terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

É melhor ser alegre que ser triste

Duílio era uma figurassa. Não tinha como ficar de mau humor perto dele, o sujeito fazia graça com tudo. Levava a vida numa boa e não se negava nenhum dos prazes da vida. Duílio não passava vontade. Pai de família sempre que podia levava a sua cara metade para as festas, bailes e afins.
Certo dia Duílio estava numa roda de amigos depois do trabalho e apareceu uma senhorita que agradava os olhares de todos. Os homens do bar ficavam hipnotizados com a beleza da beldade que passava entre as mesas. As mulheres procuravam algum defeito, sabe como é né! Ela encontrou um grupo de amigas que a aguardava numa mesa próxima.
Na mesa de Duílio e seus amigos a pauta da conversa foi a gata da mesa 8. Um dos colegas de Duílio o desafiou: Duvido que você passe um xaveco na gata! Sem deixar a peteca cair Duílio nosso herói , aceita o desafio. Duílio malandro que é, foi até a mesa das garotas e fez das suas. Contou uma piada, fez uma brincadeirinha aqui e outra acolá e conseguiu o telefone da garota pretendida.
Porém, sempre tem um porém, a garota ao sair do bar foi até a mesa de Duílio e seus amigos, aproximou-se e disse: Duílio meu lindo, por deixar para me ligar depois, vamos dar uma volta agoara mesmo! Ele responde na bucha: Só se for agora!
E fanfarrão que é fanfarrão não perde a oportunidade, e Duílio não deixou por menos. Levantou na mesma hora e falou para o amigo desafiante que pagasse a parte dele da conta. E saiu com o mulherio.
Foram para a casa da moça e sabe como é né. Como diria o ícone da MPB Mc Catra “o bagulho é sério/ vai rolar um adultério/ tara tatara taratara tatara taratara” . E rolou mesmo. Duílio era um cara hábil com as palavras e sempre arrumava as melhores desculpas para a sua esposa. No dia seguinte ele percebeu que a garota tinha passado um telefone que não era dela. (malandra não!?)
Mas a vida é uma caixinha de surpresas, certo dia Duílio teve um piripaque no trabalho e teve que ser internado. Eram os efeitos da boemia e farras aparecendo aos trinta e poucos. Teve que fazer exames e tals, ele estava na cama meio que dormindo e ouviu o médico comentar com a enfermeira que ele estava com AIDS.
Aquilo foi um tiro no coração do fuleiro, ele queria sumir. Lembrou-se da garota do bar e não se perdoou. Ele que sempre foi um ícone nas desculpas mais estroboscópicas (lembrei do strogonoficamente sensível hahaha), como ele iria avisar a esposa que estava contaminado. E que possivelmente ela também estaria contaminada.
Ao receber alta do hospital Duílio voltou para casa e notou que os médicos não disseram nada sobre o fato dele ser soropositivo, apenas ereceitou um caminhão de remédios e uma dieta. O que deixou Duílio boladão. Dias se pasaram e ele não copnsegui falar com a esposa e nem mesmo teve coragem de olhar para os exames. O de sangue então, quase enfartava só de pensar.
Eu já disse que a vida é uma caixinha de surpresas, pois então. Uma semana após a alta do hospital ele volta ao trabalho. Nem parecia o mesmo, tentava mas não conseguia fazer as piadas e brincadeiras de outrora. Até um dia resolveu ir falar com o médico que fez o seu tratamento hospitalar.
_ Doutor! Preciso que você me diga uma coisa, quanto tempo de vida eu tenho, se minha esposa vai sofrer muito, se existe cura para isso?
_ Cura não tem, mas se você seguir o tratamento corretamente pode viver normalmente, mas sem exageros.
_ Po Doutor, mas e aqueles remédios. É aquele tal coquetel que as pessoas soropositivas tomam?
_ Soropositivas!?
_ É doutor, que tem AIDS toma isso não toma?
_ Aqueles que estão infectados com o HIV sim, mas os diabéticos não.
_ Diabético!?
_ O que foi, vai dizer que você acha que o tratamento é o mesmo?
_ Sabe o que é doutor. É que quando eu estava no hospital, teve um dia que eu o ouvi dizendo para uma enfermeira que eu era aidético.
_ Não eu disse, diabético!
_ Uhuuuu eu sou diabético. Diabético hahahaha... Doutor salvou minha vida.
Fim

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Capítulo 01

E foi quando ela partiu, sem dizer uma palavra nem olhar para trás. Aquela tarde seca e ensolarada, típica do verão texano, ficou fria e cinzenta de repente. Não lembro o que foi que eu disse que a irritou, mas aquele momento, os ponteiros da igreja apontando 14h25, a barulhenta excursão de crianças a caminho do Museu de Arte Natural, a discussão do alemão da livraria com o bêbado dormindo no chão, tudo isso ficou gravado na minha mente. Nosso trem partiria dali a pouco, as 15 horas, e ainda decidíamos o que almoçar. Era sempre assim nas refeições: brigávamos por duas opções mas no final sempre pedíamos uma terceira, que, por acordo firmado na primeira ida juntos a um restaurante, nenhum dos dois podia gostar. Acho que a discussão estava entre steak beef ou crispy chicken, mesmo sabendo que acabaríamos comendo a tal germain saussage. Naquele dia fiquei parado no meio da calçada, esperando que ela voltasse. Ela ia voltar, sempre fazia aquilo.
O ano era 1978 e estávamos de férias no sul dos Estados Unidos. Férias é modo de dizer. Éramos dois desempregados cheios de idéias na cabeça e nenhum dinheiro no bolso. Só queríamos diversão e era somente o que conseguíamos. Apenas com a cara e a coragem, tínhamos passado por Forth Worth e Dallas. Compravamos as passagens com o dinheiro dos bicos em lava-carros, sex-shops e lanchonetes. De carona em um Ford F400 1966, o caminhão de Barry Bouani (ou Big Bear, como se apresentava), chegamos até a metade da Route 45. "BB" nos deixou na estação que, dizia ele, passava um trem velho em direção ao México, com parada nos arredores de Houston. Feito para imigrantes, custava meros 13 dólares. Clarissa e eu nos empolgamos com a possibilidade de mudar de ares. A sede do Condado de Harris tinha o maior aeroporto da região, e os 400 dólares que tínhamos guardados dava pra voar até Iowa ou Wisconsin.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Salve Nelson, o Rodrigues

Dias desses li um texto criticando sutilmente o escritor Nelson Rodrigues. Aquele, autor de nada menos que o clássico "A Vida Como Ela É". A "promotoria" – em algum jornal do interior do Paraná, talvez a Folha de Londrina – acusava Nelson de ser simplista, machista, pejorativo e inocente. Falava de seus contos como "um pouco tragicômicos, mas cheios de sexo, violência e traição", e ainda o chamava de pseudo-intelectual. De fato não era tão estudado, conforme descobri com menos de dois minutos de google, mas ninguém melhor do que ele para falar do cotidiano do brasileiro da época: o carioca.
Para essas minhas tão comentadas férias, fiz questão de comprar esse livro. "A Vida Como Ela É" é simplesmente fantástico! Contribuiu com 60% do meu processo de perda de identidade. Neson Rodrigues conta histórias que parecem ter sido tiradas das conversas com o velho tio Joel ou com o falecido Biso. São tão reais, palpáveis, que você parece interagir com cada personagem; chega a ter pena do mocinho traído e raiva do vilão coadjuvante. Nada melhor do que a realidade de terceiros para te fazer pensar melhor na sua.
Foi o que me fez cogitar que o tal "crítico literário" não consegue aceitar a realidade em que vive. Com o perdão do trocadilho, não consegue aceitar a vida como ela é. Cheia de sexo, intrigas, gambiarras, traições, paixões, malandragem, brigas, a vida é uma mistura de emoções. Nelson Rodrigues foi inocente o suficiente para transcrever com fidelidade o que acontecia a sua volta. Contava como um amigo pelo telefone o óbvio ululante que podia estar se passando no apartamento do lado, sem fantasiar, como tantos outros escritores realistas de seu tempo.
Amante do futebol, por um tragédia do destino torcedor do Fluminense (o Fla-Flu é o que é por causa dele e do seu irmão, o jornalista Mário Filho, agora Maracanã), dizia que "o mal da literatura brasileira é que nenhum escritor sabe bater um escanteio".
Ele sabia.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Tudo igual no ano-novo

Daqui a pouco é amanhã, e tudo volta a ser como era antes. O trabalho, a faculdade e os velhos textos melancólicos. Logo agora que eu tinha prometido me fingir de alegre o tempo todo e não só na companhia de outras pessoas.
Quando saí de férias, uma das propostas-para-mim-mesmo, aqueles juramentos que não podem nem devem ser quebrados, era usar o tempo que eu teria disponível para repensar a minha vida. Repensar o que eu tenho feito de interessante e o que ainda tenho por fazer. Eu esperava descobrir quem sou para ter idéia do que poderia vir a ser.
Pelo menos para poeta agora descobri que sirvo.
Logo eu, outrora sagaz, vindo de tão longe, preparado por tantas combinações, por tantos gestos extintos. Estou desaparecendo pouco a pouco, dando espaço para novas combinações e outros gestos. Outros ataques, réplicas, reviravoltas da sorte... Enfim, uma quantidade pequena de aventuras.
Estou emocionado, sinto meu corpo como uma máquina de precisão em repouso. Posso dizer que tive verdadeiras aventuras. Não recordo seus detalhes, mas percebo o encadeamento rigoroso das circunstâncias. Atravessei mares, deixei cidades para trás e subi rios, ou então me embrenhei em florestas, sempre me dirigindo a outras cidades. Tive mulheres, me meti em brigas; e nunca podia voltar atrás, como um disco que não pode girar ao contrário.
E tudo isso me leva aonde? A esse minuto, a essa cadeira, a essa bolha de claridade zoante de música.
Ando mentindo muito para mim mesmo. Minha vida nada tem de muito brilhante. Eu imaginava que em determinado momento da minha carreira na Terra poderia assumir uma qualidade rara e preciosa. Tenho vivido como um aposentado lobo dos mares, se mantendo firme graças as suas histórias. Quando toca alguma música nos lugares que frenquento, me transporto ao passado, evoco aventuras que de fato vivi, mas em outras épocas, em outras circunstâncias. Aventuras que não voltam mais.
As aventuras estão nos livros. Menti pra mim mesmo durante os últimos 19 anos. Tudo o que se conta nos livros pode acontecer realmente, mas nunca da mesma maneira.
Pobre de mim. E pobre de vocês, os que lêem essas coisas.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Revolta às aulas: barbaridade!

As férias acabaram com um saldo negativo, pelo menos para mim. Eu não consigo falar como antes, não consigo ler como antes. Definitivamente eu não consigo escrever como antes. Férias é bom, mas causa o emburrecimento da nação. Perdi toda a graça acumulada em 2006.
Aquele misto de sal e areia no olhos prejudicou minha visão. O excesso de cerveja na cabeça diluiu toda minha capacidade de entedimento das coisas. A mistura frenética de churros, milho verde, coco gelado e mais churros destruiu todo o meu aparelho digestivo. Realmente estou a ponto de ir pra vala.
O que mais me preocupa é que ganhei uma crise de identidade em janeiro. O tempo que fiquei somente com a minha família, sem contato com amigos boêmios e bagunceiros, me serviu para o "autoconhecimento de si mesmo", como disse o loura Grazi Massafera dias desses. As intermináveis horas que eu passava sozinho, seja lendo, jogando winning ou olhando para o teto, serviram para pensar na porcaria que eu estou me tornando. Não cheguei a conclusão nenhuma.
Agora, em Curitiba, de volta a 50% da vida normal, eu olho no espelho e não vejo nada. Sequer uma forma humana para ficar contamplando e procurando cravos. Já não sou mais aquele que conhecia e não sei o que virá depois. Medo! Meu irmão e minha mãe dizem que é a barba, não sei.
Enfim, feliz 2007; ele está chegando. É logo ali, depois do carnaval.