fácil de uma matéria qualquer. Escrevi as sete primeiras respostas com certeza absoluta de que tinha acertado tudo. A última era uma questão do livro. Pensei com meus botões: “que livro maldito será esse, meu deus do céu?” Eu não tinha idéia alguma de qual era o livro em questão. E olha que às vezes só o título já serviria de embasamento para uma resposta-enrolação, mas desta vez nem o nome do autor eu tinha idéia.

Enfim, parei de cagar nas calças e me pus a ler a maldita pergunta. Era algo como “o que fez Fulano de Tal naquele fatídico ano de 1930?” Olhei para os céus e disse alto o suficiente para que todos na sala pudessem me ouvir: “obrigado, Dionísio!” Foi o meu momento de fé, mas na mesma hora o professor se levantou, correu endiabrado em minha direção, puxou minha prova e disse: “suma da minha classe, seu coladorzinho dos diabos. Você e esse seu amigo Dionísio”.

Ok, este último parágrafo foi quase todo mentira. Enrolei vocês. Continuando.

A questão era mesmo aquela: “que fez fulano naquele conturbado ano de 1930?” Consultei meus parcos arquivos cerebrais e vi que tinha 50% de chance de acertar: ou fulano apoiou o golpe do tio GG ou ele viu que a barra ia pesar e meteu o rabo entre as pernas. Escolhi que ele não só apoiou Getúlio (até porque ninguém escreveria um livro sobre a vida de um covarde) como foi por ele dada a primeira notícia de que a movimentação pela deposição do presidente Washington Luis estava sendo deflagrada (afinal era uma prova do curso de jornalismo). Arrisquei, admito, mas, já que eu não sabia nada mesmo, era melhor enrolar com detalhes que isso pelo menos deixaria a resposta mais bonita, e as pessoas gostam mais das coisas bonitas – até mesmo os avaliadores.

No fim das contas, ao receber a nota da prova, vi que das sete questões que eu tinha respondido com certeza estavam mais da metade delas erradas. E a do livro, a big-enrolation, surpreendentemente foi a única completa dentre todas as provas da turma. A única que recebeu nota integral. Certamente os outros se limitaram a dizer que o Fulano apoiou a revolução e só. Ou então consideraram o protagonista do livro maricas. Tolos. Maricas não deixam história para contar – sobretudo em um ano conturbado como o de 1930.

Só pra constar: Fulano de Tal era Osvaldo Aranha, a primeira pessoa que telegrafou para o Rio de Janeiro, então capital federal, a notícia de que a Revolução havia sido iniciada.

Se você chegou até aqui, bravo!, mas imagino que deva estar se corroendo por dentro com a pergunta de um milhão de dólares: “onde estará o maldito desfecho da proposta original, que era mostrar esta tal arte jornalística, explicando como ela é ensinada apenas subliminarmente”. Bem, te digo que não há explicação – é tudo muito subliminar, dã. Você terá que entender por si mesmo. E não se esqueça de uma coisa super importante: você foi enrolado até aqui, então… ponto para os homens!

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